O Booktok ganhou força em meados de 2020, durante a pandemia do covid-19, e conseguiu fazer com que livros desconhecidos e “esquecidos” pelos leitores se tornassem best-sellers.
Embora o fenômeno de indicar livros nas plataformas digitais não seja necessariamente novo, visto que os booktubers (pessoas que indicam livros no Youtube) surgiram anteriormente ao TikTok, a novidade desta última está no formato dos vídeos mais curtos, usos de hashtags específicas.
A tag #Booktok, que acumula mais de 28,3 milhões de conteúdos publicados no TikTok, é um fenômeno de comentar e compartilhar resenhas, indicações, críticas e “trends” literárias na plataforma. Os vídeos encantam a comunidade apaixonada por literatura, lugar no qual as pessoas buscam e trocam indicações de qual livro ler.
Fenômeno Colleen Hoover
Com isso, o público predominantemente jovem e a presença dos algoritmos que também entregam os conteúdos para usuários que não são seus seguidores, apoiado nos gostos dos consumidores, fazem com que livros sejam catapultados para fenômenos de vendas.
Foi o que aconteceu com o romance “É assim que acaba”, publicado em 2016, de Colleen Hoover. A publicação se tornou a segunda obra mais vendida de ficção adulta, em 2021 nos Estados Unidos, e acumulou mais de 151,4 mil publicações em inglês com a hashtag do nome do livro (#itendwithus) no TikTok e 770 mil cópias vendidas apenas nesse ano.
A autora inclusive é um dos exemplos de como o booktok mudou seu status dentro do mercado literário. São mais de 10 de carreira e 28 livros publicados. A autora tem mais de 20 milhões de cópias vendidas pelo mundo somente do título “É assim que acaba”. O jornal americano The New York Times chegou a dizer que ela "vende mais do que a Bíblia" nos Estados Unidos.
Como é a vida do Booktoker?
Ana Júlia Barros, de 21 anos, criadora de conteúdo na plataforma TikTok, fala sobre livros em suas redes sociais. Ela que indica tantas leituras no Booktok, diz ter lido o livro “A Natureza da Mordida”, de Carla Madeira, por indicação de um entrevistado em um de seus vídeos. A booktoker iniciou seu gosto pela leitura aos 13 anos, através da saga de livros “Harry Potter” e o seu maior encanto é poder se encontrar nas obras.
“O autor que nunca te viu na vida, não faz a menor ideia de quem você seja, conseguindo traduzir em palavras, sentimentos e vivências suas que você nunca nem tinha parado para refletir sobre elas”, afirmou.
Ana acumula mais de 264 mil seguidores e 9 milhões de curtidas em seu perfil no TikTok. Dentro da rede social, a maior parte de seu público é jovem e feminino. As indicações de livros que ela faz são “sempre por vontade própria” e as poucas vezes em que realiza parceria com alguma editora, só divulga o livro após ler e gostar.
A criadora de conteúdo acredita que o “Booktok” tem impactado de maneira positiva a vida das pessoas, especialmente dos jovens que estão aderindo mais à cultura de ler. Ela trabalhou na Bienal do Livro de 2023 a convite do TiktTok. No evento, entrevistou autores internacionais e nacionais como Cassandra Clare, Thalita Rebouças e Maurício de Souza.
“É um prazer gigantesco poder falar que hoje vivo da minha maior paixão que é a leitura e ser reconhecida por isso. Pessoas me param para falar ‘eu li tal livro por sua causa e esse livro mudou a minha vida’ e eu fico “esse livro mudou a minha vida. Como algo tão pessoal se torna público de uma forma tão linda”, se questionou.
“Algumas coisas que li não se contentaram com minha memória, caíram no meu sistema digestivo, e eu as incorporei como a um bom bife. A ponto de não saber mais se são minhas as palavras que digo ou se eu deveria viver entre aspas”. (“A Natureza da Mordida”, Carla Madeira)
Estava mais no aplicativo do que vivendo sua própria vida
Natalia Trevisan, estudante de psicologia, conta que seus vídeos favoritos da plataforma são aqueles em que os booktokers contam as histórias dos livros como se fossem a história de suas próprias vidas.
A estudante sempre amou literatura e acompanhou os conteúdos do Booktok durante a pandemia. Leu livros como “Os sete maridos de Evelyn Hugo” e “Um de nós está mentindo” por influência desse fenômeno.
Em 2022, decidiu desinstalar o aplicativo porque estava passando mais tempo no TikTok do que na vida real, mas ressalta que o motivo pelo qual deixou de acessar a plataforma não esteve atrelado ao Booktok.
“Estava dando mais tempo para aquele aplicativo do que para a minha vida”.
Costume de ler aumenta, mas poder na mão das big techs preocupa
Uma pesquisa realizada por Nielsen Bookscan mostrou que houve um aumento de 39% na venda de livros entre janeiro e setembro de 2021 em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Segundo Mauricio Barth, doutor em diversidade cultural e especialista em marketing, o crescimento desse setor esteve possivelmente atrelado a pandemia, uma vez que as pessoas passaram a ficar ainda mais tempo online, tentando encontrar novos hobbies.
Quando questionado sobre o movimento Booktok contribui para a valorização da literatura, Tarcisio Torres, professor e pesquisador do curso de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), diz que: “em um país que se lê pouco, o despertar na leitura por meio do aplicativo não é massivamente transformador, mas reduzido a um público específico”.
De acordo com a quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, publicada em 2019 pelo Instituto Pró Livro e o Itaú Cultural, apenas 52% (100,1 milhões de pessoas) da população brasileira leem livros, o que representa pouco mais da metade dos brasileiros.
Barth diz da necessidade de se considerar aspectos relacionados à democratização do acesso à leitura. “Como a diversidade de “atores” envolvidos (por exemplo, a variedade de “creators” que não estão, necessariamente, ligados às editoras). Porém, embora exista uma diversidade de vozes e recomendações, é importante considerar como as dinâmicas da indústria editorial mais ampla podem, eventualmente, influenciar o que ganha destaque nessas plataformas”.
Torres ressalta ainda a importância em se debater sobre literatura em espaços tão dominados pela lógica algorítmica e a “dataficação” do consumo, no qual, em um mercado editorial, regido por tendências e alta concorrência, também operam mecanismos de promoção para outros tipos de produto.
Assim, os títulos que ganham mais destaque são os ‘clichês’, enquanto os clássicos e gêneros mais densos têm menos espaço.
“O negócio das plataformas é manter o usuário conectado cada vez mais. Assim, é de se pensar seu benefício final para uma geração de jovens que estaria sendo incentivada a ler mais. Ler significa investir tempo fora das plataformas, ou seja, é algo contraditório em termos de negócio para elas. Por outro lado, as editoras sim têm a ganhar com isso. Porém, sabemos que o poder em influenciar tendências de consumo entre jovens está muito mais nas mãos das big techs do que das editoras. E os booktokers, com a produção de conteúdos rápidos e atrativos, não deixam de contribuir para isso”, finalizou.
Bienal pode ser um termômetro
A Bienal do Livro de 2022, primeira edição presencial sem limitação da quantidade de pessoas pós-pandemia do coronavírus, contou com 660 mil visitantes, 10% superior ao público da última Bienal do Livro presencial (2018) e a Bienal realizada no último ano, 2023, bateu o recorde de vendas, com média de nove livros por pessoa; mais de 600 mil estiveram presentes no evento. Entre os sucessos de vendas, vários livros que são trend no #booktok.
*Sob supervisão de Andrey Mattos