Muito longe de qualquer campo de batalha, soldados alemães e ucranianos reunidos em uma clareira perto de Klietz, no estado alemão da Saxônia-Anhalt, estão vestidos para a guerra. Eles carregam rifles e equipamentos militares e estão acompanhados de tanques e outras armas pesadas em uma área verde a duas horas de carro de Berlim.
Capacetes camuflados e rostos ocultos por balaclavas agravam a cena de mau presságio que, felizmente para os presentes, era apenas uma encenação. Os soldados estavam lá, na véspera do segundo aniversário do início da guerra na Ucrânia, para cumprimentar autoridades.
O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, e o embaixador da Ucrânia na Alemanha, Oleksiy Makeev, faziam uma visita à base da Bundeswehr, as Forças Armadas alemães, que participa de uma missão da União Europeia para treinar militares ucranianos.
À primeira vista, a apresentação do poderio militar, que incluiu uma manobra de tanque com uso de munição real e uma demonstração de reparo de equipamentos, poderia ocultar uma grande diferença entre os exércitos dos dois países. A experiência mais recente dos alemães em uma grande guerra foi há oito décadas, quando deflagraram a Segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, houve treinamentos para um temido confronto armado contra a União Soviética, mas ele nunca aconteceu.
Aluno vira professor
Isso faz com que os ucranianos sejam os únicos militares da ativa com experiência sobre como lutar uma guerra terrestre na Europa contra um exército russo invasor. Enquanto os alemães estão ensinando táticas que nunca tiveram que colocar em prática, muitos dos aprendizes ucranianos acabaram de sair das linhas de frente.
Quando o programa de treinamento terminar, os alemães voltarão para seus quartéis, enquanto os ucranianos voltarão ao campo de batalha.
Os soldados não foram autorizados a falar com a imprensa durante a visita, mas o oficial alemão sênior no local do evento disse à DW que o abismo entre a teoria e a prática é uma presença constante no treinamento.
"Consideramos que fazemos as coisas de forma muito diferente, usamos sistemas de forma muito diferente, porque as ideias antes da guerra da Ucrânia sobre como se luta uma guerra eram diferentes das de hoje", disse o major-general Stefan Lüth, vice-chefe do Serviço de Apoio e Habilitação Conjunta (SKB) da Bundeswehr.
"O intercâmbio é importante", afirmou. Enquanto os ucranianos aprendem os métodos da Otan usando armas que a Alemanha e outros países fornecem, os instrutores alemães absorvem, de forma indireta, as amargas lições do combate real.
O uso generalizado de drones e vulnerabilidades imprevistas na cadeia de suprimentos, por exemplo, estão forçando os planejadores militares do Ocidente a rever suas suposições. "[Os ucranianos] vivenciam como as coisas são agora, e você pode aprender com isso", disse Lüth.
Missão militar em meio a desafios políticos
A Missão de Assistência Militar da União Europeia à Ucrânia (EUMAM) está em seu segundo ano. A Alemanha e a Polônia assumiram a maior parte da responsabilidade, embora a maioria dos membros da UE e alguns países terceiros participem de alguma forma. De acordo com os dados da UE, 10 mil soldados ucranianos foram treinados até o momento, e as autoridades pretendem chegar a 30 mil até o final de 2024.
Os Estados Unidos e o Reino Unido também realizam seus próprios programas de treinamento.
Esse tipo de engajamento prático parece divergir cada vez mais do apoio nos círculos mais altos do poder. Em Washington, Berlim e Bruxelas, manter a promessa de apoiar a Ucrânia "o tempo que for necessário" vem esbarrando em obstáculos de política interna. Os EUA se aproximam das eleições em novembro, e os republicanos no Congresso vêm dificultando o envio de ajuda à Ucrânia.
Na Alemanha, o chanceler federal Olaf Scholz com frequência celebra o novo acordo bilateral de segurança assinado por seu governo com a Ucrânia e sua posição de liderança, em números absolutos, na assistência financeira ao país invadido pela Rússia, mas ao mesmo tempo pressiona para reduzir sua participação em um fundo da UE.
Além disso, na véspera da visita de Steinmeier e Pistorius ao campo de treinamento, a maioria do governo no Parlamento votou contra uma resolução da oposição que pedia o envio de mísseis de cruzeiro Taurus à Ucrânia. Scholz justifica sua recusa em autorizar o envio do míssil com o medo de uma escalada, dizendo que o uso da arma exigiria a participação direta da Alemanha na seleção do alvo.
No âmbito da UE, a meta de entregar um milhão de projéteis de artilharia até março está longe de ser alcançada, já que os países-membros colocam o desejo de ampliar a sua produção doméstica à frente da possibilidade de aquisição de estoques existentes pelo mundo.
"A Ucrânia certamente pode vencer", disse o historiador norte-americano Timothy Snyder ao jornal alemão taz. "O problema não são os ucranianos. O problema somos nós – Europa e América do Norte", afirmou.
Na segunda-feira, o governo francês, que vem sendo criticado por dar uma magra contribuição à defesa da Ucrânia, organizou às pressas uma reunião de alto nível com aliados em Paris, na esperança de reenergizar a comunidade euro-atlântica que apoia a Ucrânia. E o presidente Emmanuel Macron ganhou as manchetes ao mencionar a hipótese de uma eventual presença de militares europeus na Ucrânia.
Consequências da inação
A opinião pública europeia parece ter acompanhado esses sinais de desânimo. De acordo com uma nova pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores, há mais pessoas na UE a favor de pressionar pela paz do que de insistir na recaptura do território perdido para a Rússia. Os alemães se alinham quase exatamente com a média na UE – 41% a 32%, respectivamente.
Os apoiadores mais ferrenhos da Ucrânia denunciam qualquer negociação como uma capitulação ao presidente russo, Vladimir Putin, e uma ameaça à segurança europeia. Por mais vaga que seja a ideia de "vitória" para eles, "derrota" significa algo muito mais claro.
"As pessoas tendem a descrever a situação como um impasse. Na verdade, não é. Ao longo de trechos da linha de frente, as tropas russas têm conseguido avançar de forma muito lenta e gradual", disse András Rácz, pesquisador sênior do Conselho Alemão de Relações Exteriores, em uma coletiva de imprensa em Berlim na semana passada.
O enfraquecimento das forças ucranianas levou a pedidos de mudança para uma "defesa ativa", o que significa garantir que a Ucrânia possa manter sua linha de frente até que esteja forte o suficiente para fazer outra investida ofensiva. Isso exigiria mais armas, bem como modelos mais avançados, que os maiores fornecedores da Ucrânia vêm negando ou adiando.
Isso também requer treinamento contínuo sobre como usar as armas. Nos locais em que isso acontece, em bases militares distantes das capitais que abrigam os debates políticos, os militares encarregados de preparar os ucranianos para voltarem à guerra com novas habilidades cumprem suas ordens sem pensar muito nas políticas que as moldam.
"Esta é uma tarefa importante e que dá uma contribuição. Certamente não resolve tudo, mas apoia ativamente a Ucrânia", disse o major-general Lüth, acrescentando que é responsabilidade dos especialistas e formuladores de políticas definir uma missão. Cabe aos militares realizá-la. "Nesse sentido, não vejo um problema com a evolução da política", disse.
Autor: William Noah Glucroft