O governo de Bangladesh declarou na noite desta sexta-feira (19/07, horário local) toque de recolher nacional e anunciou o envio de militares às ruas para controlar a pior crise da década no país no sul da Ásia.
Segundo a agência de notícias AFP, a onda de protestos que começou no início do mês nos campi universitários e tomou o país teria deixado ao menos 105 mortos – não há um balanço oficial por parte do governo.
A polícia é acusada de agir com violência contra os manifestantes e de disparar munição real nas ruas. Apoiadores do governo também estariam agredindo os estudantes.
Os manifestantes estão insatisfeitos com os planos para instituir uma reserva de 30% das vagas no serviço público para parentes de ex-combatentes na guerra de 1971, em que Bangladesh se emancipou do Paquistão.
Eles argumentam que a política é injusta e discriminatória diante dos altos índices de desemprego entre jovens, de cerca de 40% – ou 32 milhões de desocupados. As cotas, segundo eles, beneficiariam principalmente membros do partido da primeira-ministra, Sheikh Hasina. O pai dela é o fundador da sigla e liderou a luta de independência de Bangladesh.
Hasina, que governa desde 2009, tem visto as denúncias de corrupção contra o seu gabinete aumentar. Ao mesmo tempo, persegue rivais e críticos com mão de ferro.
Blackout nas comunicações e invasão de penitenciária com liberação de detentos
Mais cedo nesta sexta, apesar de o governo ter proibido atos e reuniões públicas após o dia mais sangrento de protestos, manifestantes invadiram uma prisão no distrito de Narsingdi e libertaram centenas de detentos.
Um apoiador dos protestos e líder do principal partido de oposição, o Partido Nacionalista de Bangladesh, foi preso.
O país amanheceu sob um blackout nas comunicações: vários portais de notícias e canais de TV estavam fora do ar, o acesso à internet foi interrompido e as redes sociais, bloqueadas por ação do governo. No dia anterior, os manifestantes haviam invadido e incendiado os estúdios da emissora estatal em Daca, capital do país.
Páginas do governo, incluindo o Banco Central e a polícia, foram aparentemente hackeadas. Uma mensagem postada no site do gabinete da primeira-ministra pedia o fim da matança de estudantes, anunciando que os eventos já não eram mais "um protesto", e sim "uma guerra".
Nações Unidas condenam ataques "chocantes" contra protestos estudantis
O alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, chamou de "chocante e inaceitável" os ataques aos estudantes em Bangladesh, e demandou a investigação "imparcial, rápida e exaustiva" e responsabilização pelos eventos.
"Estou profundamente preocupado com a violência desta semana em Bangladesh, que resultou em relatos de dezenas de mortos e centenas de feridos. Os ataques aos estudantes que protestam são particularmente chocantes e inaceitáveis", disse Turk em comunicado.
Turk citou relatos de uso de forças paramilitares, que segundo ele têm "longo histórico de violações", e instou o governo a adotar medidas para garantir a segurança dos estudantes em protestos pacíficos e o direito à liberdade de reunião.
Bangladesh em situação econômica difícil
Especialistas também atribuem os protestos à estagnação do mercado de trabalho no setor privado em meio à alta da inflação – algo que aumentou a atratividade do setor público, com seus ajustes salariais recorrentes e benefícios.
A competição pela estabilidade e altos salários no setor público é alta no país. A cada ano, cerca de 400 mil formados disputam cerca de 3 mil vagas.
As cotas para parentes de veteranos da guerra existiram até 2018, mas foram extintas após os protestos estudantis. Recentemente, porém, um tribunal reinstituiu a medida, que ainda será analisada pela Suprema Corte do país.
Hasina pediu aos manifestantes que esperassem essa decisão, e disse que sua oferta de negociar com os estudantes foi rejeitada. Ela, porém, chegou a defender o sistema de cotas, afirmando que veteranos merecem máximo respeito por suas contribuições à guerra, independente de filiação política.
ra (Reuters, AFP, AP, dpa, ots)