Ato em SP tem leitura da carta em defesa da democracia e do sistema eleitoral

Evento reúne juristas, artistas e acadêmicos na Faculdade de Direito da USP e conta com mais de 930 mil assinaturas

Da redação

Reitor da USP abriu o ato na Faculdade de Direito do Largo São Francisco
Divulgação/FDUSP

Juristas, artistas, empresários e acadêmicos participam na manhã desta quinta-feira (11) de um evento na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para a leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”. O manifesto recolheu mais de 930 mil assinaturas. Artistas também gravaram um vídeo com a leitura da carta (leia a íntegra ao final dessa reportagem).

O documento da USP é inspirado na Carta aos Brasileiros, de agosto de 1977, lida em público pelo professor Goffredo Telles Júnior, no mesmo local, por ocasião dos 150 anos de criação dos cursos jurídicos no país. Na época, o documento denunciava a Ditadura Militar e os abusos cometidos sob o regime.

O ato é transmitido pela Faculdade de Direito da USP. O reitor da universidade, o professor Carlos Gilberto Carlotti Júnior, abriu o evento. “Após 200 anos de independência do Brasil deveríamos estar pensando no nosso futuro, em como resolver problemas como a educação, saúde e economia, mas estamos voltado para discutir retrocessos”, afirmou. “Afirmamos que o destino que queremos é um destino digno da nossa vida, estado democrático de direito sempre". 

O texto afirma que o Brasil “está passando por um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.   E sai em defesa das urnas eletrônicas ao dizer que “o processo de apuração no país tem servido de exemplo no mundo, com respeito aos resultados e transição republicana de governo”.  

Conclui que “no Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários”, afirmando que “ditadura e tortura pertencem ao passado”. 

O movimento foi impulsionado pela reunião de Bolsonaro com embaixadores em Brasília, na qual o presidente colocou em dúvida a credibilidade do sistema eleitoral. A carta não cita o nome de Bolsonaro.

O site do manifesto, que coleta assinaturas em defesa da democracia, sofreu mais de 1.500 tentativas de ataque hacker. No último dia 27, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chamou de "cartinha" o manifesto pela democracia apoiado por empresários, banqueiros e representantes da sociedade civil durante a convenção eleitoral do PP. Em discurso, o presidente da República afirmou que não precisa de "nenhuma cartinha para falar que defendemos a democracia".

Entre os signatários do documento – organizado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e entidades da sociedade civil – estão empresários como os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, ambos do Itaú; Guilherme Leal, da Natura; Horácio Lafer Piva, da Klabin; Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda; Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, além de acadêmicos, juristas e artistas.

Leia a íntegra da carta

Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!

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