Moïse Kabagambe: o que se sabe sobre o assassinato do refugiado congolês no Rio

Homem de 24 anos foi amarrado e espancado até a morte em quiosque na Barra da Tijuca; três suspeitos estão presos

Da Redação, com Jornal da Band e BandNews FM Rio

Um crime bárbaro ocorrido na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, chocou o Brasil e o mundo no início de 2022. Na noite de 24 de janeiro, uma segunda-feira, o refugiado congolês Moïse Mugenyi Kabagambe foi encontrado sem vida, com mãos e pés amarrados e sinais de espancamento próximo de um quiosque onde trabalhava. Veja o que se sabe até o momento sobre o caso.

Quem era a vítima?

Moïse Kabagambe, de 24 anos, fugiu da guerra civil e da fome na República Democrática do Congo, na África, e veio para o Brasil em 2014 tentar começar uma nova vida com a mãe e os irmãos. 

À reportagem da Band, Placid Ikuba, representante do Consulado do país, mostrou um passaporte diplomático que o jovem possuía.

“Este aqui é um passaporte vermelho, diplomático. Moïse não foi ‘qualquer um’. Ele foi um refugiado diplomático. O Itamaraty vai receber um ofício e, depois, o levaremos à Polícia Federal. Como instituição, eles têm que nos dar uma justificativa”, explicou Placid Ikuba.

A vítima trabalhava por diárias em diferentes quiosques há três anos.

Como foi o crime?

Segundo o depoimento de familiares e amigos, Moïse saiu de casa dizendo que iria até o quiosque Tropicália, próximo ao Posto 8, na praia da Barra da Tijuca, para cobrar R$ 200 pagamentos atrasados de duas diárias. O jovem também costumava dizer que estava cansado de “brincadeiras” que eram feitas com ele no serviço. 

As câmeras de segurança do próprio quiosque mostram um grupo de ao menos cinco pessoas atacando Moïse com socos, chutes e pedaços de madeira. Em determinado momento, ele foi imobilizado. Ainda assim, seguiu sendo agredido. Durante cerca de seis minutos, Moïse levou cerca de 40 pauladas de outros dois homens que compartilham um bastão de madeira. 

Após perceberem que a vítima estava imóvel, alguns dos envolvidos na agressão tentaram reanimá-lo com uma massagem cardíaca. Depois, fugiram do local de carro.

O corpo do congolês foi encontrado à noite. Ele morreu de traumatismo do tórax, com lesão pulmonar.

O porrete usado pelo grupo foi encontrado em uma área de mata.

O que diz a família?

“Ele foi trabalhar. Como que o mataram? A gente quer saber se a Justiça brasileira funciona”, lamentou Franxys Amouri, irmão de Moïse. 

Os familiares também relatam que o corpo do congolês foi levado ao Instituto Médico Legal (IML) sem nenhum parente presente. O enterro aconteceu no cemitério de Irajá, zona norte, no dia 30. 

“Eu não acredito até agora. O meu irmão fugiu da insegurança de um país. Quando chegou aqui, morreu”, desabafou Franxys Amouri.

A mãe e o irmão de Moïse ainda afirmam que foram intimidados por PMs quando foram ao quisque saber o que tinha ocorrido.

Podcast: Como parar os crimes de racismo no Brasil?

As investigações

Três suspeitos foram presos e tiveram a prisão temporária decretada. São eles: Fábio Pirineus da Silva, o Belo; Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove; e Brendon Alexander Luz da Silva, o Totta. Eles foram transferidos para o presídio de Benfica, na zona norte. 

A reportagem da BandNews FM teve acesso aos depoimentos. Neles, Fábio, Aleson e Brendon alegam que Moïse estaria “alterado e bêbado” no dia do crime e que teria ameaçado um funcionário do quiosque, Jailton Pereira Campos, após ser impedido de pegar um cerveja no freezer do estabelecimento. Em um dos trechos, Fábio negou que o jovem teria ido cobrar diárias que estariam atrasadas.

Aos policiais, Brendon afirmou ter sido o responsável por derrubar e imobilizar a vítima. Já Aleson, que é garçom no quiosque Biruta, que fica ao lado do Tropicália, onde o imigrante foi morto, argumentou que Moïse, antes do crime, estava mais agressivo e teria se envolvido em uma confusão com um bombeiro. Afirmou ainda que as agressões foram para "extravasar a raiva" que estava sentindo, segundo ele, pelo comportamento do congolês nos últimos dias.  Ele já possui anotações criminais e já foi condenado pelos crimes de extorsão, porte de arma de fogo e corrupção de menores, cujas penas somadas deram oito anos de prisão.

Nas oitivas, Brendon falou que foi um dos clientes que avisou que a vítima não estava mais respirando. Ele contou que tentou reanimar o refugiado, assim como duas pessoas que passavam pelo local. O funcionário do quiosque que testemunhou as agressões argumentou que não acionou o socorro por estar sem telefone celular. 

Ainda segundo os depoimentos, Moïse teria trocado o quiosque Tropicália, onde o crime ocorreu, pelo Biruta, cujo dono é o policial militar Alauir Mattos de Faria. Ele também foi ouvido e negou dívidas com o congolês.

Os advogados do dono do quiosque Tropicália, Darlan Almeida e Euclides de Barros, afirmaram que o cliente vem contribuindo com as investigações e que ele e familiares vêm sendo ameaçados nas redes sociais. O proprietário disse que não conhece os agressores, que estava em casa no momento do crime e que não havia dívidas a serem pagas. 

A polícia ainda investiga se a morte do africano tem relação com outros dois assassinatos na orla da Barra da Tijuca, em janeiro. As vítimas também foram encontradas amarradas.

Os agressores serão indiciados por homicídio duplamente qualificado. A tentativa de reanimar o africano, depois da sessão de espancamento, não deve atenuar a situação dos suspeitos.

Testemunhas

Uma testemunha ouvida pela Polícia Civil relatou que os homens que agrediram Moïse Kabagambe afirmaram a ela que o jovem estaria recebendo um “corretivo” por ter assaltado pessoas na praia.

Segundo ela, que estava no local para comprar um refrigerante, em determinado momento, os agressores pediram para que ela não olhasse o ataque. A fala teria partido de Aleson Cristiano, o “Dezenove”, um dos presos e indiciados pelo caso. Ainda de acordo com o relato, a atendente do estabelecimento estaria nervosa por já ter pedido o fim das agressões.

A mulher revelou que tentou buscar a ajuda de dois guardas municipais, que não teriam prestado auxílio. Logo depois, acompanhada do marido, ela percebeu que Moïse já estava sem vida. 

Em nota, a Guarda Municipal informou que não recebeu nenhuma notificação em relação ao testemunho relatado, mas enviou um ofício à Polícia Civil solicitando mais detalhes sobre a citação.

Em posse de novas imagens das agressões, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) solicitou mais diligências e estabeleceu um prazo de até o dia 28 de fevereiro para a Polícia Civil apresentar os autos da investigação. A Polícia Civil trabalha para identificar todas as pessoas do vídeo que testemunharam o crime para avaliar se houve omissão de socorro. Algumas já prestaram depoimento.

Repercussão e protestos pela morte violenta

Manifestantes realizaram diversos protestos no Brasil e em outros países pedindo justiça pela morte de Moïse Kabagambe durante as últimas semanas. No sábado (5), várias capitais tiveram manifestações pedindo por justiça no caso.

A ONG Rio de Paz estendeu uma faixa no quiosque Tropicália em homenagem a ele. O cartaz traz a os dizeres ''Fugimos do Congo para que não nos matassem. Mas mataram meu filho aqui", frase dita pela mãe do jovem.

Nas redes sociais, existe um forte movimento que pede por justiça no caso de Moïse, divulgado inclusive por famosos, como atores, atrizes, políticos e atletas. A hashtag #JustiçaparaMoise tem sido uma das mais comentadas no Twitter nos últimos dias.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes associou neste domingo (6) o assassinato do congolês Moïse Kabagambe com o domínio de milicianos e a ocupação irregular de áreas por um poder paralelo

Vídeo: Morte do congolês causa revolta nas redes

A Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial solicitou informações à corporação sobre as investigações do caso. Em nota, a Arquidiocese de Rio lamentou a morte. Segundo o comunicado, o jovem e a família eram auxiliados pela Carita Arquidiocesana desde a data em que haviam chegado ao Brasil.

O Ministério Público do Trabalho no Rio instaurou um inquérito para investigar a relação trabalhista entre Moïse e o dono do quiosque. A denúncia aponta para possível trabalho sem reconhecimento de direitos, podendo, segundo o órgão, configurar condições análogas à escravidão, na modalidade de trabalho orçado, de xenofobia e de racismo.

Cláudio Castro, governador do Rio, afirmou que representantes da Secretaria de Assistência à Vítima estiveram com familiares e que todas as necessidades que estiverem na alçada do estado vão ser atendidas. Já o prefeito Eduardo Paes afirmou que a vem dando todo suporte à família. Segundo ele, “a cidade do Rio está de portas abertas para receber refugiados".

Concessão de quiosques

A prefeitura do Rio de Janeiro concedeu a concessão do quiosque à família de Moïse até 2032 sem o pagamento de aluguel. A iniciativa pretende transformar o local em um memorial de inclusão para refugiados e de celebração da cultura africana. 

O quiosque Biruta, ao lado de onde ocorreu o crime, também deve ser administrado pela família do congolês, mas a mudança ainda depende de questões jurídicas.

Um projeto de lei apresentado por deputados federais pode fazer com que a União pague uma pensão vitalícia a mãe de Moïse. A proposta é para que Lotsove Lolo Lavy Ivone receba um valor equivalente ao limite máximo do salário do benefício do Regime Geral de Previdência Social, que atualmente está fixado em pouco mais de R$ 7 mil. Sete deputados federais assinaram o projeto. São eles: Helder Salomão (PT-ES), Túlio Gadêlha (PDT-PE), Paulo Teixeira (PT-SP), Maria do Rosário (PT-RS), Benedita da Silva (PT-RJ), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Vivi Reis (PSOL-PA)

Tópicos relacionados

Mais notícias

Carregar mais