Reportagens recentes na imprensa dos Estados Unidos revelaram uma série de investigações contra a empresa aeronáutica americana Boeing, que se tornou alvo de inquéritos após uma sequência de incidentes que colocaram em dúvida a qualidade e a segurança de seus aviões.
Desde o episódio de janeiro, em que o painel de porta de um 737 MAX 9 da Alaska Airlines se desprendeu do avião em pleno voo, a Boeing passou a ser investigada de maneira mais minuciosa por diferentes agências do governo americano, que encontraram evidências de falhas durante o processo de fabricação. No entanto, acidentes anteriores e posteriores também colocam em xeque a reputação da empresa.
A saga do 737 MAX
Em 2018 e 2019, dois acidentes em um intervalo de seis meses com aeronaves Boeing 737 MAX 8 mataram todos os 346 passageiros e tripulantes, o que gerou uma crise na empresa e desencadeou os maiores prejuízos financeiros da história da companhia.
O primeiro acidente ocorreu em outubro de 2018, em um voo da Lion Air saído de Jacarta, na Indonésia, que caiu no mar minutos após a decolagem. O segundo acidente, em março de 2019, ocorreu imediatamente após a decolagem em Joanesburgo, na África do Sul, em um voo operado pela Ethiopian Airlines.
Em 2020, um relatório do Congresso dos Estados Unidos apontou "falhas de design e uma cultura de acobertamento" na companhia, bem como falhas por parte da Administração Federal de Aviação (FAA).
Porta do avião se solta em pleno voo
Este ano, o modelo 737 MAX voltou aos holofotes, e de forma negativa. Em 5 de janeiro de 2024, uma peça da fuselagem de um Boeing 737 MAX da Alaska Airlines se desprendeu e fez com que uma das portas da aeronave se abrisse em pleno voo nos Estados Unidos, forçando os pilotos a realizarem um pouso de emergência. O acidente, que não teve vítimas, levou à suspensão por três semanas do modelo 737 Max 9 pela FAA. A medida afetou mais de 170 aviões.
Uma reportagem do jornal The New York Times divulgada nesta segunda-feira (11/03) revelou que, durante uma investigação após o incidente sobre o processo de produção do Boeing 737 MAX, a FAA realizou 89 auditorias, com 33 reprovações.
Segundo o jornal, a FAA encontrou "múltiplos casos" nos quais a Boeing e seus fornecedores fracassaram ao cumprir exigências de controle de qualidade. As auditorias na Boeing também examinam a produção de diferentes partes dos 737 MAX, como as asas e uma série de outros sistemas.
O NYT relatou que muitos dos problemas encontrados pelos auditores dizem respeito ao não cumprimento de "processos aprovados de fabricação, procedimento ou instrução", enquanto outros se referem a problemas com a documentação do controle de qualidade da empresa.
A investigação da FAA constatou que a Boeing foi reprovada em uma verificação sobre o componente chamado plug door, que resultou no incidente com o 737 MAX da Alaska Airlines.
Falhas na empresa fornecedora
A empresa fornecedora Spirit AeroSystems, que produz a fuselagem do 737 MAX, foi aprovada em apenas seis das 13 auditorias realizadas. Outra investigação na empresa, centrada no plug door, relatou ter encontrado cinco defeitos e acrescentou que a empresa foi reprovada em um teste de instalação desse componente.
A auditoria elevou as preocupações em relação aos técnicos que realizam esse trabalho e concluiu que a Spirit "fracassou em determinar o conhecimento necessário para a operação desses processos". Outras auditorias, nas quais a empresa também fracassou, envolviam uma porta de carga e a instalação das janelas da cabine.
Este não foi o primeiro caso de problemas gerados pela Spirit AeroSystems junto à Boeing.
No início de fevereiro, revelou-se a descoberta de falhas em duas perfurações na fuselagem de aeronaves 737 MAX, que teriam sido realizadas fora dos padrões determinados pela empresa, segundo informou a própria Boeing.
No ano passado, a entrega dos 737 teve que ser suspensa também por falhas em centenas perfurações na fuselagem – mais precisamente, no anteparo de pressão traseira, barreira que sela a cauda da aeronave.
Antes, no início de 2023, a Spirit também foi responsabilizada por problemas na cauda de quase 170 novas aeronaves 737 MAX, especificamente na conexão entre a fuselagem e o estabilizador vertical.
Inquérito no Departamento de Justiça
O secretário americano dos Transportes, Pete Buttigieg, disse esperar que a Boeing colabore totalmente com as investigações abertas pelo Departamento de Justiça dos EUA e pelo Conselho Nacional de Segurança nos Transportes (NTSB).
Enquanto a Boeing é alvo de múltiplas investigações, Buttigieg disse que a empresa precisa passar por mudanças profundas no que diz respeito à qualidade de seu processo de fabricação e em questões de segurança.
No final de semana, o diário americano Wall Street Journal relatou que o Departamento de Justiça deu início a uma investigação criminal sobre o incidente com o avião da Alaska Airlines, após a Boeing informar ao Congresso que não conseguiu encontrar um registro relevante detalhando seu trabalho no painel que se soltou da aeronave.
A Boeing comentou os inquéritos das agências governamentais de maneira bastante sucinta através de uma nota: "Continuaremos a cooperar totalmente e de maneira transparente com todas as investigações e auditorias do governo, enquanto adotamos medidas compreensivas para melhorar a segurança e a qualidade".
A Alaska Airlines também disse colaborar com a investigações.
Acordo jurídico sob questão
O Departamento de Justiça informou anteriormente que realizava a revisão de um acordo de 2021 sobre uma acusação criminal federal contra a empresa, relacionada aos dois acidentes fatais com aeronaves 737 MAX.
Sob esse acordo, a Boeing se comprometeu a pagar mais de 2,5 bilhões de dólares, na maior parte, em forma de compensação para seus clientes. Por sua vez, o Departamento de Justiça concordou em retirar a acusação de que a Boeing fraudou a FAA ao omitir informações relevantes para a aprovação do Max.
Não ficou claro, porém, se a nova investigação criminal relatada pelo Wall Street Journal estaria relacionada à revisão do acordo de 2021 ou a um caso separado.
O acordo foi criticado como sendo muito leniente com a Boeing e por ter sido fechado sem que as famílias das 346 vítimas fossem consultadas.
Outros problemas em aeronaves da Boieng
Mas não é somente o 737 MAX que está envolvido em incidentes aéreos: outras aeronaves da Boeing também apresentaram problemas. Em 13 de janeiro deste ano, um Boeing 737-800 operado pela companhia aérea japonesa All Nippon Airways teve que retornar à pista de decolagem no Japão após uma rachadura ser descoberta na janela da cabine do piloto em pleno voo.
O voo comercial NH1182 tinha partido de Sapporo-New Chitose (CTS), em Hokkaido, com destino a Toyama (TOY), em Honshu, a uma hora e meia de viagem. Segundo a companhia, a rachadura comprometeu apenas a camada mais externa da janela, a primeira de quatro, e todos os 59 passageiros e seis tripulantes saíram ilesos.
A All Nippon Airways, disse que a rachadura não "afetou o controle do voo ou pressurização [da cabine]".
Esta semana, autoridades da Nova Zelândia passaram a investigar o que levou um Boeing 787 da Latam a perder altitude abruptamente durante um voo entre Sidney e Auckland.
A Comissão de Investigação de Acidentes de Transportes (Taic) da Nova Zelândia informou que vai analisar a caixa-preta do avião com a gravação dos registros da cabine de comando. O incidente, no voo com 263 passageiros a bordo, deixou 50 pessoas feridas.
Autoridades chilenas abriram uma investigação sobre o caso, uma vez que o incidente ocorreu no espaço aéreo internacional e a Latam tem sede no Chile. Após a escala em Auckland, o voo prosseguiria até Santiago.
rc/le (AP, Reuters, ots )