Aposta tecnológica da China deixa jovens sem emprego

Pequim quer se tornar potência global em tecnologia. Mas IA e produção de chips não são setores de mão de obra intensiva, o que coloca em risco o futuro de milhões.

Por Deutsche Welle

Quando a taxa de desemprego entre os jovens chineses atingiu um percentual recorde de 21,3%, em maio de 2023, o governo da China fez o que governos autoritários fazem sempre que uma verdade desagradável aparece: parou de publicar as estatísticas.

Depois de passar seis meses fazendo malabarismos com a sua metodologia, o órgão oficial de estatísticas da China optou por excluir os estudantes do levantamento. Deu certo: em dezembro, o desemprego entre os jovens havia caído em quase um terço.

Mas manipular dados não faz com que o problema desapareça. Em julho de 2024, depois de vários meses de pequenas quedas, o número de jovens desempregados voltou a subir acentuadamente: em um terço, para 17,1%.

A analista Jiayu Li, da empresa de consultoria em políticas públicas Global Counsel, de Singapura, observa que os dados anteriores já excluíam milhões de trabalhadores rurais – que, ela lembra, enfrentam maiores desafios para garantir um emprego em tempo integral do que os trabalhadores dos centros urbanos.

"Os números oficiais não capturam com precisão a situação real. Mesmo após revisões metodológicas questionáveis, os números continuam aumentando, destacando a gravidade do problema", diz.

Embora a economia chinesa não esteja mais crescendo a uma taxa anual de dois dígitos, como no início dos anos 2000, o gigante asiático ainda deve crescer 5% este ano, um número com o qual a maioria dos países ocidentais só pode sonhar.

Nesse cenário, por que a China não consegue criar empregos suficientes para os cerca de 12 milhões de graduados e outros milhões que deixam a escola para entrar no mercado de trabalho todos os anos?

Repressão do governo a alguns setores

Há várias respostas: problema estruturais, a pandemia de covid-19, a lenta recuperação pós-pandemia e as tensões comerciais com o Ocidente. Mas igualmente prejudicial para o crescimento econômico – bem como para as perspectivas de emprego de muitos jovens – foi a ampla repressão do presidente Xi Jinping aos setores de tecnologia, imobiliário e educação privada em 2020/21.

A grandes empresas de tecnologia da China, cujo quase monopólio foi alvo das reformas de Xi, perderam mais de 1 trilhão de dólares em valor de mercado.

O setor imobiliário entrou em colapso, levando consigo as economias de dezenas de milhões de pessoas.

O próspero setor de educação e tecnologia do país, que oferecia aulas particulares para cerca de 75 milhões de alunos, foi dizimado. As demissões em massa foram inevitáveis, e muitos dos afetados eram trabalhadores mais jovens – estima-se que, em 2019, 10 milhões de pessoas estavam empregadas no setor de aulas particulares da China, muitas delas recém-formadas.

As plataformas de ensino online, por exemplo, haviam crescido em popularidade durante anos, devido à intensa competição por educação universitária entre os estudantes e ao valor dado pela sociedade chinesa a notas altas.

"A repressão de Xi causou um enorme estresse nesse setor", diz a economista Diana Choyleva, da Enodo Economics, de Londres. "Embora os empregos de professor particular não tenham desaparecido completamente, eles se tornaram muito mais instáveis e pouco confiáveis, reduzindo um meio que graduados subutilizados usavam para compensar suas perspectivas econômicas cada vez menores."

Jovens evitam empregos de baixa renda

Outra preocupação é a discrepância entre as expectativas dos jovens e a realidade. Os jovens continuam a evitar os chamados empregos de colarinho azul (trabalhos manuais ou braçais) e preferem competir por cargos de colarinho branco, cujos salários são mais altos.

Devido a sua melhor condição física e agilidade, seria possível supor que os jovens constituiriam a grande maioria da força de trabalho de colarinho azul. Mas a mídia chinesa destacou um estudo realizado pela universidade Capital University of Economics and Business, de Pequim, no ano passado, que constatou que cerca de metade dos 400 milhões de trabalhadores braçais do país têm mais de 40 anos.

"A demanda por habilidades técnicas costuma ser alta, mas esses empregos são menos desejados pelos trabalhadores jovens", diz a analista Nicole Goldin, do Atlantic Council, um think tank com sede em Washington. Embora o governo chinês tenha introduzido incentivos e reformas no sistema educacional para resolver questões estruturais subjacentes, "levará tempo para ver qualquer impacto", afirma ela.

Foco em setores de baixo emprego

À medida que a economia da China continua elevando sua cadeia de valor, o governo em Pequim tem priorizado a busca pelo domínio tecnológico global. Grandes investimentos em inteligência artificial (IA), na produção de chips e em energia verde deverão ajudar a reduzir a dependência da China do Ocidente. Mas esses setores não necessariamente precisam de muitos novos trabalhadores.

"O foco do governo está em setores emergentes, como IA e veículos elétricos, que são pequenos e não exigem muita mão de obra, oferecendo criação limitada de empregos", comenta Li, da Global Counsel. "Isso sufoca a inovação e o avanço tecnológico – ironicamente, exatamente aquilo em que Pequim quer apostar para impulsionar o crescimento futuro."

Ela acrescenta que as contínuas tensões comerciais com o Ocidente também colocam o setor de exportação da China sob pressão, uma vez que ele precisa "substituir pedidos de alto valor e sem risco do Ocidente por pedidos de menor valor do Sul Global", o que tem efeitos sobre o emprego.

Movimento Tang Ping

Em paralelo a tudo isso, o trabalho temporário e sem vínculo empregatício em plataformas digitais para entrega de alimentos, oferta de carona ou como influenciador em redes sociais se tornou supersaturado. Cerca de 200 milhões de chineses ganham a vida nessas funções precárias, de modo que muitos jovens desistiram de tentar se esforçar.

"Muitos jovens mais ricos podem ter optado por mais educação e hoje estão escolhendo 'ficar deitados'", diz Goldin, referindo-se a um movimento social crescente conhecido em mandarim como tang ping, de jovens que rejeitam as pressões sociais e optam por trabalhar menos para ter uma vida mais tranquila.

Ela diz ainda que um número cada vez maior de jovens chineses está se tornando "filhos ou netos profissionais" para cuidar de parentes idosos – uma função com demanda crescente devido ao envelhecimento da população e ao aumento dos custos de cuidados.

Aversão a risco entre empresários

Ao impor restrições tão severas ao setor privado, Xi sufocou os investimentos em startups e a disposição dos jovens empreendedores de assumir riscos. O número de novas startups chinesas caiu 97% nos últimos seis anos, informou o jornal britânico Financial Times esta semana – de mais de 51 mil em 2018 para cerca de 1,2 mil no ano passado.

Choyleva diz que os empreendedores e as empresas de capital de risco se tornaram "extremamente cautelosas" devido a regulamentações rigorosas que forçaram o setor privado a se alinhar com os valores do Partido Comunista – o que, segundo ela, é uma "séria contradição com a agenda do governo".

"Como o setor privado pode impulsionar a inovação se empresários não estão dispostos a assumir o risco de abrir uma empresa? No longo prazo perde-se empresas que poderiam ter gerado empregos em larga escala para os jovens e os efeitos multiplicadores que elas teriam para o país", afirma.

Para Goldin, se a China quiser se manter num caminho para potencialmente ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do mundo, os jovens talentos precisam desempenhar um papel fundamental nesse crescimento.

"[O alto índice de desemprego entre os jovens] reduz a produtividade e dificultará a capacidade da China de competir globalmente. Esses jovens desempregados não conseguirão ingressar na classe média, o que prejudicará o consumo e terá implicações sociais potencialmente desestabilizadoras, que prejudicarão ainda mais o crescimento", alerta.

Autor: Nik Martin

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