A Volkswagen enfrenta um futuro incerto, confrontada com uma série de desafios à medida que o mercado global transita dos motores de combustão interna para alternativas mais ecológicas, como veículos elétricos e híbridos. O cenário vem causando dificuldades para a empresa especialmente na Europa e na China. Por outro lado, os investimentos da VW no Brasil vêm aumentando, assim como as vendas, o que gera a expectativa de que o país possa auxiliar no momento difícil da montadora.
A empresa anunciou nesta semana que o seu lucro no terceiro trimestre, entre julho e setembro, caiu 64%, para 1,58 bilhão de euros, face aos 4,35 bilhões de euros que ganhou um ano antes. Os números foram divulgados em meio a negociações sobre possíveis demissões em massa e cortes salariais.
O conselho de trabalhadores da empresa disse no início desta semana que a administração informou seus representantes que pretende fechar pelo menos três fábricas na Alemanha, o que resultaria na perda de dezenas de milhares de empregos. Os chefes da VW dizem que o ambiente geral do mercado é "desafiador" e que há uma "necessidade urgente de reduções significativas de custos e de ganhos de eficiência".
A empresa, que até agora não detalhou publicamente os seus planos, cita uma série de razões para as suas dificuldades, que vão desde o enfraquecimento da demanda pelos seus veículos nos principais mercados e uma maior concorrência dos fabricantes chineses de elétricos até aos elevados custos de mão-de-obra e energia na Alemanha.
Nos primeiros nove meses deste ano, as vendas da VW caíram 1,6% no mercado interno alemão e despencaram 10,2% na China, país que tem sido fundamental para a solidez financeira da empresa nos últimos anos.
Aposta no Brasil
Embora a VW enfrente uma grave crise nos seus principais mercados europeus e asiáticos, a montadora continua registrando crescimento em regiões como a América do Norte e a América do Sul. No Brasil, a Volkswagen informou no início deste mês que suas vendas cresceram 19,1%.
Ao longo de 2024, ano em que celebrou 70 anos no Brasil, a empresa anunciou uma série de investimentos no país, normalmente acompanhados de declarações otimistas para as perspectivas sobre o cenário regional.
"A Volkswagen reafirma sua confiança no Brasil e mais que dobra seus investimentos para R$ 16 bilhões. Vamos lançar 16 novos veículos até 2028, incluindo modelos híbridos, 100% elétricos e Total Flex. Assim, reforçamos o nosso compromisso com o país, com nossos clientes, concessionárias, fornecedores e colaboradores", afirmou Ciro Possobom, CEO da VW do Brasil, em fevereiro, quando a empresa ampliou seus aportes no país.
Na ocasião, a empresa celebrou ser a marca que mais cresceu em volume de vendas (29,5%) no país em 2023, o que representou 15,8% de participação no mercado em 2023, em um aumento de 2,1 pontos percentuais em market share.
Apoio governamental
O cenário surge num momento no qual o governo brasileiro vem lançando medidas para promover a descarbonização da frota no país. Neste ano, a VW adquiriu uma linha de crédito junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no valor de R$ 304 milhões para financiamento da transformação digital de suas quatro fábricas no Brasil.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, Márcio de Lima Leite, afirma à DW que o "Brasil vive o maior ciclo de investimentos da história de seu setor automotivo, com R$ 130 bilhões apenas entre os fabricantes de veículos, sem contar o que será investido pelo parque de fornecedores".
"Vários fatores contribuem para esse fluxo de investimentos, como o ritmo de recuperação do mercado interno; a estabilidade econômica e política; políticas industriais que garantem previsibilidade, como o Programa Mover; e a necessidade de cumprir regras de emissões e segurança, o que coloca o Brasil numa posição vantajosa em termos de descarbonização", aponta.
O programa Mover do governo federal prevê a concessão de estímulos fiscais e facilidade de acesso ao crédito às empresas que busquem ampliar a produção de veículos de menor emissão de carbono no país.
Embora elétricos ainda representem menos de 5% das vendas de veículos no Brasil, eles vivenciam um rápido crescimento. Segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), as vendas de veículos eletrificados aumentaram 145% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior, para 36.090 unidades, com as rivais chinesas da Volkswagen BYD e Great Wall Motor liderando o grupo.
O governo brasileiro respondeu às crescentes importações de elétricos impondo tarifas de 10% no início deste ano, que foram aumentadas para 18% em julho e devem chegar a 35% até 2026.
Para Alicia Garcia-Herrero fellow sênior do think tank Bruegel, é normal a aposta de empresas como a VW em mercados emergentes, como o Brasil. "São uma solução, especialmente em regiões como a América Latina e a África. Quando se começa a produzir nestes países, se evitam tarifas que normalmente são cobradas dos veículos chineses", avalia.
Ponderações e concorrência chinesa
"No mercado chinês, os carros elétricos são importantes. Mas no Brasil, eles não são tanto. Além disso, modelos relativamente mais antigos e mais acessíveis funcionam bem no Brasil", o que tem ajudado a VW até agora, avalia Ferdinand Dudenhöffer, diretor do Centro de Pesquisa Automotiva (CAR) na cidade alemã de Bochum.
O especialista, porém, não acredita que o mercado brasileiro possa compensar a situação enfrentada pela empresa na Europa e na China. Segundo ele, o bom desempenho do país sul-americano é como "uma gota no oceano e não resolverá o problema" de declínio das vendas da VW nos principais mercados.
O especialista destacou ainda que a VW enfrentará maior concorrência das montadoras chinesas no Brasil nos próximos cinco anos. "A empresa enfrentará uma concorrência maior mesmo quando se trata de motores a combustão e de veículos movidos a etanol. A concorrência vai se tornar acirrada, no momento ainda é relativamente administrável, mas certamente se tornará mais acirrada", avalia.
Herrero acrescenta que será cada vez mais difícil para as montadoras europeias, como a VW, competirem com as chinesas, tanto no mercado do país asiático quanto no exterior.
"A China subiu na hierarquia, está a competindo com empresas europeias, talvez o setor do luxo seja o menos afetado, mas há muito nacionalismo e pressão das marcas locais, por isso penso, francamente, que será cada vez mais difícil", disse. "A China ajuda suas próprias empresas financiando exportações e apoia com soft power, é muito difícil para a VW competir", aponta.
Neste contexto, para competir eficazmente com as empresas chinesas, "é importante que a VW não fique parada com os modelos de veículos existentes", disse Dudenhöffer. "Os chineses, tal como os japoneses, estão criando veículos mais modernos. A VW deve gerir eficazmente a transição e modernizar os seus veículos, peça por peça, para que não seja ultrapassada pela concorrência no futuro."
Autor: Matheus Gouvea de Andrade, Srinivas Mazumdaru