Após terremoto, amianto ameaça a Turquia

Sismo devastador em fevereiro arrasou milhares de prédios na Turquia. Meses depois, trabalho impróprio de demolição e descarte de escombros repletos de amianto representa nova ameaça, revela investigação da DW.

Por Deutsche Welle

Na província de Hatay, no sul da Turquia, equipes de operários seguem demolindo prédios danificados pelo terremoto que atingiu a cidade em 6 de fevereiro. O sismo de 7,8 na escala Richter provocou mais de 50 mil mortes na Turquia e na vizinha Síria, bem como o desabamento de milhares de construções.

Escavadeiras movem pilhas de entulho, levantando nuvens de poeira que cobrem a cidade. Enquanto isso, algumas crianças caminham entre os escombros e jogam futebol em áreas já livres de entulho. Mas, ao respirar, elas estão inalando um assassino silencioso: o amianto.

Após o terremoto, o material tóxico presente nas construções se espalhou na vegetação e no solo dessa importante região agrícola, preparando o terreno para uma grave crise de saúde pública, de acordo com uma investigação exclusiva das editorias de Turquia e Meio Ambiente da DW.

Uma equipe de especialistas da Câmara Turca de Engenheiros Ambientais coletou amostras de poeira em Hatay, que foram analisadas em laboratório. A investigação detectou a presença de amianto na região, apesar das negativas das autoridades.

Especialistas em saúde pública disseram à DW que as pessoas que vivem na área atingida pelo terremoto, incluindo milhares de crianças, correm sério risco de contrair câncer de pulmão e laringe devido à presença de amianto. O amianto também aumenta o risco de mesotelioma, um tipo de câncer particularmente agressivo.

"Nos próximos anos, poderemos testemunhar a morte de dezenas de milhares de pessoas muito jovens devido a casos de mesotelioma", disse Özkan Kaan Karadag, médico e especialista em saúde pública e ocupacional, depois de ver os resultados laboratoriais iniciais da investigação da DW.

Remoção de escombros expõe população a riscos

Antes promovido como um material milagroso com uma vasta gama de usos, o amianto passou a ser classificado como uma substância cancerígena pela Organização Mundial da Saúde (OMS) depois que seus riscos foram expostos a partir dos anos 1970. Mas o amianto ainda persiste em construções mais antigas. É o caso de muitos edifícios na Turquia, construídos antes da proibição do uso do material no país, em 2010. No Brasil, o material foi banido em 2017.

Quando o amianto – geralmente encontrado em telhados, paredes laterais e estruturas de isolamento – é quebrado, a substância pode se desintegrar em tamanhos microscópicos e se espalhar pelo ar.

O terremoto de 6 de fevereiro destruiu 100.000 edifícios em 11 cidades, incluindo Hatay. Mais de 200.000 foram severamente danificados. A ONU também estimou que o terremoto principal, juntamente com um sismo menos potente ocorrido duas semanas depois, deixou entre 116 milhões e 210 milhões de toneladas de escombros. São detritos suficientes para cobrir uma área quase duas vezes maior do que a ilha de Manhattan, em Nova York.

Meses depois, trabalhadores ainda estão demolindo edifícios danificados e removendo escombros, muitas vezes sem máscaras ou equipamentos de proteção. Em alguns casos, também não estão sendo usados métodos de supressão – como pulverização de água sobre os escombros – para minimizar a propagação da poeira.

Organizações, como a União das Câmaras de Engenheiros e Arquitetos Turcos, afirmam que seus alertas sobre os riscos à saúde pública representados pela demolição aleatória pós-terremoto e práticas de descarte de resíduos estão sendo ignorados.

Tentando rebater esses alertas, Mehmet Emin Birpinar, vice-ministro turco do Meio Ambiente, Urbanização e Mudanças Climáticas, argumentou em junho em suas redes sociais que não havia amianto no ar.

"Nossos cidadãos na zona do terremoto podem ficar tranquilos; estamos trabalhando com muito cuidado com o amianto", afirmara.

Mas a análise da DW encontrou amianto nas áreas afetadas pelo terremoto, apesar dos desmentidos oficiais. Resultados da análise de 45 amostras coletadas em seis distritos diferentes em Hatay contradizem as declarações oficiais.

Dezesseis amostras coletadas aleatoriamente, incluindo poeira retirada do topo das tendas dos desabrigados pelos terremotos – bem como de folhas, frutas, solo e entulho – continham amianto.

Na cidade de Gaziantep, a 200 quilômetros de Hatay, a DW também coletou uma amostra de poeira no teto de um automóvel alugado. A amostra deu positivo para amianto. A equipe havia coletado uma amostra de controle antes de se dirigir de Gaziantep para Hatay, depois de lavar o carro dois dias antes.

Especialistas disseram à DW que isso mostra como o material fibroso pode se agarrar aos veículos e viajar longas distâncias.

Efeitos já são sentidos

Os casos de câncer ligados à exposição ao amianto podem levar décadas para aparecer. No entanto, a poeira espessa na região já está prejudicando a saúde de vários habitantes, com crianças correndo um risco substancial, de acordo com especialistas.

Limar Yunusoglu, de 15 anos, e sua família fugiram da Síria para a Turquia para escapar da guerra civil. Após o terremoto, eles se alojaram em barracas próximas a um depósito de lixo. Seu irmão agora está doente.

"Meu irmão ficou doente por causa da poeira. Nós o levamos ao hospital e eles lhe deram oxigênio. Mas depois voltamos para cá, onde a poeira machuca. Às vezes ele dorme a semana inteira", disse Yunusoglu.

Cerca de 50 quilômetros ao longo da costa, um comerciante disse à DW que a poeira também está deixando ele e sua família doentes. Nas ruínas próximas à sua loja, há uma grande quantidade de lixo, desde produtos eletrônicos até materiais de isolamento conhecidos por conter amianto.

"Todos nós estamos com o nariz e a boca cheios de poeira. Nossas casas, nossas barracas, a frente de nossas casas, nossos carros estão todos cheios de poeira. É por isso que nossos filhos e nós, nossas mães e pais, estamos todos doentes", disse ele, enquanto mostrava manchas vermelhas que apareceram em seus braços e estômago.

O especialista em saúde pública Karadag disse que é difícil determinar quantas pessoas foram afetadas na região sem estudos específicos de monitoramento da saúde.

"Declarações oficiais que apontam que as pessoas não estão sendo afetadas tentam apenas encobrir o problema", avalia.

O papel da sociedade civil

Em abril, a seccional da Ordem dos Advogados da Turquia em Hatay e organizações ambientais e de saúde entraram com uma ação na Justiça para interromper as atividades de demolição na cidade, mas o pedido ainda está sendo analisado.

Ecevit Alkan, da Ordem dos Advogados de Hatay, é um dos juristas que vem tentando agir contra as más práticas de remoção de resíduos. Ele também afirma que ficou doente por causa da poeira.

Alkan ajudou a mapear todas as áreas de despejo de entulho usadas na cidade, já que, segundo ele, as autoridades não divulgam as informações. À DW, ele mostrou um desses locais, próximo a uma escola de ensino médio e um canal de irrigação agrícola. Hatay faz parte do crescente fértil do país, e produtos agrícolas locais como salsa e acelga costumam ser enviados para toda a Turquia.

"Portanto, é muito arriscado usar esse local como depósito de entulho, tanto para os seres humanos quanto para o meio ambiente", disse Alkan.

Utku Firat, um engenheiro ambiental que ajudou a coletar amostras de poeira para a DW, disse que o perigo poderia ter sido minimizado com a remoção dos materiais de amianto antes da demolição dos edifícios.

"Eles não só não fizeram isso, como também ainda não cobriram com lonas os caminhões que transportam os escombros. Até isso teria ajudado", disse Firat.

Embora os danos ocorridos até agora não possam ser mais revertidos, a implementação de algumas medidas de segurança poderia pelo menos diminuir o perigo para pessoas como Limar Yunusoglu e seu irmão.

"Máscaras deveriam ser distribuídas às pessoas e aos trabalhadores da região, e eles deveriam ser incentivados a usá-las", disse Firat. "As unidades residenciais nas áreas mais afetadas pela poeira precisam ser identificadas e transferidas para outro local."

Mas a principal solução seria mesmo admitir a existência do problema e passar a descartar o amianto com segurança.

Autor: Serdar Vardar, Pelin Ünker

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