Após renúncia de Murdoch, o que será de seu império midiático?

Ao longo de sete décadas, magnata da mídia Rupert Murdoch usou sua influência para fortalecer a direita em muitos países. Seu legado inclui escândalos e envolvimento em agendas temerárias, do Brexit à ascensão de Trump.

Por Deutsche Welle

Os tabloides britânicos The Sun e The Daily Mirror e o canal de TV americano Fox News estão entre as marcas mais conhecidas do império midiático internacional construído por Rupert Murdoch ao longo de sete décadas, com o qual tem fortalecido a direita em diversos países.

Na última quinta-feira (21/09), o magnata nascido na Austrália anunciou que transferiria a presidência de seu conglomerado ao filho primogênito. Lachlan Murdoch, de 52 anos, já integra diversos grêmios de controle e conselhos de direção da Fox Corporation e da News Corp, as quais abarcam uma ampla rede de canais de televisão, veículos impressos e online, e estudos de cinema nos Estados Unidos, Reino Unido e outros países.

Influência murdochiana em cinco continentes

Nascido em 1931, Rupert Murdoch inaugurou seu império no começo dos anos 50, ao herdar do pai um único jornal, The News, de Adelaide, Austrália. Na década seguinte, comprou diversos periódicos locais, entre os quais The Sunday Times de Perth e The Daily Mirror de Sydney. Em 1964, lançou o jornal The Australian, de alcance nacional.

Cinco anos mais tarde, penetrou no panorama jornalístico britânico através da compra de The News of the World e The Sun. Nos anos 80, consolidou sua presença no país com a aquisição do The Times e The Sunday Times. Mas já desde o início dos anos 70 vinha entrando no mercado americano, ao comprar vários jornais locais.

No entanto a compra mais decisiva foi a do estúdio cinematográfico 20th Century Fox, em 1985, a qual lançou as bases para a criação da Fox News e o aumento da influência de Murdoch nos Estados Unidos.

Ele também possui companhias de midia na África, Ásia, Oriente Médio e Américas. A ONG Repórteres Sem Fronteiras cita ainda seu controle acionário do Papua New Guinea Post-Courier. Na Índia, está comprovadamente envolvido no mercado de mídia há cerca de 20 anos, com suas propriedades reunidas sob a firma Star India Private Ltd.

Contra as "elites", a serviço da "verdade"

No memorando em que anunciou sua renúncia, Murdoch assegura que os veículos de imprensa rivais funcionam como instrumentos de uma "elite poderosa", visando influenciar a opinião pública: "As elites têm desprezo declarado por quem não é membro de sua classe rarefeita. A maior parte da mídia está mancomunada com essas elites, vendendo as narrativas políticas delas em vez de perseguir a verdade."

Na realidade, há décadas o magnata nonagenário tem empregado seu poder midiático para estabelecer laços estreitos com conservadores proeminentes. Com a Fox News, o Wall Street Journal e o New York Post nos EUA; The Sun e The Times no Reino Unido; o jornal The Australian, emissoras de âmbito nacional e local na Austrália, Murdoch possui plataformas que desempenharam um papel significativo em mobilizar o eleitorado direitista nesses países.

A Fox News, por exemplo, alinhou-se com o Partido Republicano dos EUA. Antes de sua derrota nas eleições de 2020 o ex-presidente Donald Trump recebia dela apoio e cobertura consistente. Em dezembro de 2017, The New York Times noticiou que Murdoch mantivera comunicação quase diária com Trump desde a posse, em janeiro, aconselhando o novo mandatário.

No Reino Unido, os periódicos murdochianos, sobretudo The Sun, ofereceram apoio à conservadora Margaret Thatcher, primeira-ministra de 1979 a 1990. Da mesma forma, seu sucessor David Cameron (2010-2016), igualmente conservador, contou com respaldo e cobertura favorável da mídia de Murdoch. Este sabidamente teve vários encontros privados com Boris Johnson (2019-2022); e seus veículos de imprensa marrom defenderam ativamente agendas conservadoras questionáveis, como a invasão do Iraque em 2003 e o Brexit.

Murdoch segue engajado em "luta de ideias"

Um escândalo de grande proporções abalou as plataformas de mídia de Rupert Murdoch no Reino Unido em 2011, quando investigações revelaram que os empregados do News of the World vinham hackeando sistematicamente os telefones de políticos, celebridades e jornalistas rivais, a fim de produzir histórias exclusivas. Entre outras, haviam espionado mensagens de áudio entre uma jovem assassinada e seus parentes.

As vítimas dos hackers acabaram recebendo mais de 1 bilhão de libras esterlinas (R$ 6,1 bilhões) de indenização. O magnata australo-americano sempre negou ter tido conhecimento das ações ilícitas, mas o caso desencadeou no Reino Unido e EUA uma série de investigações quanto às conexões da News Corp com políticos como Cameron.

Paralelamente, eclodia um outro escândalo, quando veio à tona que membros da News Corp, inclusive James Murdoch, filho de Rupert, haviam feito lobby junto ao governo Cameron para aumentar as chances da companhia de assumir o controle total da companhia de telecomunicações BSkyB. A oferta acabou fracassando: hoje a empresa se chama Sky Group Limited.

Nos EUA, antes e depois da eleição presidencial americana de 2020, em que Trump perdeu para o democrata Joe Biden, a Fox News promoveu ostensivamente a narrativa de que o pleito fora "roubado". Porém no começo de 2023, a rede televisiva pagou 787,5 milhões de dólares para encerrar o processo de difamação aberto pela companhia Dominion Voting Systems, fabricante de aparelhos e software de votação eletrônica.

Segundo a agência de notícias Reuters, o acordo evitou uma ação jurídica que implicaria Rupert Murdoch, seu filho Lachlan, executivos da Fox e apresentadores como prováveis testemunhas, e cujo prosseguimento teria sujeitado a Fox News a uma sindicância por disseminar alegações infundadas de fraude eleitoral.

Grande parte da imprensa americana descreve a abordagem de Lachlan Murdoch como bem próxima do estilo e do tipo de conservadorismo de seu pai. No memorando de renúncia, o magnata de 92 anos assegurou seus funcionários de que seu herdeiro exercerá o cargo com mão firme.

"Meu pai acreditava firmemente em liberdade, e Lachlan é absolutamente engajado com a causa", escreveu Rupert Murdoch, prometendo que continuará "envolvido todo dia na competição de ideias".

Autor: Monir Ghaedi

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