Após a queda do Muro isolamento irrompeu no Leste alemão

Aniversário de 35 anos da queda do Muro de Berlim é momento para refletir erros cometidos durante o processo de Reunificação da Alemanha. Leste ainda convive com insatisfação e enfrenta renascimento da extrema direita.

Por Deutsche Welle

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Berlim comemora em 9 de novembro de 2024 os 35 anos da queda do Muro que dividiu a cidade por mais de 28 anos e se tornou um dos símbolos da Guerra Fria. Sem dúvida, há muito o que celebrar, mas essa comemoração deveria vir acompanhada de uma reflexão mais profunda sobre os erros cometidos no processo de Reunificação da Alemanha e seus impactos.

Enquanto Berlim e cidades ao redor vivem um período de expansão e crescimento econômico, basta andar uma hora de trem para perceber que regiões não tão longe da capital enfrentam estagnação e estão entre as mais pobres do país.

Para muitos que moravam nos estados que antes faziam parte da República Democrática Alemã (RDA), a Reunificação significou tempos difíceis. Ao conversar com quem cresceu e viveu boa parte da vida na Alemanha comunista, não é raro ouvir frases como "com o fim da RDA a gente pôde ter mais liberdade, mas em compensação a vida ficou mais dura", ou "antigamente havia vaga nas creches para todas as crianças" – a escassez de vagas em creches é um dos problemas enfrentados pelo país há anos.

O outro lado da liberdade

A liberdade tão sonhada veio acompanhada pelo colapso econômico e evasão populacional. Muitos viram seus vilarejos sendo aos poucos relegados ao abandono, com o fechamento do comércio local e de estações de trem, além da fuga da população mais jovem. Outros perderam toda uma carreira conquistada ao longo de anos.

Ao passear de bicicleta por essas regiões, é fácil perceber o isolamento dessas localidades, que muitas vezes parecem até cidades-fantasmas, sem uma viva alma andando pelas ruas. De vez em quando, nesses passeios me deparo com casas ou veículos decorados com objetos suspeitos que glorificam um passado sombrio que a Alemanha jamais esquecerá, cuja memória é mantida viva, sobretudo, para evitar que esse terror volte a se repetir.

Apesar desses esforços de memória, 35 anos depois da queda do Muro e quase 80 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e do regime nazista, o país, principalmente o Leste alemão, enfrenta um renascimento da extrema direita, carregada com posições antissemitas e xenófobas.

Numa onda encabeçada pela sigla populista Alternativa para Alemanha (AfD) e que parece inexorável, há vários anos os ultradireitistas vêm ganhando terreno nos antigos estados da Alemanha comunista. Muitos argumentam que o abandono sentido por essas populações seria o cerne desse problema.

Sem dúvida, essa situação pode alimentar revolta, mas a questão vai além: o isolamento desses povoados contribui, e muito, para a aversão ao que é diferente. Somado a isso, a extrema direita soube muito bem identificar essa fragilidade e utilizá-la em benefício próprio, direcionando, com sua retórica, essa insatisfação ao que vem de fora e fomentando o ódio.

Os populistas não apresentam soluções reais para os problemas enfrentados por esses povoados. Para os extremistas de direita, se os estrangeiros fossem mandados embora do país, o mundo novamente seria lindo e todas as dificuldades seriam superadas do dia para a noite. Muitos estão tão desiludidos que não percebem quão vazias são essas promessas.

Como integrar o novo sem aceitar o passado?

Tenho a impressão de que quanto menos uma cidade convive com o diferente, maior é a tendência de temer aquilo que não é igual ao que estão acostumados. Nas últimas décadas, a cidade do Muro superou a divisão que a marcou por tantos anos e se tornou um paraíso cosmopolita e da diversidade, apesar de enfrentar também problemas pontuais com a extrema direita.

Por outro lado, a queda dessa barreira acentuou a exclusão ou o sentimento de exclusão em algumas partes do Leste. A integração – para usar uma palavra que os alemães adoram ao falar sobre estrangeiros – desses excluídos, que precisa passar pelo reconhecimento dos erros cometidos no processo de Reunificação, é o novo desafio para os próximos anos.

A Alemanha aprendeu muito bem a reconhecer as atrocidades que cometeu durante o regime nazista, mas ainda peca ao tratar das escolhas feitas quando voltou a ser um país só na década de 1990 e optou por rejeitar tudo o que havia sido construído durante a RDA, além de desprezar a antiga sociedade civil do Leste, o estilo de vida e conquistas dos alemães-orientais.

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Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.

Autor: Clarissa Neher

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