Muito antes do Homo sapiens cruzar a África, espécies ainda mais antigas de humanos teriam se espalhado por outras partes do planeta. Mas, os grupos que realizaram essa dispersão muitas vezes encontraram desafios enormes à sua sobrevivência.
As conclusões são de um estudo publicado nesta quinta-feira (10/08) na revista Science. A descoberta, que segundo os autores "desafia a ideia de ocupação humana precoce e permanente" da Europa, revelou que um esfriamento extremo há cerca de 1,1 milhão de anos, durando em torno de 4 mil anos, pôs fim à primeira ocupação humana do continente, erradicando por completo a totalidade da população humana arcaica que colonizou a região.
Pesquisas com base em combustíveis fósseis encontrados na Espanha levam a crer que a espécie em questão seria o Homo erectus, geralmente considerado o primeiro membro da linha evolucionária humana a ter deixado o continente africano. Essa espécie era também a primeira a ter proporções corporais como a dos humanos atuais e a realizar inovações, como o desenvolvimento de ferramentas.
Esse intervalo de temperaturas congelantes, comparado em intensidade à Era do Gelo, teria deixado a Europa inabitável para os grupos de humanos arcaicos que sobreviviam através da caça e da coleta, uma vez que o frio extremo eliminou suas fontes de alimentos.
A pouca tolerância às baixas temperaturas, com a ausência de isolamento do frio por falta de gordura corporal, além das dificuldades para prover-se com roupas, abrigo e meios de fazer fogo, teriam sido obstáculos enormes, dizem os pesquisadores.
"É provável que houve uma interrupção total da ocupação humana anterior da Europa, possivelmente durante tempo considerável, com o retorno mais tarde de uma população inteiramente nova", afirmou o antropologista Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, coautor do estudo.
Extinção induzida pelo clima
Isso teria ocorrido na era do Pleistoceno, entre 2,6 milhões e 11,7 milhões de anos atrás, um período marcado por episódios de resfriamento global.
Não está claro quantos indivíduos teriam morrido nessa extinção regional. "Temos pouca noção dos números populacionais, mas eram certamente muito baixos em comparação cm os padrões modernos. Provavelmente eram, no máximo, dezenas de milhares em toda a Europa", disse Stringer.
"Ao contrário das crenças anteriores, nosso estudo demonstra que a ocupação humana da Europa não foi continua, mas sim, pontuada pelo menos por uma extinção induzida pelo clima", explicou o físico do clima e também coautor do estudo, Axel Timmermann, da Universidade Nacional de Pusan, na Coreia do Sul.
Um exame dos registros de fósseis humanos e ferramentas de pedra encontradas na Europa sugerem que a pausa na ocupação humana do continente teria ocorrido há 1,1 milhão de anos e durado uns 200 mil anos.
"Se for verdade, a Europa teria sido recolonizada há cerca de 900 mil anos por seres humanos mais resistentes, com mudanças evolucionárias ou comportamentais que permitiram que sobrevivessem na intensidade crescente das condições glaciais", observou Chronis Tzedakis, professor de física e geografia da University College London e coautor da pesquisa.
Os pesquisadores reconstruíram o clima da época com base em compostos orgânicos deixados por algas minúsculas e pólens encontrados numa escavação de sedimentos em águas profundas da costa de Portugal, revelando mudanças de temperaturas e vegetações.
Os fósseis e ferramentas de pedra indicam que o Homo erectus se estabeleceu na Eurásia e no sul da Europa relativamente cedo na história.
Restos dessa espécie de 1,8 milhão de anos foram encontrados na Geórgia; e de 1,5 milhão de anos na Itália e na Espanha. Fósseis incompletos, datando de 1,4 milhão a 1,2 milhão de anos atrás, provavelmente da mesma espécie, foram encontrados também em solo espanhol.
A espécie Homo antecessor é conhecida por fósseis encontrados na Espanha de cerca de 850 mil anos. O Homo heidelbergensis, descoberto na Alemanha, seria de 600 mil de anos. O homem de Neandertal teria vivido na Espanha há 430 mil anos.
O Homo sapiens, surgido na África há mais de 300 mil anos, pode ter aparecido brevemente na Europa há mais de 200 mil anos. Com a expansão da espécie mais moderna na Europa, o homem de Neandertal desapareceu há cerca de 40 mil anos.
rc/av (Reuters, EFE)