Antes de conhecer o projeto Bem Querer Mulher, Valdirene da Silva Costa se sentia em um ciclo vicioso. A dona de casa que cuida da mãe aos 52 anos sofria com constantes agressões do companheiro. “Primeiro vinham os xingamentos, o ciúme besta, raiva, depois melhorava, mas logo vinha o perrengue de novo. Ele hoje promete que não vai fazer nada, mas fico com medo. Eu estava a ponto de cometer besteira, estava em pedacinhos mesmo”, conta.
Ao tomar coragem para denunciar o agressor em uma das 134 Delegacias de Defesa de Mulher de São Paulo, que comemora 469 anos nesta quarta-feira (25), Valdirene coincidentemente encontrou uma que tinha a parceria com o projeto. “Fiz uma denúncia e me conduziram até lá e me ofereceram a ajuda, mas não aceitei de primeira. Só na quarta tentativa de me levarem até a sede que me convenceram”, relembra.
Há cinco meses participando do projeto criado em 2004 na região da capital paulista, antes mesmo da Lei Maria da Penha, Valdirene usou os principais serviços do Bem Querer Mulher, que ajudam jurídica, psicológica e socialmente. “O ponto que mais me ajudou foi a psicóloga, que me ouvia. Antes, não era ouvida. Me senti acolhida e para mim, boa parte da ferida foi fechada, é gratificante o que elas fazem”, celebra.
‘Elas me deram um norte’
Como Valdirene, a cabeleireira Franciele de Araújo, de 30 anos, conheceu o projeto na Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo. Ela conta que foi procurar uma delegacia para checar a situação da medida protetiva que ela havia pedido em Santa Catarina. “Achava que só valia no estado, mas era válida para o Brasil inteiro. Antes de sair da delegacia, eu perguntei se havia algum projeto de apoio, acompanhamento social e psicológico”, cita.
Franciele recebeu auxílio social e jurídico, para poder entrar com um pedido de divórcio. Mas pouco tempo depois de começar a frequentar o Bem Querer Mulher, a cabeleireira foi exposta pelo ex-marido nas redes sociais. “Isso mexeu muito comigo, pensei até em suicídio, mas os psicólogos do grupo me levantaram completamente. Sem o social, não teria acesso ao jurídico e psicológico, mas o que me deu um norte foi a ajuda psicológica”, avalia.
Para Franciele e Valdirene, o projeto Bem Querer Mulher ajuda a ampliar horizontes e dá acolhimento em um momento de dor. “Os cursos e oficinas, que ocuparam minha mente de forma produtiva, ajudaram minha autoestima, a desenvolver habilidades que eu não sabia que tinha”, afirma Franciele.
Plural como a cidade de São Paulo, o projeto acolhe mulheres paulistanas e de fora da cidade nas sedes da entidade. Heloísa Mellilo, coordenadora do projeto Bem Querer Mulher, conta que o projeto atende em média seis mil mulheres ao ano, sendo de 60 a 100 por mês. “Temos parcerias com três delegacias, mas queremos atender em pelo menos 10 em 2023”, explica.
A coordenadora explica que há três objetivos que o projeto segue. “O primeiro era trazer o assunto para a sociedade, tanto que apresentamos ele na novela ‘Mulheres Apaixonadas’, o outro eixo foi formar líderes comunitárias que pudessem ecoar a questão da violência em comunidades e pudessem fazer um primeiro acolhimento, uma escuta humanizada e saber onde encaminhar essa mulher. Na sequência, veio a questão da gente formar pessoas que atuavam em serviços de atendimento à mulher”, lista.
Para ela, o projeto na maior cidade do Brasil é fundamental para atender mulheres vítimas de violência, já que a questão perpassa diversos setores da sociedade. “O problema não é só jurídico, psicológico, socioassistencial e perpassa todas essas áreas. A Lei Maria da Penha é importante pois fez a sociedade a tomar consciência, mas tratamos da questão muito antes”, cita.
A parceria com as delegacias, segundo Heloísa, ajuda a concluir casos de violência doméstica e a punir agressores. “A gente ajuda no processo, temos um olhar de fora da Segurança Pública, atuando na compreensão das pessoas na delegacia. Temos o acolhimento, a escuta humanizada, para poder encaminhar essa mulher que busca ajuda da polícia”, afirma.