Aziz Agrawli é membro do movimento Hirak, de oposição ao governo do Marrocos. Depois de ser alvo de ameaças, ele mandou instalar câmeras de segurança dentro de sua casa e no jardim: "Meu nome e endereço foram publicados nas redes. Tem gente que disse que vai vir à minha casa e acertar as contas."
"Nós recebemos muitas ameaças", prossegue o ativista, que evita divulgar seu nome completo por motivos de segurança. "A polícia secreta marroquina tentou me pressionar através da minha família, inclusive abordando os meus filhos nas redes sociais."
Ele crê que todas essas ações estão, de algum modo, relacionadas ao governo do Marrocos e seus serviços de segurança. Não seria de surpreender, considerando-se que os líderes do Hirak foram sentenciados a até 20 anos de prisão, em vereditos que a ONG Human Rights Watch classificou como politicamente motivados e "chocantes".
Surpreendente é, talvez, o fato de Agrawli estar sofrendo toda essa perseguição na Alemanha. Ele provém da carente região de Rif, no norte do Marrocos, onde o Hirak foi criado em 2016, mas já vive há mais de 30 anos com a família no estado da Renânia do Norte-Vestfália, no oeste alemão.
Assim que se iniciaram os protestos em sua região natal, ele e amigos passaram a organizar manifestações na Europa. Desde então, afirma, têm sido assediados, ameaçados e vigiados por seu próprio governo. A DW tentou verificar tais acusações junto às autoridades marroquinas, mas não obteve respostas.
Perseguição política sem fronteiras
Entretanto um julgamento em curso parece confirmar a versão do ativista dos direitos humanos: em julho começou na cidade alemã de Düsseldorf o processo judicial contra um marroquino de 36 anos por espionar membros do Hirak na Alemanha. Agrawli comparecerá como testemunha.
Esse é um exemplo do que se denomina "repressão transnacional", em que os Estados atuam para além das fronteiras nacionais para tentar silenciar dissidentes que residem no exterior.
Não se trata de um fenômeno novo, mas representa perigo maior para os ativistas do Oriente Médio: segundo o observatório de vigilância democrática Freedom House, que mantém um banco de dados sobre os incidentes de repressão transnacional, mais de 70% deles são produto da colaboração entre dois Estados não democráticos.
Segundo o relatório de 2022 da ONG sediada em Washington, a Turquia, Egito e Arábia Saudita contam entre os piores perpetradores: "Os governos desses países que descrevemos como 'não livres' tendem a compartilhar valores antiliberais e têm um Estado de direito fraco, então a população costuma ser mais vulnerável", explica Yana Gorokhovskaia, diretora de pesquisa da Freedom House.
Uma onda recente de distensão diplomática no Oriente Médio resultou em que melhorassem as relações entre países como Arábia Saudita, Catar, Egito, Emirados Árabes Unidos e Turquia. Então é possível que a cooperação mais intensa entre esses vizinhos antes hostis esteja promovendo a repressão transnacional na região?
Difícil de dizer com certeza, admite Gorokhovskaia. Em parte por muitos incidentes não estarem registrados em nenhuma parte, já que "os países não querem tornar público o que estão fazendo, ou porque a sociedade civil in loco não é capaz de observar os casos". Certo está que grande parte da repressão ocorre através de cooperação informal entre regimes de mentalidades afins.
Minorias e dissidentes mais expostos à arbitrariedade estatal
Experiências recentes ilustram como novas "amizades" entre governos autoritários podem ser problemáticas. Antes, a Turquia se manifestava contra a perseguição da etnia muçulmana uigur na China. Em sérios apuros econômicos, contudo, o governo de Recep Tayyip Erdogan se aproximou dos chineses, importantes parceiros comerciais seus, e desde então evita criticar a repressão da minoria étnica.
"À medida que Ancara e Pequim ficaram mais próximos, temos visto mais intimidação e abusos contra os uigures da região", registra Gorokhovskaia. "No geral, a Turquia parece disposta a possibilitar a repressão transnacional, dependendo do contexto geopolítico."
Outro exemplo: tanto a Turquia quanto o Catar têm fornecido guarida à organização religioso-política Irmandade Muçulmana, classificada como perigosa pela Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito.
No início de agosto, porém, os turcos restabeleceram relações diplomáticas com o Cairo e estão cada vez mais comprometidos financeiramente com os outros dois governos árabes. Por sua vez, o Catar também se reaproximou de seus vizinhos do Golfo Pérsico, após anos de isolamento diplomático.
Também Alexis Thiry, consultor legal da organização MENA Rights Group, sediada em Genebra, acha difícil afirmar se os últimos desdobramentos geopolíticos aumentam o potencial de repressão através das fronteiras. No entanto, sua ONG está estudando cada vez mais os casos relacionados, e por último identificou um padrão preocupante, ligado ao Conselho dos Ministros do Interior da Liga Árabe (AIMC, na sigla em inglês), criado em 1982 e parte do aparato de segurança do bloco.
"Desde o começo do ano, trabalhamos em três diferentes dossiês em que o AIMC é mencionado. Nunca ouvimos dizer que ele tivesse sido usado desse modo antes de janeiro de 2023. Receamos que os governos árabes estejam se voltando mais e mais ao Conselho para circular mandados de prisão e exigir a extradição de oposicionistas políticos residentes em outro Estado-membro da Liga Árabe."
Apelo por mais rigor por parte dos Estados livres
Tanto Thiry como Gorokhovskaia temem que esses procedimentos tenham se tornado a alternativa à lista de difusão notificações vermelhas, as red notices, da Interpol. Através destas, países filiados à organização policial internacional solicitam ajuda para a captura de indivíduos procurados.
Recentemente, contudo, a lista de difusão tem sido alvo de críticas por seu uso por países como China, Egito, Emirados Árabes e Rússia com o fim de prender dissidentes políticos no exterior. A Interpol afirma que avalia os requerimentos de notificações vermelhas, e veta cerca de mil a cada ano, a metade por considerações de direitos humanos.
Outros fatores igualmente agravam o problema da repressão transnacional por todo o mundo, como o uso de ferramentas digitais de intimidação e vigilância, ou de tecnologias biométricas para identificar indivíduos procurados, mesmo que estejam viajando sob outro passaporte, por exemplo.
Ainda assim, segundo os grupos de direitos humanos, há diversas iniciativas possíveis para combater a repressão transnacional. Nos Estados Unidos, introduziu-se em março uma lei com esse fim, e o Departamento Federal de Investigação (FBI) estabeleceu uma unidade especial. Na Europa não parece haver nada comparável ainda, mas as polícias locais costumam informar e assistir ativistas políticos que se creem em perigo, explica Gorokhovskaia.
Também tem havido apelos por relatores especiais para o assunto nas Nações Unidas; informações mais eficazes às embaixadas europeias onde dissidentes possam procurar auxílio; e melhor cooperação entre forças de segurança e organizações da sociedade civil, a fim de acionar reações de emergência às tentativas de intimidação.
Trata-se também de uma questão de migração e asilo, enfatiza Gorokhovskaia: "O problema dos dissidentes do Oriente Médio é que para eles costuma ser muito difícil alcançar a relativa segurança da Europa. A questão é: como se pode ajudar alguém que está imobilizado nessas regiões autoritárias?"
Assim como os especialistas da Freedom House, Agrawli, ativista do movimento Hirak e vítima de perseguição na Alemanha, gostaria de ver mais responsabilização para os Estados que praticam sistematicamente repressão transnacional.
"Meus amigos estão na prisão, e o regime está muito descontente conosco. Gostaríamos de ver o governo alemão reagir mais rigorosamente a esse tipo de transgressão, em vez de simplesmente louvar suas excelentes relações bilaterais com o Marrocos."
Autor: Cathrin Schaer