O governo da Alemanha prometeu reforçar as leis contra o uso de armas brancas, depois de a polícia registrar um aumento no número de ataques com faca, principalmente nos arredores das estações de trem, ainda que as estatísticas sobre essa questão sejam controversas.
A ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, pediu mudanças na lei para que seja permitido apenas o porte de lâminas de até 6 centímetros em locais públicos, ao invés do critério atual de 12 centímetros. A exceção seria para facas de uso doméstico que ainda estejam em sua embalagem original. Já os canivetes deverão ser banidos por completo.
"Facas são usadas para cometer atos brutais de violência que podem causar ferimentos graves ou mortes", justificou Faeser à emissora ARD no início de agosto. "Precisamos de leis de armas mais duras e controles mais rígidos", completou.
A posição do governo veio após a divulgação de estatísticas oficiais que registraram um aumento anual de 5,6% nos casos de lesões corporais graves causadas por armas brancas, com 8.951 incidentes em 2023. A Polícia Federal alemã, responsável pela segurança nos aeroportos e principais estações ferroviárias do país, também relataram um aumento desses crimes próximo a essas estações, com 430 ocorrências nos primeiros meses do ano.
Estatísticas controversas
A polícia, contudo, somente passou a coletar estatísticas dos ataques a faca em 2021. Os criminologistas hesitam em definir os números mais recentes como uma tendência. Dirk Baier, especialista do Instituto para Prevenção à Delinquência e ao Crime de Zurique, diz que a Alemanha não possui quantidade suficiente de dados sobre os crimes a faca.
"A polícia inclui tanto os ataques a faca ocorridos quanto as ameaças a faca, por isso, é uma categoria demasiadamente vaga", afirmou à DW. "E isso só surgiu a pouco tempo, o que faz com que os números não sejam realmente confiáveis."
Isso, porém, não impediu o partido ultradireitista alemão Alternativa para a Alemanha (AfD) de usar os números para sugerir que a culpa seria da política migratória do governo. "Temos uma explosão de crimes cometidos por estrangeiros, por jovens, violência de migrantes, porque deixamos as fronteiras abertas", disse a colíder da legenda Alice Weidel, em julho.
Ao mesmo tempo, a imprensa alemã se tornou cada vez mais interessada nos últimos meses nos crimes cometidos com facas, após o assassinato de um policial por um refugiado afegão em maio deste ano em Mannheim.
Contudo, os criminologistas não veem uma associação entre crimes violentos e a origem migratória. O fato de os não alemães estarem desproporcionalmente representados nas estatísticas de crimes a faca não ajuda a estabelecer critérios, diz Baier.
"Se observarmos de perto o grupo dos não alemães, encontraremos vários grupos diferentes de pessoas. Há os europeus do leste, os sul-americanos, e temos pessoas de origem árabe", observou. "Essas são culturas muito diferentes, então não podemos dizer que existe uma 'cultura da faca' específica, ou uma origem étnica que tenha associação direta ao uso de facas."
"Nós realmente devemos falar menos sobre os países de onde vieram e mais sobre as circunstâncias de suas vidas", acrescentou. "Em quais ambientes eles cresceram? E, entre quais amigos, de modo que acham importante carregar facas? Qual sua bagagem educacional? Precisamos observar as circunstâncias sociais, e não nos atermos à nacionalidade."
Como policiar os crimes com facas?
Dentro dessa perspectiva, Baier vê com ceticismo que a lei proposta por Faeser possa fazer grande diferença em longo prazo. Ainda assim, ele diz que isso poderia ao menos resultar em uma simplificação da legislação atual, que é bastante complicada, uma vez que cada estado possui suas próprias regras sobre quais tipos de facas são permitidos ou proibidos.
"É um bom sinal, por assim dizer", afirmou. "Mas, se observarmos os benefícios em termos de prevenção de crimes com armas brancas, eu diria que eles não existem." As pessoas que transportam facas perigosas continuarão a fazê-lo, sendo isso legal ou não, afirma o especialista.
Isso diz muito sobre o problema mais urgente, de, em primeiro lugar, como policiar possíveis ataques. Lars Wendland, presidente do sindicato de policiais GdP, vê, a princípio, com bons olhos a proposta de Faeser, mas diz que a polícia precisa de mais do que apenas mudanças na lei para trabalhar de maneira mais eficiente.
"Qual é a utilidade de reforçar a lei se nós não podemos aplicá-la?" questionou Wendland, em entrevista à DW. "Também temos de observar se possuímos o pessoal e o material para implementá-la."
Wendland acredita que a vigilância com o uso de reconhecimento facial e a permissão para que a polícia possa realizar verificações aleatórias em determinadas "zonas de proibição de armas" seria um bom começo. Mas, essas medidas ainda não foram sequer mencionadas por Faeser. Mesmo assim, há dúvidas que ela pudesse estabelecer essas zonas, o que normalmente seria atribuição dos governos locais.
Zonas de proibição de armas já foram introduzidas em algumas cidades alemãs. Mesmo que ainda não existam evidências de que elas de fato levam a diminuição dos crimes violentos, essas áreas parecem fazer com que as pessoas se sintam mais seguras, avalia Baier.
"Foram realizados estudos sobre zonas de proibição de armas em Leipzig e Wiesbaden. Ambos mostraram que a criminalidade não caiu de maneira perceptível. As populações, porém, se sentem mais seguras. Acho que é majoritariamente porque há mais presença policial por perto", disse.
Os crimes com armas brancas se tornaram uma preocupação na Europa, especialmente no Reino Unido, onde, no ano passado, o governo também introduziu novas proibições ao porte de armas com lâminas grandes.
Autor: Ben Knight