Alemanha e França vão investigar origem de artefatos africanos em museus

Fundo de € 2,1 mi bancará pesquisas sobre a procedência de objetos da África subsaariana. Itens de antigas colônias terão prioridade na análise, em ação que poderá ensejar novas devoluções e reparações históricas.

Por Deutsche Welle

A Alemanha e a França vão destinar 2,1 milhões de euros (R$ 11,3 milhões) a um fundo de pesquisa para rastrear a procedência exata de objetos africanos da era colonial mantidos em coleções de museus públicos.

A iniciativa, lançada nesta sexta-feira (19/01) em Berlim pelo centro de pesquisa franco-alemão Centre Marc Bloch, terá duração de três anos e dará prioridade à análise de itens de antigas colônias dos dois países, como Namíbia, Togo e Camarões.

As pesquisas poderão ensejar a repatriação de mais peças saqueadas na era colonial, em um processo de reparação histórica que vem ganhando tração nos últimos anos. A Alemanha, por exemplo, tem se envolvido em diversas ações do gênero, repatriando itens como fósseis de dinossauro e artefatos culturais, além de financiar outras pesquisas no ramo.

"A França e a Alemanha entenderam que essa questão é essencial para o diálogo hoje com países africanos", afirmou Eric-André Martin, secretário-geral do comitê de estudo das relações franco-alemãs no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), ao jornal francês Le Monde.

Para se candidatarem ao financiamento, projetos de pesquisa têm que ser liderados por pesquisadores e museólogos franco-alemães que atuem em parceria com profissionais africanos. "Só eles [africanos] podem nos dizer se os objetos podem ter sido doados ou vendidos espontaneamente por uma comunidade, ou se é impossível que tenham sido simplesmente entregues voluntariamente", pontuou Felicity Bodenstein, membra do comitê científico do fundo, também em declaração ao Le Monde.

Debate ganhou tração nos últimos anos

O debate sobre a restituição de bens culturais africanos ganhou tração na Europa inteira após o presidente francês Emmanuel Macron anunciar em 2017 que faria "todo o possível" para restituir itens saqueados no período colonial.

Em 2021, a França devolveu 26 artefatos ao Benin, mas as repatriações estagnaram desde então. Uma lei sobre a restituição de bens culturais saqueados no exterior, que deveria ter sido aprovada pelo parlamento no final de 2023, acabou barrada pela oposição.

A Alemanha tem visto tendência oposta. E embora o país tenha tido muito menos colônias na África que a França, e por muito menos tempo – o período colonial alemão durou de 1884 a 1919 –, seus museus abrigam um número muito maior de obras saídas de lá.

Em 2022, a Alemanha devolveu à Namíbia 23 antiguidades saqueadas no século 19. Em vez de uma restituição efetiva, porém, os objetos foram cedidos em forma de empréstimo – embora sem prazo definido. A ação gerou críticas, mas a fundação que organizou a ação se defendeu afirmando que a medida foi tomada por razões puramente burocráticas.

Também naquele mesmo ano, o Ministério do Exterior alemão devolveu 22 bronzes à Nigéria. Na época, a ministra alemã da Cultura, Claudia Roth, afirmou que a restituição era o "reconhecimento da injustiça de um passado colonial" e uma tentativa de "devolver a identidade cultural que roubamos".

As peças, datadas do século 16, haviam sido saqueadas originalmente por tropas britânicas em 1987 e representam uma pequena parcela dos 1.130 artefatos roubados do palácio real da cidade do Benin que estão em diversos museus na Alemanha.. Os objetos em bronze, marfim e metais preciosos estão entre os trabalhos artísticos mais importantes da história do continente africano.

Desafio administrativo e diplomático

O tratamento de objetos levados de antigas colônias alemãs é um desafio administrativo e diplomático. Camarões, por exemplo, foi primeiro colonizado pelo império alemão no fim do século 19 e depois invadido e dividido pelo Reino Unido e a França após a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Um projeto para mapear objetos do patrimônio camaronês mantidos em museus alemães, publicado em junho passado sob o título "O Atlas das Ausências" (The Atlas of Absences), identificou mais de 40 mil objetos, mais de 8 mil deles armazenados somente no Museu Linden, em Stuttgart.

Um desses artefatos é o Mandu Yenu, um trono colorido ricamente adornado com pérolas e conchas, que supostamente teria sido presenteado ao imperador alemão Wilhelm 2º pelo Rei Njoya do Reino do Bamum em 1908. A peça está em exibição no Humboldt Forum, em Berlim. No ano passado, o rei camaronês Nabil Mouhamed Mfonrifoum Mbombo Njoy causou frisson ao sentar no trono roubado de seu bisavô durante uma visita ao museu.

ra (ots)

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