Alemanha apresenta projeto de lei para legalizar maconha

Proposta que governo de coalizão levará ao Bundestag permite cultivo não-comercial e consumo da planta. Legalização da erva para fins recreativos enfrenta resistência de parlamentares e setores da sociedade civil.

Por Deutsche Welle

Um controverso projeto de lei para legalizar o uso recreativo da maconha na Alemanha foi apresentado nesta quarta-feira (16/08) pelo ministro da Saúde, Karl Lauterbach, após receber o aval do governo de coalizão.

Políticos que defendem a medida querem vê-la aprovada ainda neste ano, mas enfrentam resistência de parlamentares conservadores, alguns médicos e agentes da lei.

"Consumo será legalizado, mas continua perigoso", frisa ministro da Saúde

Lauterbach se referiu ao projeto de lei como um "ponto de virada" após políticas sobre a cannabis que "infelizmente falharam", mas ressaltou que o uso da droga não é isento de riscos.

"A lei não deve ser mal-compreendida por ninguém. O consumo de cannabis será legalizado, mas continua perigoso", afirmou o ministro em um comunicado conjunto das pastas da Saúde e da Agricultura.

Segundo Lauterbach, a medida tem como objetivo combater o mercado ilegal e a criminalidade relacionada às drogas, bem como o comércio de substâncias adulteradas ou tóxicas, além de restringir o número de usuários da erva – que teria sido consumida pelo menos uma vez no ano passado por 4,5 milhões de adultos, segundo dados do governo.

A proteção de crianças e adolescentes, diz o comunicado, "é um elemento central de todo o projeto legislativo", e por isso o Ministério da Saúde lançará uma campanha informativa voltada ao público jovem para alertar sobre os riscos da droga.

Ministro da Agricultura, Cem Özdemir saudou o projeto de lei como um "passo significativo rumo a uma política de drogas progressista e ancorada na realidade". Embora "atrasada", a medida serviria para descriminalizar os muitos usuários da erva que a consomem apenas para fins privados, além de aumentar a proteção de crianças e jovens.

O que diz o PL da maconha

Pelo texto, pessoas acima dos 18 anos poderão portar até 25 gramas de maconha e cultivar até três plantas, desde que destinadas ao uso pessoal.

Também estarão liberadas as associações de cultivo sem fins lucrativos – popularmente conhecidas como "clubes de cannabis" –, que poderão abastecer membros com produtos de cultivo próprio, limitado à quantidade de 50 gramas mensais, ou 30 gramas mensais para associados entre 18 e 21 anos. Não será permitido o consumo da erva nesses lugares, nem num raio de 200 metros de distância deles.

As associações também terão que manter essa mesma distância de 200 metros de escolas, creches, parquinhos e centros que atendem jovens e crianças, bem como instalações esportivas – o que deve tornar difícil a tarefa dos clubes de encontrar um local apropriado para se instalarem.

Segundo o ministro Lauterbach, o governo também avalia no momento a definição de uma margem de tolerância do entorpecente para o tráfego, similar ao que já acontece com o álcool.

Ganhos financeiros da ordem de centenas de milhares de euros, calcula governo

A descriminalização é o primeiro passo; no próximo, lojas especializadas poderão vender maconha e produtos que contenham a substância entorpecente THC. Esses comércios, porém, só poderão operar em distritos e cidades selecionadas, convertidas em "regiões modelo" por um período de cinco anos.

No início, havia altas expectativas em relação à arrecadação de impostos e à economia prevista nos gastos da polícia e do Judiciário, com estimativas de ganhos na casa dos bilhões de euros, posteriormente recalculados e reduzidos a centenas de milhares de euros – os ganhos são minorados por gastos adicionais com a avaliação da lei, bem como ações de informação e prevenção.

Críticas da sociedade civil e da política

A proposta, porém, foi criticada por médicos que atendem crianças e jovens. Em um comunicado conjunto, cinco associações do ramo alertaram para o que veem como "ameaça à saúde mental e às oportunidades de desenvolvimento dos jovens na Alemanha".

O projeto de lei também enfrenta resistência do sindicato da polícia e da Associação Alemã de Juízes – esta última alertou que o Judiciário terá trabalho extra devido às muitas regulamentações detalhadas sobre os clubes de cannabis e a entrega de drogas. Ministro da Justiça, o liberal-democrata Marco Buschmann rebateu afirmando ao conglomerado de mídia Funke-Gruppe que a abertura de canais legais para compra e consumo significaria justamente menos casos nas cortes.

Parlamentares conservadores de vários estados também se posicionaram contra o texto, chamando-o de "irresponsável" do ponto de vista médico e qualificando-o como um "ataque à juventude e à proteção da saúde".

Ministro do Interior da Saxônia, o cristão-democrata e oposicionista Armin Schuster declarou à agência de notícias Redaktionsnetzwerk Deutschland que a lei "trará consigo uma total perda de controle".

Críticas semelhantes partiram também de políticos sociais-democratas, que integram a coalizão de governo e controlam o Ministério da Saúde. "Se há algo de que não precisamos, é dessa lei", afirmou à emissora pública NDR o ministro do Interior de Hamburgo, Andy Grote. "Experiências de outros países demonstram que a legalização causa um grande aumento no consumo, com todos os riscos e efeitos colaterais", ressaltou o social-democrata.

Grote também questionou se a legalização do uso recreativo da erva, de fato, coibiria o comércio ilegal. "O temor é de que haja uma procura muito maior pela cannabis ilegal porque ela é mais potente e barata, e porque o mercado ilegal se misturará ao legal."

Para o social-democrata, a regulação da maconha requer uma "burocracia abrangente de vigilância" de modo a assegurar que todos os regulamentos sejam cumpridos.

Há resistência mesmo entre liberais-democratas do FDP, que geralmente são favoráveis à legalização da cannabis e também integram o governo de coalizão, mas se referiram à proposta como um "monstro da burocracia".

Defensores da legalização também estão insatisfeitos, apontando que as regulações previstas no texto são muito detalhadas e pouco ambiciosas.

Lauterbach não se mostrou abalado pelas críticas. Para o ministro, o fato de a proposta ser criticada tanto pelos que são favoráveis à legalização quanto pelos que se opõem a ela é sinal de equilíbrio do texto.

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(DW, ots)

Autor: Timothy Jones (| Matthias von Hein)

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