Além do câncer: cuidados paliativos trazem bem-estar aos mais diversos pacientes

Apesar de ainda ser tabu, atendimento multidisciplinar procura melhorar a qualidade de vida do indivíduo que enfrenta doença grave ou condição sem cura

Por Luiza Lemos

Cuidados paliativos vão além do câncer
Reprodução/Freepik

O termo ‘cuidados paliativos’ ainda é um grande tabu para a maior parte dos brasileiros, principalmente por remeter apenas a pacientes com câncer em fase terminal ou que não têm mais chance de recuperação oncológica. Na imprensa, o conceito já foi noticiado nos casos de Rita Lee, Pelé e Roberto Dinamite, que passaram pelo tratamento paliativo, o que reforça a ideia de que ‘paliativo’ é sinônimo apenas de morte ou situações terminais. Apesar do temor que o conceito pode trazer, ele não é algo negativo e serve para os mais diversos pacientes.

Conceito definido em 1990, os cuidados paliativos consistem em dar uma assistência múltipla para pacientes com doenças graves que ameaçam a vida e é bem mais amplo do que se pensa. Segundo Roberta França, médica e pós-graduada em Geriatria e Gerontologia, o conceito é um conjunto de ações voltadas ao “bem-estar de pacientes em terminalidade ou doença ameaçadora da vida”.

A gente precisa compreender que mais de 70% das doenças não têm tratamento curativo, são doenças com tratamentos que deixam ele bem, sob controle. Então 70% das pessoas necessitam de cuidados paliativos, explica, ao Band.com.br

A médica cita que doenças comuns para os brasileiros são tratadas justamente com cuidados paliativos. “Se pararmos para pensar, o diabético é um paciente em cuidado paliativo, o renal crônico, com hipertensão, que passou por um AVC, tem demência, Alzheimer, Parkinson. Todas essas doenças têm cuidados paliativos, porque são doenças porque até a presente data, não temos uma droga curativa”, avalia. 

No caso de Zilda Casali, que aos 89 anos trata uma insuficiência renal crônica, a idosa sente que os cuidados paliativos aliados à hemodiálise a fizeram deixar de pensar na morte e sim, em se cuidar. Internada há dois meses em uma unidade hospitalar de transição em São Paulo, a idosa conta que a mudança de pensamento ocorreu logo após ser assistida pela Humana Magna, local onde Zilda está internada e que utiliza os cuidados paliativos para trazer maior bem-estar ao paciente. 

“Eu estava muito angustiada, até chamei minha filha e falei para a gente pôr tudo em casa em ordem. Graças a Deus minha cabeça é ótima, queria preparar tudo, eu falei que iria chegar minha hora, porque eu não via melhora. Agora o foco é me cuidar, fazer o que é melhor para o meu corpo e para o meu espírito e ficar com os do meu lado. Cada dia como se fosse um dia normal", celebra. 

O cuidado paliativo muitas vezes serve para dar bem-estar durante um tratamento que pode enfraquecer o paciente, como no caso de Zilda. “Ela não tolerava a máquina da diálise, fazia ela passar muito mal. Então, aliado ao cuidado aqui, fomos ajustando a medicação e ela foi tolerando e conseguindo retirar o excesso de líquidos. Ela chegou a 90 quilos e agora com 68 quilos, era excesso de líquido. E mesmo com a hemodiálise, e só agora ela está melhor”, explica o médico Eduardo Dias, geriatra e técnico responsável pela Humana Magna.

Como Zilda, Corina Perrela também passa por cuidados paliativos, mas por outro motivo: a psicóloga de 63 anos tem Parkinson e demência. No caso de Corina, houve um obstáculo ainda maior na procura por bem-estar, já que ela não se adaptou bem ao Prolopa, medicamento que serve para aumentar os níveis de dopamina no cérebro e diminuir os sintomas de Parkinson.

O marido de Corina, Gilberto Perrela, conta que a esposa só melhorou ao conseguir administrar óleo de cânhamo, derivado da maconha. O medicamento foi um aliado paliativo, já que não parou a doença, mas melhorou os sintomas relacionados ao Parkinson e trouxe uma possibilidade de vida mais saudável. 

Corina e Gilberto Perrela são casados há mais de 40 anos
Arquivo pessoal/Gilberto Perrela

“Os sinais da doença da Corina apareceram em 2015, após uma depressão profunda e só em 2019 descobrimos o óleo, que não trata o Parkinson em si, mas ajuda muito no conjunto de sintomas que acompanham a condição. Ela não tem mais dores, não treme mais, dorme muito melhor. Então utilizamos o óleo em conjunto com os outros tratamentos paliativos e a qualidade de vida dela é muito melhor”, avalia. 

Além do óleo de CDB, Corina também faz outros tratamentos, que são considerados paliativos. A psicóloga faz acupuntura para os músculos que enrijecem devido ao Parkinson, fisioterapia, acompanhamentos médicos e terapia. “A gente também faz caminhadas, ela anda muito bem e gosta de passear. Como ela perdeu a crise de pânico com o tratamento, ela frequenta shoppings, parques, isso melhora a autoestima. Então ela acaba se sentindo útil. Se você renegar ela a um segundo plano, é a morte pré-anunciada”, afirma. 

Além do tradicional, o espiritual faz diferença no cuidado paliativo

Pedro Archer, Diretor do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro e também médico intensivista, explica que além dos cuidados tradicionais com pacientes paliativos, o espiritual é foco também. “A terapia é dividida em 10 tópicos principais e um deles é respeitar as crenças espirituais do paciente e fornecer suporte espiritual, se desejado”, pontua. 

No caso de Zilda, que é mãe de santo e benzedeira, se aproximar da religião foi uma forma de recuperar a força e até a vontade de viver. “Ela tinha essa questão de não ter conseguido manter no hospital a paz espiritual. Então surgiu essa demanda e permitimos que ela fizesse aqui, foi simbólico, porque miramos na parte espiritual, mas foi muito além. Ela me disse que sentiu até mais força para melhorar”, explica o médico de Zilda, Eduardo Dias. 

Zilda com familiares e a cuidadora da Humana Magna durante cerimônia religiosa
Reprodução/Arquivo pessoal

Vera Casali, filha de Zilda, comenta que a espiritualidade ajudou a mãe a “resgatar o lado saudável”. “Ela estava em um processo de morte, ela não tinha ânimo. E depois disso, é como se tivesse pegado o lado saudável e puxasse para uma mudança muito grande. Ela ficou mais animada, motivada, querendo viver. Isso fez uma diferença muito grande”, relembra. 

“Como essa clínica, esses cuidados paliativos nos ajudou como família, foi um trabalho com a gente também. Quando minha mãe adoeceu, adoecemos juntas, minha mãe sempre foi muito ativa, não esperávamos acontecer, de repente, foi difícil ver. Tivemos um suporte, um apoio, parece que somos parte do time, de ajudar a minha mãe a melhorar", diz Vera. 

Zilda, como paciente, se sente ouvida pela equipe multidisciplinar que faz os cuidados paliativos. "É, nem se compara. Me sinto ouvida, o lugar é melhor, as pessoas respeitam e tratam a gente melhor, é muita coisa melhor", elogia. 

Gilberto, que cuida de Corina, diz que o espiritual é essencial neste momento de cuidado. “Tenho uma filosofia espiritual que me embasa muito nesse aspecto das doenças, os karmas, temos consciência do que isso é, de onde se origina, então não temos uma revolta em função da doença, temos a preocupação, os empenhos, sabemos que devemos ser amparados, mas na parte espiritual, se a pessoa não tiver uma boa retaguarda, sei que isso gera problemas seríssimos”, avalia. 

Respeito e assistência à família é essencial 

Outra frente do tratamento paliativo é a escuta e assistência à família do paciente que passa pela doença ou condição. No caso de Zilda, as filhas dela sentiram que o hospital de transição escolhido - para que a mãe faça um tratamento humanizado e volte para a casa - foi essencial para tranquilizá-las e melhorar a saúde da família em geral. 

"A abordagem inicial foi importante, a compaixão, a recepção dela na clínica. O nosso desejo era encontrar o lugar humanizado, né? Tem muitos lugares que a gente vai, conhece, se diz humanizado, mas não são coerentes. Aqui eles têm a ação, a abordagem com a minha mãe foi emocionante desde o primeiro momento, por todos”, conta Lili Casali, filha de Zilda. 

No cuidado paliativo, as equipes procuram saber o histórico familiar para dar maior conforto e bem-estar para todos. Justamente por isso que as filhas de Zilda se sentiram confortáveis. “Foi marcante para mim quando a médica entrou para conhecer a gente, minha mãe estava dormindo, ela foi falar com a gente e queria saber da nossa vida, da nossa história, como a gente vivia. O foco foi outro, foi mais abrangente que a doença. A gente não vê a doença como foco principal e sim a pessoa, o tempo inteiro”, afirma Lili. 

Gilberto também sente que o cuidado com a esposa fez ele se sentir aliviado com a assistência para conseguir o medicamento à base de maconha. “Foi muito importante para nós no processo de aplicar o cannabis, puxa, eles foram muito atenciosos, mando sempre mensagem para eles, eles respondem sempre, dão todo o suporte para a gente, são fora de série”, celebra. 

Quais são as 10 frentes dos cuidados paliativos?

A abordagem multidisciplinar que Roberta França e Pedro Archer citam têm o objetivo de aliviar sintomas, controlar a dor, gerenciar efeitos colaterais, fornecer suporte, além de ajudar os pacientes e famílias a tomar decisões. A questão espiritual é uma, mas vai muito além:

  • Controle da Dor e Sintomas: Garantir que os pacientes tenham alívio da dor e desconforto, controlando sintomas como falta de ar, náuseas, fadiga e outros.
  • Comunicação Aberta: Promover conversas honestas sobre o diagnóstico, prognóstico e opções de tratamento, permitindo que o paciente tome decisões informadas.
  • Suporte Emocional e Psicossocial: Oferecer apoio para lidar com o estresse emocional, ansiedade, depressão e outros desafios psicológicos que podem surgir durante o tratamento.
  • Assistência Espiritual: Respeitar as crenças espirituais do paciente e fornecer suporte espiritual, se desejado.
  • Cuidados de Enfermagem: Fornecer cuidados diários, incluindo higiene pessoal, alimentação e administração de medicamentos.
  • Planejamento Antecipado de Cuidados: Ajudar os pacientes a expressar seus desejos em relação aos cuidados médicos futuros, como ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e intervenções médicas.
  • Apoio à Família: Fornecer orientação e suporte emocional para os familiares, ajudando-os a entender e enfrentar a situação.
  • Conforto e Ambiente: Criar um ambiente tranquilo e confortável, seja em casa, no hospital ou em um hospício.
  • Acessibilidade a Recursos: Garantir que os pacientes tenham acesso a recursos como terapia, apoio nutricional, fisioterapia e outros serviços conforme necessário.
  • Cuidados até o Final: Prestar cuidados até o final da vida do paciente, com dignidade e respeito, focando no conforto e no bem-estar.
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Por esse pensamento abrangente, Pedro explica que os cuidados abrangem as diversas necessidades do paciente e da família. Os cuidados paliativos estão em qualquer estágio de doença grave, enquanto a fase terminal é o estágio avançado de uma doença em que a morte é esperada em um curto espaço de tempo. Os cuidados paliativos podem ser oferecidos em qualquer fase da doença, não apenas na fase terminal”, informa. 

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