Numerosas ruas e centenas de escolas da Alemanha portam o nome de Albert Schweitzer (1875-1965): há décadas o cientista, missionário, médico, filósofo, teólogo, autor, músico, musicólogo e Prêmio Nobel da Paz alemão é reverenciado, em especial por sua atividade humanitária na África. A clínica que fundou em Lambarena, no atual Gabão, no oeste do continente, valeu-lhe o cognome "Doutor da Selva".
Mas Schweitzer também era um filho de seu tempo. Nascido na Alsácia, então parte do Império Alemão e hoje pertencente à França, sua mentalidade foi em parte ditada pela constante e brutal colonização europeia de amplas regiões da África.
Com seus característicos bigodão e cabeleira branca, pensava e agia como um paternalista em plena "missão civilizatória": não bastava cuidar da saúde daquelas "crianças sem cultura", era preciso também fazer delas "seres humanos civilizados".
Estranha reticência sobre o Holocausto
A fama do cientista atraiu a atenção do regime nazista da Alemanha – apesar de ele ter criticado a ascensão de Adolf Hitler. O ministro da Propaganda Joseph Goebbels chegou a enviar-lhe um convite assinado "com saudações alemãs", o qual ele teria recusado educadamente, "com saudações centro-africanas".
Vivendo quase continuamente no Gabão desde 1924, Schweitzer mantinha distância dos horrores do Holocausto, mas também jamais condenou as atrocidades nazistas, o que lhe custou duras críticas da posteridade.
A jornalista e autora Caroline Fetscher – cujo livro Tröstliche Tropen (Trópicos consoladores) aborda a ambígua posição do "Doutor da Selva" na história alemã – acredita que ele "estava bem ciente da perseguição dos judeus", apesar de seu isolamento.
"No entanto, não protestou nem elevou a voz de nenhuma maneira, mesmo depois de 1945, mesmo com seus contemporâneos esperando e exigindo isso dele." Fetscher constatou que a maior parte dos médicos atuantes durante o regime nazista no hospital de Lambarena era de judeus forçados a fugir da perseguição na Europa.
Um dos clínicos, candidato à sucessão como diretor do hospital, trazia até tatuado no braço um número do campo de extermínio de Auschwitz, e "Schweitzer conhecia a história dele e sabia das atrocidades".
Além disso, sua esposa e parceira médica, Helene Schweitzer, tinha ascendência judaica, e escapara por um triz de ir para o campo de concentração. Assim, para diversos biógrafos esse silêncio representa "uma enorme falha" do Nobel da Paz de 1952, observa Fetscher.
Expiação pelos crimes dos brancos europeus
Por outro lado, Albert Schweitzer e sua equipe salvaram tantas vidas, combatendo as doenças e a mortalidade infantil no Gabão que talvez, de sua perspectiva, isso compensasse em parte os crimes da Segunda Guerra Mundial.
"Os alemães podiam recalcar a realidade da Shoah e das vítimas judaicas, engajando-se pelos 'pobres negros' em terras distantes, aos quais Albert Schweitzer, como 'bom alemão', tanto bem fazia", é a tese de Caroline Fetscher.
Assim, não é surpresa que, na Alemanha do pós-guerra, muitas crianças e jovens o tivessem como ídolo. Classes escolares inteiras escreviam-lhe cartas, sua foto estampava selos e artigos de jornal; muitos livros também contribuíam para sua reputação de filantropo heroico e abnegado.
Schweitzer considerava uma missão sua reparar os males gerados por outros europeus: "No fim das contas, todo o bem que façamos pelos povos das colônias não é beneficência, mas sim expiação pelo grande sofrimento que nós, brancos, lhes causamos, a partir do dia em que nossos navios aportaram em suas praias."
Em prol da "reverência pela vida"
Isso não significava que ele encorajasse as aspirações emancipatórias das populações colonizadas e exploradas, que desejavam erguer uma sociedade e economia funcionais, sem a ajuda dos brancos. Aos africanos, costumava dizer: "Sou teu irmão. Mas o teu irmão maior."
Mesmo à medida que os movimentos de emancipação avançavam irresistivelmente na África, essa atitude prepotente não se alterou fundamentalmente: "Precisamos nos arranjar com o fato de que os irmãozinhos negros também ficam adultos", comentou certa vez.
Apesar do legado paternalista, nos 150 anos de seu nascimento Albert Schweitzer está sendo celebrado como ativista humanitário e, mais tarde, da paz. O mundo não o conhece apenas como "Doutor da Selva", humanista e amigo dos animais, mas também como um opositor incansável do armamento nuclear durante s Guerra Fria.
Seu slogan, "Reverência pela vida", o também filósofo explicava assim: "Tendo reverência pela vida, entramos numa relação espiritual com o mundo. Praticando a reverência pela vida, nos tornamos bons, profundos e vivos." Ou, em outras palavras: "Faz algo maravilhoso, que vão te imitar."
Autor: Silke Wünsch