Como surgiu, o que faz e quanto ganha um ajudante de ordens da Presidência

A figura do ajudante de ordens existe desde a década de 40 e é ocupada, geralmente, por militares da ativa

Marco Rosa

Mauro Cid compareceu fardado à CPMI dos atos de 8 de janeiro
Pedro França/Agência Senado

A recente exposição do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, preso há mais de 3 meses, jogou luz à figura do ajudante de ordens da Presidência da República, que esteve no anonimato até o final do governo de Jair Bolsonaro (PL). A lista de investigações criminais contra Cid é extensa, mas se iniciou com a suspeita de fraudes nas carteiras de vacinação contra a Covid-19 do ex-presidente e do seu entorno.

Também estão na longa relação de acusações a realização de saques de cartões corporativos da Presidência, de integrar milícias digitais de fake news, de participar de articulação para um suposto golpe de Estado, de incentivar a invasão da sede dos Três Poderes e da tentativa de liberação de joias enviadas pelo governo da Arábia Saudita para a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e para o ex-presidente.  

O ex-faz-tudo de Bolsonaro tem 44 anos e é filho do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, colega de turma de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) durante os anos 70. O Cid filho é oficial do Exército com mais de 20 anos de carreira e também se formou pela Aman em 2000. Em 2018, ele se preparava para assumir um posto nos Estados Unidos quando foi nomeado pelo general Eduardo Villas Boas, então comandante do Exército, como ajudante de ordens da Presidência, cargo em que ocupou durante os quatro anos de mandato, período em que teve um salto gigantesco na carreira militar, subindo de major para tenente-coronel.  

Ao fim do governo Bolsonaro, Cid tinha planos de comandar um dos batalhões do Exército em Goiânia, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, a reversão da sua nomeação à função. Ele acabou sendo transferido para um cargo administrativo na direção do Comando de Operações Terrestres do Exército.

No mês passado, já preso, Cid compareceu à CPMI dos atos de 8 de Janeiro, mas decidiu acatar a orientação de sua defesa e não respondeu às perguntas dos integrantes da comissão. Também chamou a atenção o fato do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro aparecer usando a farda completa do Exército e sob escolta da Polícia da corporação. O próprio Exército confirmou mais tarde que orientou o tenente-coronel a usar a vestimenta "pelo entendimento de que o militar da ativa foi convocado para tratar de temas referentes à função para a qual fora designado pela Força".

O que faz e quanto ganha um ajudante de ordens?

O ajudante de ordens é o 'braço direito' de um presidente, uma espécie de secretário particular, prestando assistência direta ao governante e à sua família, inclusive para assuntos de caráter pessoal. Ele permanece ao lado da autoridade durante todas as agendas oficiais, inclusive viagens, participa de reuniões reservadas e tem acesso às dependências do Planalto.  

Para se ter ideia da importância do cargo, Cid tinha acesso ao telefone celular de Bolsonaro e às correspondências recebidas, era responsável pelas bagagens do ex-presidente e tinha informações pessoais, não somente de Jair, mas também de membros mais próximos a ele. Ele esteve presente 24 horas por dia nos hospitais em que Bolsonaro ficou internado durante o mandato.

Com a confiança que ganhava de Bolsonaro ao passar do tempo, Cid ganhou mais responsabilidades e intimidade com o ex-presidente, atendendo ligações no celular, emitindo comentários, exibindo ao chefe publicações de veículos de imprensa e redes sociais e até cuidando de contas pessoais do mandatário e da primeira-dama. Para isso, ganhava pouco mais de R$ 26 mil ao mês - o que seria R$ 17 mil com os descontos na folha -, além de uma gratificação no valor de cerca de R$ 1.700.

Cid ganhou responsabilidades e intimidade com Bolsonaro com o passar do tempo (Foto: Presidência/Divulgação)

O papel do ajudante de ordens ao longo dos governos

A figura do ajudante de ordens existe desde a década de 40 e é ocupada, geralmente, por militares da ativa. A primeira regulamentação da função aconteceu em 1946, por meio de um decreto assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra e editado posteriomente em 1952 por Getúlio Vargas, que determinava que a escolha dos ajudantes de ordem era prerrogativa do Estado Maior do Exército.

Segundo o decreto, tinham direito a dois ajudantes de ordens o presidente da República, o ministro da Guerra, o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o chefe do Estado Maior do Exército, os comandantes das zonas militares e o chefe do Departamento Geral de Administração do Ministério da Guerra. Além disso, cada um dos demais generais da ativa, quando em função de caráter essencialmente militar, teria um ajudante de ordens.

O decreto-lei 1.608 ainda deixava claro que o cargo somente poderia ser ocupado por capitães ou majores e que o exercício da função tinha o prazo máximo de três anos - apenas o ajudante de ordens do presidente da República poderia estender a permanência pelo período do mandato.

Um novo decreto editado no final de 1964 pelo presidente Castello Branco, o primeiro do período da ditadura militar no Brasil, altera para apenas três cargos o direito de contar com um ajudante de ordens: o presidente da República, o ministro da Aeronáutica e os oficiais-generais da Aeronáutica. Ainda trata da exigência de ter servido pelo menos dois anos em Unidade Aérea para oficiais-aviadores e para os demais oficiais.

Segundo o texto assinado por Castello Branco, as funções do ajudante de ordens são "acompanhar e assistir a autoridade em todas as suas atividades oficiais, representar a autoridade em solenidade públicas ou sociais quando determinado, coordenar todas as medidas necessárias ao deslocamento da autoridade e cuidar da correspondência da autoridade".

Getúlio Vargas editou um decreto sobre a regularização da função de ajudante de ordens em 1952 (Foto: Divulgação)

Quem é o ajudante de ordens de Lula?

O presidente Lula optou por não ter um ajudante de ordens no modelo convencional no início do seu terceiro mandato. Essa função passou a ser exercida por uma equipe de assessores que já o acompanham nos últimos anos.  

Um dos nomes do time que auxilia o presidente é o de Marco Aurélio Santana Ribeiro. Conhecido como Marcola, ele é assessor do PT, sociólogo e mestre em ciência política. Sua relação com Lula é antiga e se estreitou enquanto o petista esteve preso na sede da Polícia Federal de Curitiba, de abril de 2018 a novembro do ano seguinte. Marcola entregava todos os dias ao chefe um pendrive com notícias mais importantes, cartas e livros e, três anos depois, passou a integrar a equipe de transição do governo.

Outra ajuda que Lula teve no período de encarceramento veio de Claudia Troiano, secretária do Instituto Lula, que ficou responsável por cuidar de toda a correspondência recebida pela organização. Ela também esteve presente na equipe de transição e hoje é secretária de gabinete do presidente, que tem Marcola na chefia.

Lula decidiu romper de forma inédita com a tradição de indicar militares ao cargo por falta de confiança no Exército, principalmente após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro na sede dos Três Poderes. O presidente deu preferência a pessoas de sua confiança para transitar nos corredores no Planalto e cuidar de questões pessoais. "Eu perdi a confiança, simplesmente. Na hora que eu recuperar a confiança, eu volto à normalidade", admitiu o petista em entrevista ao Estadão.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, seguiu o tom de Lula ao justificar as exonerações em cargos de confiança. "O governo que saiu tem pouca ou nenhuma sintonia com o que entrou, o pensamento em todas as áreas é muito diferente, portanto não poderíamos conviver com os mesmos assessores. Alguém achava que íamos manter os assessores do governo anterior? Não é razoável que fosse assim. O regime de governo mudou. Se mudou a filosofia, mudou o conteúdo, então tem que mudar quem está implementando isso", disse.

Outros ajudantes de ordens da história recente do Brasil

O ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro de janeiro de 2019 a março de 2021, o general Fernando Azevedo e Silva, foi ajudante de ordens do ex-presidente Fernando Collor de Melo. O então major à época foi nomeado para a função em 1990 e assim permaneceu até o impeachment, ocorrido em 1992.  

Atual comandante do Exército, Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva foi escolhido como o 'faz-tudo' dos governos dos ex-presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Até o ano passado, no governo Bolsonaro, Tomás Paiva era o comandante militar do Sudeste e é considerado um 'legalista' das Forças Armadas.

Nos mandatos passados de Lula, o escolhido como braço direito foi o major-brigadeiro Rui Chagas Mesquita. Ele cursou a Academia de Força Aérea na década de 80, possui mais de 4.750 horas de voo ao longo de mais de 40 anos de efetivo serviço militar. Hoje ocupa o cargo de Secretário de Produtos de Defesa.

Durante a gestão Dilma, o cargo de chefe de ajudância de ordens teve uma novidade: a ex-presidente priorizou a escolha de mulheres para a função pela primeira vez. A primeira escolhida foi Ester Homsani, jornalista por formação e capitã de fragata da Marinha, ainda em 2011. No ano seguinte, foi substituída por Marcia Boueri Gomes, capitão-de-Mar-e-Guerra, que acabou sendo a mais longeva e ficou na posição até 2014. Já no segundo mandato, Dilma nomeou a tenente-coronel Danielle Sanchotene Bressan, que permaneceu até o impeachment da petista em 2016.

Já Temer teve apenas um nome no cargo durante seu mandato de quase dois anos e meio: o escolhido foi o coronel da Aeronáutica Luiz Cesar Zampier Ulbrich.

Ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, Fernando Azevedo e Silva foi ajudante de ordens do ex-presidente Collor e ficou até o impeachment. (Foto: TV Brasil/Divulgação)

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