Acordos armamentistas Kim-Putin: mistério é a principal arma

Párias autocráticos da Coreia do Norte e Rússia se reúnem para uma eventual cooperação militar. Armas do tempo da Guerra Fria de um lado, alimento e combustível do outro

Por Deutsche Welle

Vladimir Putin se reúne com Kim Jong-un na Rússia
Sputnik/Vladimir Smirnov/Pool via REUTERS

O presidente russo, Vladimir Putin, saudou seu homólogo norte-coreano, Kim Jong Un, na tarde desta quarta-feira (13), no aeroporto espacial Vostochny Cosmodrome, no leste da Rússia. Diversos governos e analistas temem que a subsequente reunião de cúpula entre os dois vá se concluir com acordos para intercâmbio de armas e de tecnologia militar.

Há uma semana, o porta-voz da Casa Branca para segurança, John Kirby, afirmou que o Kremlin estava no processo de adquirir "milhões de mísseis e obuses de artilharia da Coreia do Norte, para uso na Ucrânia". Mais tarde, porém, ele ressalvou não haver indicações de que a transação estivesse fechada, nem do emprego dessas armas.

Alguns meses atrás, os Estados Unidos relataram que a Coreia do Norte já fornecera munição de artilharia às Forças Armadas russas, cujos arsenais estão se esgotando, à medida que se estende a agressão militar à Ucrânia. Qualquer acordo armamentista entre Pyongyang e Moscou seria uma violação de múltiplas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas – ironicamente também algumas antes sustentadas pelos russos.

"Minha impressão é que ambos os lados querem equipamento e tecnologia militar, mas grande parte da questão é simplesmente assustar seus rivais com especulações sobre as novas armas e capacidades que de repente vão adquirir", analisa o professor de relações internacionais russo Yakov Zinberg, da Universidade Kokushikan de Tóquio.

"Também houve diversos relatos de que a Rússia não tem como produzir munição suficiente para suas tropas na Ucrânia, e sabemos que a Coreia do Norte tem montes de estoques. Então a perspectiva de Pyongyang fornecer munição, e potencialmente também armas, tem a finalidade de deixar preocupados a Ucrânia e seus aliados."

Armas em troca de trigo?

Na ausência de confirmações imediatas do conteúdo das conversas dos dois líderes, ou que acertos teriam alcançado, analistas sugerem que os detalhes nunca chegarão a ser anunciados, a fim de aumentar a confusão em torno da aliança militar que se anuncia.

Para o porta-voz Kirby, o potencial acordo armamentista meramente revela "quão desesperado Putin está ficando": "É uma indicação de quanto seu estabelecimento industrial de defesa está sofrendo, devido a essa guerra, e do seu grau de desespero."

A Rússia precisa garantir munição adicional para sua artilharia, embora os projéteis que a Coreia do Norte tem estocados se baseiem em modelos de meio século atrás. O país manteve as fábricas de armas fornecidas pela União Soviética durante a guerra da Coreia (1950-1953), e desde então vem acumulando seus estoques.

Para Joseph Dempsey, pesquisador de defesa do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), a Rússia ter acesso aos arsenais norte-coreanos da época da Guerra Fria "pode prolongar o conflito [na Ucrânia], mas é improvável que altere o resultado". Essas armas menos avançadas não se prestam a ataques de precisão, mas podem ser empregadas em ofensivas em massa contra as posições militares e infraestrutura civil da Ucrânia.

Por sua vez, a Coreia do Norte sofre escassez de alimentos desde que teve mais uma safra fraca, e carece de combustível depois que as sanções internacionais iniciais, de 2006, foram acirradas em 2017. Assim, é possível que Kim solicite dos russos suprimentos de comida e combustível, a fim de remediar essa carestia.

Como o país asiático também está tentando produzir mais satélites de ponta, talvez procure se beneficiar dos materiais e da tecnologia russos para lançamento de mísseis de longo alcance, em parte idêntica à empregada no lançamento de satélites.

Moscou dificilmente abre o jogo com Pyongyang

Tecnologia para armas nucleares pode igualmente constar da lista de compras norte-coreana, inclusive o know-how para que uma ogiva nuclear montada num míssil balístico intercontinental possa reingressar com segurança na atmosfera – um desafio que, segundo analistas, os cientistas de Kim ainda não conseguiram superar.

A lista pode incluir ainda muitos outros itens, porém é improvável que Putin vá revelar todos os seus segredos, opina Leif-Eric Easley, professor associado de estudos internacionais da Universidade Ewha Womans, no Seul, pois "mesmo uma máquina de guerra desesperada não troca suas 'joias da coroa' militares por umas munições bobas".

O líder norte-coreano já declarou que pretende expandir as capacidades nucleares da Marinha nacional – outra área em que o Kremlin pode ser um aliado poderoso. "A Coreia do Norte tem a munição crua de que Putin precisa para sua guerra ilegal na Ucrânia, enquanto Moscou dispõe de tecnologias submarinas, balísticas e de satélites, capazes de ajudar Pyongyang a dar o salto por cima das dificuldades impostas pelas sanções econômicas", confirma Easley.

Para o professor da Universidade Ewha Womans, apesar de responsabilizados por crimes contra a humanidade e considerados párias internacionais, Putin e Kim desejam apresentar vitórias para seus respectivos públicos nacionais e "aparentar ser homens de Estado normais".

Ele considera improvável que Pyongyang e Moscou vão divulgar a extensão total da cooperação, já que ela envolve infrações de leis internacionais, porém deverão "ecoar reciprocamente suas propagandas sobre soberania, segurança e solidariedade humanitária".

O Kremlin poderá, ainda, propor exercícios militares conjuntos com a Coreia do Norte e a China, no intuito de elevar a pressão sobre a Coreia do Sul e o Japão – sinalizando assim que tem um preço associar-se aos EUA no tocante à Ucrânia e às disputas territoriais no Oceano Pacífico.

Contudo Easley não crê que o Norte vá concordar em participar de tais manobras, "porque não quer revelar suas debilidades em treinamento e equipamento, nem mesmo para Moscou e Pequim". "A confiança também é tão baixa entre a Rússia, Coreia do Norte e China, que uma aliança real entre as três não é verossímil nem sustentável", conclui.

Autor: Julian Ryall

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