O Brasil foi às urnas no domingo (06/10). Algumas campanhas eleitorais pareciam aquilo que, em inglês, se chama de shitshow. E justamente em São Paulo, a maior cidade da América do Sul, o centro financeiro e econômico do continente, o centro cultural mais criativo do Brasil, pôde-se observar um declínio assustador da cultura política.
Enquanto o Brasil pegava fogo – um novo recorde de incêndios devastava o país – os principais candidatos à prefeitura daquela que supostamente é a cidade mais moderna do país discutiam sobre atestados médicos falsos, atacavam-se com cadeiradas e se xingavam de orangotangos. Esse debate tóxico se deveu sobretudo ao assim chamado coach Pablo Marçal ("coach" de que, afinal?).
O candidato a um dos cargos políticos mais importantes do país parecia um galo de peito inflado – e conseguiu dominar a narrativa. Marçal, que ficou em terceiro lugar na disputa, representa uma nova classe de empreendedores autônomos que enriqueceram com a internet. Eles promovem banalidades e besteiras com total convicção, e provavelmente é isso que se pode aprender com eles: embale bem as besteiras que você for dizer, e as pessoas vão seguir.
No Brasil são milhões de seguidores – que idolatram Marçal porque eles mesmos gostariam de se tornar tão ricos quanto ele, sem esforço e sem conhecimento. Não foi a visão de uma São Paulo mais habitável, mais limpa e mais segura que proporcionou a Marçal cerca de 28% dos votos, mas a ideia de enriquecimento pessoal sem esforço: uma promessa antissocial!
Falando aos frustrados de baixa instrução
Que esse "coach" tenha sido bem-sucedido com injúrias, mentiras criminosas e fazendo papel de vítima é parte de um fenômeno mundial. Ele alegou estar sendo perseguido por um "sistema" ultrapoderoso (políticos, imprensa, Estado, elites) e prometeu a todos que também se sentiam de alguma forma vitimados (e isso vale sobretudo para homens frustrados de baixa instrução) que lutaria contra esse sistema.
Nessa antipolítica, não se trata mais de criar algo para a coletividade, mas de destruir a coletividade, para assim dar a todos os frustrados com a vida as oportunidades que supostamente lhes foram negadas.
Marçal tem um equivalente no candidato a vice-presidente de Donald Trump, J. D. Vance: um oportunista sem princípios capaz de dizer e fazer o que for para tirar vantagens pessoais. Ele mesmo anunciou que ia espalhar mentiras se isso ajudasse a ser eleito. Afinal, o sistema e as elites estão conspirando contra ele e Trump porque eles estariam lutando a favor dos "pequenos", diz Vance.
Na Alemanha, a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) obteve sucesso eleitoral com mentiras, racismo e retórica antielitista. Ela já mostrou o que pretende fazer se ganhar poder: no novo Legislativo do estado da Turíngia, começou espalhando o caos e provocando tumultos com o único objetivo de prejudicar a credibilidade do parlamento.
Laboratório da "direita revolucionária"
Não é coincidência que os nazistas tenham usado esse mesmo método para ridicularizar e, por fim, abolir a democracia. Também então homens jovens, radicalizados, inescrupulosos e ambiciosos chegaram ao poder, e começaram a levar tudo e todos à destruição.
É o próximo estágio do processo de radicalização dessa nova direita vulgar, que não tem mais nada que ver com valores conservadores, mas que luta por uma revolução que vai beneficiar os inescrupulosos, mentirosos e especialistas na autopromoção.
As ferramentas dela são o Instagram e sobretudo o TikTok, esse cavalo de Troia dos chineses. Os revolucionários da direita usam o Tiktok com virtuosismo, são rápidos, eficazes, agressivos, e têm como alvo os corações e mentes de quem nunca aprendeu a ver o mundo de forma crítica.
Sejamos claros: a base eleitoral da "direita revolucionária", do Brasil aos Estados Unidos, passando pela Alemanha, são os estúpidos e os perdedores: sem instrução, irados, frustrados, sem vontade e sem oportunidades – e ávidos por uma oportunidade de extravasar sua frustração com a vida.
O Brasil é um dos países que essa nova direita vê como uma espécie de laboratório. A ascensão de uma figura disruptiva como Marçal prenuncia coisas ruins. O que foi mesmo que Steve Bannon, mentor intelectual do movimento radical MAGA, anunciou numa entrevista ao The New York Times? "Somos o quartel-general militar de uma revolta populista." Era uma ameaça para se levar a sério!
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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Autor: Philipp Lichterbeck