A retórica de guerra da Coreia do Norte representa uma ameaça real?

Especialistas dizem que regime em Pyongyang está ciente de sua inferioridade militar em relação à aliança entre Coreia do Sul, Japão e EUA e, por isso, não quer de fato uma guerra – ao menos não agora.

Por Deutsche Welle

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A tradicional retórica beligerante do regime da Coreia do Norte atingiu um novo patamar nos últimos dias, com o ditador Kim Jong-un conclamando publicamente os militares a se prepararem para uma guerra e a desenvolverem a capacidade nuclear do país "sem limitações".

A agência de notícias estatal KCNA divulgou na segunda-feira que Kim disse a líderes militares do Exército Popular da Coreia que os inimigos da nação estão intensificando suas confrontações com a Coreia do Norte. "Fortaleceremos nosso poder de autodefesa, centrado nas forças nucleares, sem limitações e incessantemente", disse Kim, segundo a KCNA, em seu discurso.

Ele também criticou a recente cooperação de segurança entre a Coreia do Sul, os Estados Unidos e o Japão, descrevendo a aliança trilateral como uma ameaça à paz e à estabilidade na região.

Kim acusou os EUA e o Ocidente de usarem o conflito na Ucrânia como uma guerra por procuração para combater a Rússia e expandir seu domínio militar global.

Um editorial da KCNA publicado na terça-feira disse que Pyongyang se reservava o direito de dar "respostas retaliatórias". E acrescentou: "Os destinos miseráveis daqueles que deram o primeiro passo em direção à cooperação trilateral demonstram que a 'era da cooperação trilateral' é uma era sombria e sem futuro".

Sem cruzar nenhuma linha vermelha

Embora analistas digam que os países da região precisam estar atentos e devem monitorar de perto os movimentos das Forças Armadas do Norte, a impressão é de que o regime em Pyongyang está ciente de que permanece militarmente inferior à aliança entre Coreia do Sul e EUA e que não pretende cruzar nenhuma linha vermelha ou provocar um conflito em grande escala.

Porém, os especialistas advertem que sempre há a possibilidade de que uma escaramuça de fronteira, que poderia se originar de algum mal-entendido, rapidamente se transforme em algo mais sério, principalmente quando os dois lados não estão se comunicando.

O professor de relações internacionais Dan Pinkston, da Universidade de Troy, em Seul, acrescenta que o envio de munições e pessoal para a Rússia torna um conflito entre as Coreias ainda mais improvável no momento. "Não estou muito preocupado com a possibilidade de as coisas transbordarem no momento. Não acho que Kim queira uma briga aqui agora, então isso significa que a retórica raivosa que estamos vendo no momento está sendo usada para intimidar o Sul e seus aliados no mundo democrático", observa.

Ao mesmo tempo, o forte apoio do regime norte-coreano a tudo o que a Rússia faz no cenário internacional tem como objetivo reforçar a imagem de que existe uma poderosa aliança política e militar que os inimigos do regime em Pyongyang não deveriam tentar testar, acrescenta Pinkston.

"E, embora não saibamos o que se passa em Pyongyang, é típico desse tipo de regime que, quando eles se sentem ameaçados ou estão passando por alguma instabilidade interna, muitas vezes os vemos se envolverem em retóricas de guerra como essas para elevar a tensão e o medo internamente e fazer com que sua população se una em torno da bandeira", disse ele.

Para sul-coreanos, nada de novo

De fato, a população sul-coreana parece não dar muita importância às declarações de Kim. "Não me preocupo muito porque já vimos tudo isso antes", diz a ativista Eunkoo Lee, fundadora de uma ONG em Seul que ajuda desertores norte-coreanos a se estabelecerem na Coreia do Sul. "Estamos acostumados a essas tensões."

Lee mora na cidade de Ilsan, que fica a noroeste de Seul e a cerca de 20 quilômetros da fronteira com a Coreia do Norte. Placas de trânsito na região ainda indicam as distâncias até Pyongyang, embora a fronteira esteja firmemente fechada há muito tempo.

"Frequentemente recebemos notificações do governo sobre como precisamos ter cuidado caso algo aconteça e como precisamos estar prontos para sair daqui, mas as relações com o Norte sempre foram difíceis, então ninguém realmente pensa muito nisso", diz Lee.

Provocações com balões

A Coreia do Norte enviou milhares de balões carregando sacos de lixo – incluindo bitucas de cigarro, garrafas plásticas e roupas velhas – através da fronteira.

Lee os descreve como um incômodo pequeno que causou danos limitados e diz que, para fins de propaganda, são inúteis. Seus amigos desertores concordam, dizendo que os balões têm pouco efeito.

Eles acrescentam que, de suas redes de informações subterrâneas norte-coreanas, ouviram que os balões enviados por grupos de direitos humanos ao Norte com remédios, pequenas quantidades de alimentos, dinheiro e cartões de memória com notícias e programas de TV do Sul estavam causando impacto na sociedade norte-coreana.

O fato de o regime de Pyongyang estar tão desesperado para acabar com esses balões e punir tão severamente qualquer pessoa pega em posse de mídia estrangeira indica que ele está preocupado, dizem.

Os desertores concordam que muitas das ameaças do Norte são apenas retórica. E embora Pinkston esteja relativamente confiante de que as forças armadas de Kim não estejam dispostas a desafiar o Sul no momento, isso pode mudar em alguns anos.

"As coisas podem ser muito diferentes em apenas três ou quatro anos", diz. "Existe a preocupação de que a Rússia esteja fornecendo ao Norte muita tecnologia militar avançada e que as forças norte-coreanas em Kursk estejam aprendendo importantes habilidades no campo de batalha."

Além disso, a troca de governo em Washington pode enfraquecer o apoio dos EUA à Coreia do Sul, deixando-a mais vulnerável ao Norte militarmente fortalecido.

Autor: Julian Ryall

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