Interromper uma gravidez é assassinato? Ou seria acesso ao aborto seguro um direito fundamental do qual todo ser humano deve poder usufruir? Poucas questões nos Estados Unidos trazem uma carga emocional tão grande quanto o aborto. Junto com a economia e o aumento do custo de vida, migração e assistência médica, o direito ao aborto é um tema que atrai muitos eleitores americanos às urnas.
A próxima eleição presidencial nos EUA, em 5 de novembro, será a primeira após a Suprema Corte dos EUA anular a decisão histórica Roe versus Wade, há pouco mais de dois anos. Até então, a determinação de 1972 garantia a todas as mulheres nos EUA o direito de decidir se preferem manter ou interromper a gravidez. Mas, em junho de 2022, uma maioria conservadora dos nove membros da Suprema Corte votou para revogar esta lei.
Desde então, cada estado americano passou a elaborar suas próprias leis, algumas das quais se mostraram bastante restritivas. Em alguns estados governados por republicanos, como o Kentucky ou a Louisiana, os abortos são completamente ilegais, até mesmo em casos de estupro. Em outros estados, os abortos são permitidos somente até o início da gravidez, quando muitas mulheres ainda não percebem que estão grávidas.
O ex-presidente Donald Trump, candidato do Partido Republicano às eleições de 2024, nomeou três juízes conservadores para a Suprema Corte durante seu primeiro mandato, entre 2017 e 2021 – todos os quais votaram para anular o direito nacional ao aborto.
Trump costuma dizer que se orgulha da decisão. Ele, inclusive, o fez durante um debate contra sua rival democrata, a vice-presidente Kamala Harris, no início de setembro. "Fiz um grande serviço", disse o republicano, acrescentando que "foi preciso coragem para fazê-lo, e a Suprema Corte teve muita coragem".
Harris fez dos direitos ao aborto uma parte fundamental de sua campanha. Em seus discursos, ela vincula Trump às restrições ao aborto promulgadas em mais de 20 dos 50 estados americanos. Ela assegura que, como presidente, trabalhará para garantir o acesso ao aborto às mulheres nos EUA, independentemente do estado em que vivam.
"Eu lutarei para restaurar o que Donald Trump e seus juízes da Suprema Corte, escolhidos a dedo, tiraram das mulheres da América", disse Harris durante um discurso de campanha em Washington, nesta terça-feira (29/11). No debate em setembro, ela disse que Trump, se eleito, promulgaria uma proibição nacional ao aborto, o que ele negou.
"Harris é claramente 'pró-escolha' e coloca intencionalmente o aborto como uma questão de liberdade", disse Laura Merrifield Wilson, professora de ciência política da Universidade de Indianápolis. As pessoas que defendem os direitos ao aborto nos EUA se referem a si mesmas como "pró-escolha", ou seja, desejam ter o direito de escolher se querem ou não interromper uma gravidez. "A questão é importante para os eleitores democratas, mas especialmente para as eleitoras e os eleitores mais jovens."
Vitória de Trump traria novas dificuldades
Uma pesquisa realizada entre o final de agosto e o início de setembro pelo Centro de Pesquisas Pew revelou que os democratas classificam o aborto como a terceira questão mais importante a influenciar seus votos, atrás apenas do sistema de saúde e das futuras nomeações para a Suprema Corte – questões que também estão associadas ao direito ao aborto.
Esse é um tema também muito importante para a ginecologista Catherine Romanos. Em Ohio, onde ela trabalha em uma clínica na cidade de Dayton, os abortos são legais até que o feto consiga sobreviver fora do útero, ou seja, por volta da 23ª ou 24ª semana de gravidez.
A médica também atende mulheres que não podem fazer abortos em seus estados de origem.
"Vemos pacientes da Geórgia, Alabama, Arkansas, Texas", afirmou Romanos à DW. "Um aborto é uma decisão solitária. Algumas mulheres vêm sozinhas por opção porque têm medo de contar às pessoas em suas vidas o que estão fazendo. Cruzar as fronteiras estaduais para obter assistência médica é incrivelmente estigmatizante, porque [para as pacientes] parece que estão fazendo algo errado."
Romanos se preocupa que, se Trump vencer a eleição presidencial, os republicanos possam introduzir mais restrições que tornariam ainda mais difícil para as mulheres fazerem abortos. "Acho que não é uma boa notícia para ninguém com útero ou que desfrute de autonomia corporal", disse a médica sobre uma potencial segunda presidência de Trump.
Republicanos mais preocupados com economia e imigração
A pesquisa do Centro Pew também revelou que a economia, a imigração e a luta contra crimes violentos foram as três questões mais importantes para os eleitores republicanos. O aborto é a terceira questão menos relevante.
"O aborto é um fator influente na mobilização dos eleitores, especialmente para os democratas", disse Kelly Dittmar, diretora de pesquisa do Centro para Mulheres Americanas e Política da Universidade Rutgers, em Nova Jersey. "Em 2016, houve muita mobilização em torno dessa questão para os republicanos. Eles disseram: 'Não se importem com o resto, ele [Trump] vai colocar juízes na Suprema Corte' E foi exatamente isso que ele fez."
Não é surpreendente que Harris e os democratas estejam sempre falando sobre direitos ao aborto em eventos de campanha, disse Brandon Conradis, um ex-jornalista da DW que agora é editor do jornal The Hill, de Washington.
"Os democratas acham que essa é uma questão com a qual podem marcar pontos", disse Conradis à DW. "Jovens, negros, mulheres e eleitores suburbanos, a demografia central democrata, todos eles aprovam trazer de volta o acesso facilitado ao aborto em todo o país."
Os democratas tiveram algum sucesso eleitoral anterior em campanhas sobre direitos ao aborto. Embora o partido no controle da Casa Branca normalmente perca assentos no Congresso durante as eleições de meio de mandato, os democratas se saíram bem na votação de de novembro de 2022, poucos meses após a Suprema Corte anular Roe versus Wade. Observadores políticos disseram na época que a decisão do tribunal serviu como um alerta que levou os eleitores progressistas às urnas.
Embora os republicanos tenham conquistado a maioria na Câmara dos Representantes, a esperada vitória esmagadora da "onda vermelha" republicana não se materializou. Ao contrário das tendências históricas, os democratas conseguiram manter sua maioria no Senado e até ganhar uma cadeira extra. Se a forte defesa do direito ao aborto também valerá a pena para os democratas nesta eleição, isso só ficará claro após o dia 5 de novembro.
Autor: Carla Bleiker