"Angústia, ansiedade, insuficiência, desespero e tristeza": é assim que Maria Veloso, jovem da rede pública mineira, descreveu seus sentimentos em relação ao Enem deste ano.
Falei com 83 jovens da rede pública oriundos de 21 estados que fizeram o exame nos dois primeiros domingos de novembro. O objetivo desta coluna é, em algum nível, ser uma porta-voz das perspectivas e sentimentos deles em relação ao exame em questão, que é também o maior vestibular do Brasil.
Brendha, jovem maranhense, compartilha dos sentimentos da colega mineira. A jovem do Maranhão diz: "Me senti muito mal. Não fui bem como esperava, e isso tem me massacrado, pois penso que a minha vida depende disso, o meu futuro e o que vou viver ano que vem também. Vivi o ano para esse dia, e não ter conseguido ir bem me faz sentir pequena e que pra mim nunca vai dar certo, o que eu sei que é mentira, porque vai, sim".
Elas não estão só. A maioria citou as mesmas sensações. Do total de estudantes com quem conversei, 78% relataram terem sentido ansiedade antes, durante ou após o exame. Sei que não é algo totalmente incomum sentir ansiedade em relação à uma prova. No entanto, no contexto Enem versus jovens da rede pública, esse sentimento se origina de questões que precisam de atenção e exposição.
Para começar, vale expor um outro dado: 66% dos jovens com quem conversei acreditam que o desempenho no exame não correspondeu às próprias expectativas.
Flávia, outra jovem maranhense, tem algo a dizer acerca da percepção em relação ao nível de dificuldade: "Acho que a dificuldade depende muito de se você é de escola pública ou privada, porque eu, como aluna da pública, nunca vi a maioria dos assuntos, mas tenho muitos amigos de particulares que se saíram muito melhor do que eu".
Outros tiveram a mesma percepção. No geral, sentem que não estão tão preparados para o exame quanto seus colegas que estudam ou estudaram num colégio particular. É como se a maioria dos assuntos nunca tivesse sido visto por eles ou trabalhados na sala de aula.
Essa questão, da discrepância entre as duas redes, é um pouco complicada e costuma ser refutada por duas linhas.
A primeira é aquele bem simplista e superficial que se pauta na meritocracia e que diz que basta querer e se esforçar. Ela, muitas vezes, chama os jovens que ousam expor suas percepções e frustrações de "vitimistas".
Já a segunda se pauta em garantir por A + B que o Enem é totalmente pautado na BNCC e que, portanto, os jovens da rede pública são muito bem treinados e capacitados para o exame. Dessa forma, simplesmente não há discrepância entre as redes.
As duas desconsideram muitas questões. A primeira, que as pessoas simplesmente não partem do mesmo ponto de partida, e, sim, isso muda tudo. Já a segunda parece ser defendida por pessoas que não conhecem a realidade das escolas. Por "n" razões (não cabe citar todas aqui nesta coluna), os conteúdos estarem na grade está bem longe de ser sinônimo de que foram trabalhados ao longo do ano.
Eu acredito que precisamos ouvir os estudantes. Não podemos subestimá-los e nem as suas opiniões. Dos com quem conversei, 90% sentem que o Enem simplesmente não foi pensado para eles. É um dado alarmante e que merece atenção. Por que sentem isso?
"No que tange aos conteúdos e ao estilo de prova prestado, nenhum desses dois fatores se aproxima da realidade apresentada na rede pública de ensino. Generalizando, a incidência de treinamento para provas de longa duração, como o Enem, não ocorre. Tampouco o ensino acerca dos conteúdos de forma mais aprofundada", diz Sael, estudante de São Paulo.
Ele continua: "Queria dizer que o Enem e todos os vestibulares em geral são segregação. Vestibular é um castelo medieval, tem muros enormes e só os nobres passam com facilidade para o outro lado. Provas como essa não deveriam existir, muito menos sob a tutela de um Estado que não tem como prioridade a equidade da educação no país".
Entendo sua indignação. Tenho uma tia que tem uma boa condição financeira. Há cerca de um mês eu estive na casa dela e vi o filho estudando. Ele está no 7° ou 8° ano do ensino fundamental e estuda num dos melhores colégios privados na cidade. Fiquei chocado com o material didático a que ele tem acesso: repleto de questões de vestibulares de todo o Brasil. São questões do Enem, Fuvest, Unesp, Uerj etc. Ele ainda está no fundamental e terá mais, pelo menos, 4 ou 5 anos de vida escolar na educação básica.
Ela passará todos esses anos treinando, de diversas formas e em diversos ambientes, questões de vestibulares e se familiarizando com esses exames.
No extremo oposto, sejamos honestos: quais alunos da rede pública têm essa mesma oportunidade? Quais colégios públicos trabalham esse tipo de conteúdo desde o ensino fundamental? A realidade da maioria das escolas é a seguinte: o estudante ouve falar muito sobre o Enem apenas no último ano do ensino médio. Sofre até uma certa pressão, interna e externa, para ir bem, mas encontra-se totalmente perdido, sem informações, sem treinamento e sem familiaridade. Isso é cruel.
Pautando-se na lógica de ampliar as vozes dos alunos, quero terminar esta coluna, assim como comecei, com a fala de um deles, o Yan, outro jovem maranhense.
"O Enem não é um exame que avalia o ensino médio nas escolas públicas. Se fosse, não precisaríamos assinar cursos ou plataformas digitais para tentar tornarmos apto a realizar essa prova."
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Autor: Vinícius De Andrade