Na semana passada, um assunto tomou conta do noticiário de entretenimento brasileiro. Tratava-se da "cabeça de ozempic". Se você não é adicto das fofocas do entretenimento, não deve ter a mínima ideia de sobre o que estou falando.
Explico: ozempic é uma injeção tipo "caneta", que foi produzida para o tratamento da diabetes tipo 2 e que provoca, como efeito secundário, a perda de peso de maneira rápida. Por isso, virou febre no mundo todo. A tal "cabeça" se refere ao fato de celebridades que emagrecem usando o remédio ficarem tão magras que parecem ter uma cabeça desproporcional ao tamanho do corpo. Bizarro.
Estamos em 2024. E a moda da magreza extrema parece ter voltado com tudo. Famosas desfilam um corpo parecido com o da Barbie dos anos 90, época em que até a boneca era mais magra.
No caso da mídia e do mundo da moda, as modelos esqueléticas eram valorizadas, enquanto mulheres magras, mas com corpo mais real, eram chamadas de "obesas" (sic).
Desde as temporadas de moda do ano passado, jornalistas e mulheres ativistas do "corpo positivo" (aquelas que pregam que as mulheres devem ser felizes com os corpos que têm, incluindo os gordos) apontam para a volta da tendência da magreza extrema, que era um padrão de beleza pregado no fim dos anos 90 e início dos anos 2000.
E o extremo aqui é literal. No fim dos 90, para vocês terem uma ideia, a moda era o "heroin chic". Sim, era isso mesmo. A moda se referia a parecer uma "usuária de heroína chique".
Nessa época, as calças eram de cintura baixa (outra moda que voltou) e quem exibisse uma barriguinha qualquer era chamada de gordinha. Exemplo: a então jovem cantora Britney Spears era considerada gorda nas revistas de celebridades. E, sim, ela sempre foi magra.
No passado, era comum também que mulheres tomassem anfetamina (uma droga pesada, que vicia e causa danos psicológicos terríveis, como a psicose anfetamínica) para emagrecer.
Agora, a "moda" de tomar remédios para emagrecer também voltou com tudo (ou será que nunca foi embora?). Além do ozempic, outra droga que atua da mesma forma também faz sucesso, o monjauro. Esses medicamentos reduzem o nível de açúcar no sangue e dão sensação de saciedade, o que pode, de fato, salvar pacientes com diabetes tipo 2. Mas o uso está mais que banalizado.
Um novo medicamento, também similar ao ozempic, mas indicado especificamente para obesidade, deve chegar ao Brasil esse ano: o wegovy.
Na Alemanha, o remédio está à venda desde de julho de 2023, mas só pode ser prescrito por médicos e para pessoas com índice de massa corporal (IMC) de 30, ou para aquelas com IMC acima de 27 que apresentem diabetes ou pressão alta. Ou seja, o medicamento é indicado para aqueles que têm a saúde afetada pela obesidade. E não para fins estéticos.
Bem, pelo menos era para ser assim. Mas sabemos que não é o que acontece, principalmente em países como o Brasil, onde esse tipo de droga é, pasmem, vendida sem necessidade de receita médica (caso do ozempic).
De Kelly Osbourne a Elon Musk
Entre as celebridades que assumem que usam o ozempic estão pessoas como Oprah Winfrey, Kelly Osbourne e o bilionário Elon Musk. No Brasil, muitos famosos que apresentam emagrecimento rápido são "acusadas" de terem conseguido isso por causa dos medicamentos da moda.
A febre é tão grande que comprar ozempic pode ser uma batalha. Em vários lugares do mundo, existem filas de espera para adquirir o medicamento, que atualmente custa cerca de R$ 1mil no Brasil.
Seria o fim do "corpo positivo"?
Olhando esse cenário, parece que toda a luta das mulheres pelo corpo saudável e aceitação de corpos mais gordos foi em vão.
Será que as grifes que colocam modelos plus size nas passarelas fizeram isso só para "não pegar mal" e não serem criticadas? Infelizmente, acredito que sim.
O corpo considerado bonito sempre foi o magro. Na verdade, olhando para a indústria da moda e do consumo, pouca coisa mudou. Quando o corpo magro deixou de ser moda? Nunca.
E, repito, é absurdo que medidas corporais e formas femininas ainda sejam tratadas como "moda". Vestir tamanho 38 ou 44 não é o mesmo que, por exemplo, escolher a cor de uma camiseta ou um novo modelo de jeans.
Apesar desse cenário negativo, acho difícil que as meninas que assumiram a beleza de seus corpos gordos voltem atrás. Não, elas não vão deixar de usar biquíni.
Seria bom se as gerações mais novas se inspirassem nessas moças corajosas. Mas não parece tão provável. No TikTok, a rede social preferida pela Geração Z, há milhares de vídeos de meninas que mostram o "antes e depois” do ozempic. Só essa ideia do "antes e depois" já parece antiga, e remete a uma época em que era normal que revistas publicassem dietas milagrosas e perigosas. Voltamos no tempo?
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*A versão anterior deste texto dizia que, segundo a pesquisa do FT, as mulheres com menos de 30 anos são 25% mais progressistas do que os homens da mesma faixa etária. A diferença de 25 pontos percentuais vale para o Reino Unido, enquanto há uma diferença de 30 pontos percentuais para Alemanha e EUA. O texto também falava em 41% (mulheres) e 24% (homens) de pessoas autoidentificadas como progressistas e liberais. As informações foram corrigidas.
Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
Autor: Nina Lemos