Prestes a completar 56 anos, Romário concedeu uma concedeu uma entrevista exclusiva para o The Players Tribune e passou a limpo toda a sua carreira no futebol e avisou que faria, de novo, tudo o que fez.
Autor de mil e dois gols, Romário se abriu e explicou a fama de marrento que tinha enquanto jogador.
“Eu não era marrento. Eu era confiante. Por exemplo, quando eu nasci, papai do céu olhou pra mim e disse: ‘Ele é o cara’”, disse o ex-atacante, bem ao seu estilo.
“As pessoas entendem isso como uma forma de ser marrento, arrogante, sincero, tanto faz. Mas essa é a realidade”, continuou o Baixinho.
“As pessoas falavam: ‘Pô, o Romário gosta de noite, o Romário não gosta de treinar, o Romário é mulherengo’. Mas aí, no jogo, metia três, quatro gols e a coisa mudava: “Ah, o cara é f... Ele é marrento, mas corresponde em campo”. Isso é ser marrento? Não! É confiar no seu taco, no que você é capaz de fazer”, completou.
Romário também revelou que desde cedo já tinha em mente a busca pelo milésimo gol, que veio aos 41 anos.
“Lá pelos 20 anos, eu disse que marcaria mil gols. Tem uma capa da revista Placar em que eu falei: ‘Vou fazer mil gols’. Ninguém pode dizer que é sorte ou que foi por acaso, né? Já estava dito lá atrás”, disse Romário, que fez o milésimo gol no dia 20 de maio de 2007, pelo Vasco, em jogo contra o Sport, pelo Brasileirão, em São Januário.
Primeiro marcador: asma
Romário conta que, antes da fama e de se tornar um dos maiores jogadores de todos os tempos, tinha asma e problemas para dormir, mas que jogava bola com o seu pai, ao lado da linha de trem em Jacarezinho, e isso o ajudava.
“Eu tinha asma quando era criança e dormia mal. Como às vezes eu não conseguia dormir à noite, meu pai, pra ver se ajudava em alguma coisa, me pegava numa mão e, na outra, levava uma bola pra gente jogar na linha do trem. Naquela época, a bola já era tudo na minha vida. A gente jogava uns 10, 15 minutos e voltava pra casa 23h, meia-noite… E aí eu dormia que nem uma pedra”, disse Romário.
Mais velho, Romário passou a ajudar o pai a construir casa na Vila da Penha, subúrbio da Zona Norte do Rio, para completar a renda da família. Para o Baixinho, isso não era nenhum problema.
“Construir casas nunca foi um sacrifício pra mim”, disse Romário.
“A gente batia laje, carregava tijolo, bloco de concreto, cimento, essas coisas. Dois moleques (ele e o irmão) pegando pesado no serviço, mas a gente fazia amarradão porque sabia que aquilo ali era para o nosso próprio bem, para ajudar a gente a jogar futebol. Pode crer, a gente trabalhava com prazer. Enquanto nosso pai estava construindo uma casa, a gente construía o nosso sonho”, concluiu.
Dá no Romário que ele resolve
Acostumado a jogar em estádios lotados e a vestir camisas de grandes clubes durante toda a carreira, Romário não sentia a pressão.
“Eu adorava a pressão. Quando os jogadores recebiam a bola na cara do goleiro, o gol diminuía. Quando ela caía no meu pé, o gol crescia”, afirmou Romário.
Atualmente senador pelo PL-RJ, o Baixinho disse que sempre foi o homem de referência em campo – ou o cara pronto para decidir um jogo. E se comparou a uma estrela da NBA.
“Sempre me considerei o melhor. Quando digo isso, quero dizer o melhor finalizador. Se é impossível de eu finalizar, eu passo a bola para outra pessoa. Se é quase impossível, eu tento finalizar. Essa é a lógica: se eu não conseguir, outro companheiro com certeza não vai. E eles sabiam disso, tanto é que davam a bola para mim. Porque era o melhor para o time. É que nem no basquete, quando você precisa fazer uma cesta de três pontos nos últimos segundos. Você dá a bola pra quem? Pro Michael Jordan”, explicou.
Só no “sapatinho”
Romário não era um jogador que se destacava por estar em todas as partes do campo e, principalmente na parte final da carreira, ficou marcado por estar sempre dentro da área, onde era letal.
“Nunca fui o cara que participava dos 90 minutos do jogo. Os zagueiros até davam uma relaxada: ‘Deixa ele lá, que ele tá quieto…’ Mas o quieto era uma estratégia. E é aí que eu aparecia, sem fazer muito alarde. Quanto mais me davam como morto, mais letal eu era”, afirmou o Baixinho, que foi revelado no Vasco e jogou ainda por Flamengo, Fluminense, PSV, Barcelona e outros, além da Seleção.
Pelo Brasil, Romário foi o maior nome do tetra na Copa dos EUA, em 1994. Mundial, inclusive, que por pouco o Baixinho não jogou. Fora das convocações de Carlos Alberto Parreira, o então atacante do Barcelona tinha fama de desagregador. Mas a dificuldade em conseguir uma vaga na Copa fez com que Romário fosse chamado para o duelo decisivo contra o Uruguai, no Maracanã, na última rodada das Eliminatórias.
Em campo, o Baixinho fez os dois gols da vitória por 2 a 0, em uma das maiores atuações individuais de um jogador na história da Seleção. Nos EUA, liderou a campanha pelo tetra com cinco gols.
“Eu jamais teria sido convocado para a Copa do Mundo de 1994. Essa é a verdade. O Brasil deveria ter se classificado com facilidade, e, como eu tinha me desentendido com a comissão técnica, eles nunca teriam me aceitado. Mas, naquele jogo decisivo contra o Uruguai, tínhamos que vencer ou empatar para classificar. Os treinadores sabiam que, se perdessem, praticamente teriam que fugir do país. Então, o que eles fizeram? Tiveram que me chamar de volta”, relembrou.
“Aqueles filhos da p...”
Romário garante: não sentiu o peso da responsabilidade. Pelo contrário.
“E eu não senti a pressão. Eu estava lá para me divertir, para mostrar para aqueles filhos da p*** da comissão técnica que eles deveriam ter me convocado bem antes. ‘Pô, quando acabar, eu vou esculachar esses m*****’. Era mais ou menos isso. Pode perguntar a qualquer pessoa que esteve no Maracanã e ela dirá que talvez tenha sido o jogo mais f... que um jogador de futebol já fez, principalmente com a camisa da Seleção. Em uma escala de 1 a 10, eu levei 11”, narrou.
Depois a atuação de gala contra o Uruguai, a responsabilidade aumentou. E passou a ser ele, Romário, a referência da Seleção – para o bem ou para o mal.
“Sempre disse que ganharíamos a Copa do Mundo e que, se a gente não vencesse, a culpa seria minha. Eu sabia que o nosso time era bom, confiava no grupo e estava convencido de que jogaria o torneio da minha vida”, concluiu.