Caso consiga se recuperar da derrota por 1 a 0 sofrida no Allianz Parque e superar o Corinthians na Neo Química Arena, nesta quinta-feira, o Palmeiras se tornará o primeiro tetracampeão paulista consecutivo da era profissional do futebol. Na história do campeonato, contudo, seria o segundo a alcançar tal feito, já conquistado pelo Club Athletico Paulistano entre 1916 e 1919.
Sediado no Jardim América, na zona oeste de São Paulo, o clube funciona até hoje, mas sem futebol profissional, pois decidiu não embarcar na profissionalização da modalidade, iniciada na década de 1930. Enquanto os principais campeonatos ainda eram amadores, contudo, brilhou até mais que os finalistas do Paulistão de 2025.
O título de 1919, que consagrou o tetra, foi conquistado com uma vitória por 4 a 1 sobre o Corinthians, na última rodada de disputa por pontos corridos. Naquele ano, o vice-campeão foi o Palmeiras, na época ainda chamado de Palestra Itália. No ano anterior, o vice ficou com os corintianos, mas os verdadeiros rivais do Paulistano eram mesmo os palestrinos, que venceram o título de 1920 justamente em cima da clube do Jardim América.
"Existia uma rivalidade, trazendo para a denotação de hoje, com o Palestra Itália", explica Ana Paula Fernandes, historiadora do Centro Pró-Memória do Paulistano. "E, assim, a gente imagina que naquela época as coisas eram tranquilas, mas não. Existiam intrigas políticas entre os clubes. Sei que houve uma invasão de torcida no Jardim América, se não me engano pelos palestrinos mesmo, teve intervenção da polícia."
"Com o Palestra existia isso, e é interessante que, justo em 1920, a gente acaba perdendo o título para eles. Era com eles a rivalidade. Assim como havia também uma rivalidade entre o Paulistano e o Fluminense. Apesar de serem muito próximos politicamente, um pouco mais adiante, também existia essa rivalidade em campo com o Fluminense, que começou com a Taça Ioduran (campeonato que reuniu os campeões carioca, paulista e gaúcho, vencido pelo Paulistano, com vitória por 4 a 1 sobre o Fluminense)", completa.
Foi durante o período da conquista do tetra que o Paulistano começou a se estabilizar com um dos principais nomes do futebol nacional, cerca de 15 anos depois de ser um dos fundadores da Liga Paulista de Futebol. O clube quase foi extinto ao perder sua sede original, o Velódromo Paulista, localizado onde hoje é a Praça Roosevelt, por desapropriação, mas foi salvo pelos associados que se juntaram para comprar o terreno no Jardim América.
Além de ser acompanhado pelos sócios, o clube tinha torcida de não associados, inclusive destinava lugares nas arquibancadas para eles, a partir do momento que passou a ter um campo próprio em 1918, cerca de um ano depois de inaugurar a nova sede, em 1917.
O elenco era recheado de nomes relevantes do futebol da época, o principal deles Arthur Friedenreich, considerado a primeira grande estrela do futebol brasileiro e que mais tarde passou por times como São Paulo, Flamengo e Santos, além de ter defendido a seleção. Outros nomes importantes do clube foram Rubens Salles, capitão da primeira formação do Brasil e também primeiro treinador da seleção, Mario Andrada, Sérgio Pereira e Orlando Pereira, além de Durval Junqueira, nome menos conhecido, mas que passou pelo Flamengo.
O tetracampeonato foi muito celebrado e valorizado na época, mas o maior feito do Paulistano, dono de 11 títulos paulista, foi se tornar o primeiro time brasileiro a fazer uma excursão internacional, realizada em 1925, há 100 anos.
"A excursão de 1925 foi extremamente importante para o desenvolvimento do futebol brasileiro e para formar a paixão do brasileiro pela modalidade", explica Ana Paula Fernandes. "Existia uma intenção de mostrar o País por meio do futebol e ao mesmo tempo mostrar o desenvolvimento esportivo que já existia no país. Porque já haviam existido, sim, jogos entre brasileiros e estrangeiros europeus, mas sempre aqui mesmo, no continente sul-americano."
Durante a turnê internacional, o clube paulista somou nove vitórias em 10 jogos disputados em Portugal, França e Suíça, incluindo uma goleada por 7 a 2 sobre o selecionado francês, em Paris, vitória que rendeu aos jogadores brasileiros o título de "Reis do Futebol", como foram tratados pela imprensa francesa.
"A gente começa com um 7 a 2 em cima da seleção selecionada, né, francês e termina com um 6 a 0 com o selecionado português. E é fantástico porque esses jogos eram, abre aspas, transmitidos para o público aqui no Brasil, ao vivo, no sentido de que as informações chegavam na redação do Estadão, E as pessoas ficavam do lado de fora esperando as informações", conta a historiadora.
No retorno ao Brasil, os atletas foram recebidos como heróis e passaram por diversas cidades brasileiras. No Rio, após recepção calorosa frente a uma multidão, foi realizado um cortejo até o Palácio do Catete, onde foram recebidos pelo então presidente da república, Arthur Bernardes.
Em São Paulo, há comoção foi ainda maior. A estimativa é de que foram recebidos por cerca de 40 mil pessoas na Estação da Luz. "As pessoas saudavam de suas sacadas, foram horas até o cortejo chegar na sede do Paulistano, inclusive pessoas que não eram sócias entraram na sede para festejar o retorno."
Mesmo com todo o sucesso no futebol, o clube optou por não acompanhar o processo de profissionalização que se deu no esporte a partir da década de 1930 e continuou no amadorismo.
"A gente sabe, por meio de uma entrevista que o Antonio Prado Júnior concedeu, que, em 1916, ele previa que o futebol no paulistano iria acabar. Havia briga política entre os clubes, desorganização das regras. Com o tempo, isso foi ficando muito nítido para ele, que o rumo do futebol não era do agrado. Coincidentemente, é justo nesse período que o clube começa ter conquistas. Isso culmina com a excursão de 1925. Não fazia sentido acabar com o futebol no ápice da modalidade no clube", explica Fernandes.
"Mas, o que acontece? Em 1925 mesmo, o próprio Prado Júnior criou a LAF, a liga de amadores. A gente percebe essa insistência dele em manter o futebol amador. Se a gente parar para pensar, os jogadores eram associados. Pagar associados para jogar não fazia muito sentido. Então, tem bastidores, questões políticas que levaram a isso. Também tem a questão financeira. Perderia muito dinheiro para manter um time, instalações, viagens. Tudo isso pesa."