A marcha atlética é caracterizada por movimentos muito característicos dos atletas. Sem que os esportistas possam correr com a chamada fase aérea, na qual os dois pés deixam o solo ao mesmo tempo, é necessário adaptar. Enquanto um pé toca o solo com o calcanhar, o outro pode sair do chão com a ponta; a perna que toca o solo não dobra o joelho, mantendo-se totalmente estendida e jogando o movimento do corpo para cima. Resultado: a rotação do quadril que gera um movimento semelhante a um rebolado.
A estranheza causada em parte do público se reflete em preconceito sofrido por muitos marchadores. E nem mesmo a elite da modalidade está protegida de manifestações pouco agradáveis – e, por vezes, até violentas.
“Na rua, mudou. Mas nas redes sociais não é tão diferente”, afirmou Caio Bonfim, medalha de prata da modalidade na Olimpíada de 2024, em Paris, em entrevista nesta quinta-feira (1º) à rádio BandNews FM. “Sempre tem piada. Não sei se mudou tanto. Uma covardia, né? Faziam antes com os carros, aceleravam, nunca era frente a frente. Hoje é atrás de uma tela. Todos esses anos em que fizeram isso só me fortaleceram.”
‘Atrás de uma câmera, todo mundo tem coragem’
Caio é filho de Gianetti Bonfim, atleta que disputou a marcha atlética com sucesso – venceu a prova por sete anos seguidos no Troféu Brasil de Atletismo, entre 1996 e 2002, e foi prata no Sul-Americano de atletismo de 2001. E também passou por muitas experiências ruins que o filho testemunhou.
“Quando era atleta, teve uma vez que uma pessoa estava andando na rua, eu passei por ela marchando e a pessoa veio me perguntar: ‘Você tem deficiência física?’. Tem umas coisas meio estranha, a ignorância do povo. As pessoas se acham no direito de falar o que elas querem, dar aquela opinião sem ninguém ter perguntado sobre o assunto. ‘Ah, essa prova é feia.’ A gente vê muito isso na internet, porque atrás de uma câmera todo mundo tem coragem”, afirmou Gianetti, que hoje é treinadora da marcha.
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“Às vezes, eu chegava com raiva, (dizia): ‘Hoje eu mandei para aquele lugar porque falou alguma besteira’. Como mulher, eu ouvia muitas obscenidades, umas coisas bem chatas. E o Caio ouviu bastante. Teve gente (dizendo): ‘Vai trabalhar’, ‘o que você está fazendo?’, ‘isso é coisa de vagabundo’, ‘você não é homem’. A gente tem que ignorar essas coisas. Se a gente for viver em função do que as pessoas falam e pensam, você nunca vai ser você. Eu sempre falo para os meus atletas: se você quer ser um atleta de marcha atlética, a primeira coisa que você tem que aprender é a ignorar e a não ouvir a opinião alheia”, afirmou também.
Sonho em família
Antes da prata nos 20 km de Paris-2024, Caio Bonfim bateu na trave. Foi 39º em Londres-2012, quarto na Rio-2016 e 13º em Tòquio-2020. Na quarta participação olímpica, o pódio finalmente chegou para a família Bonfim.
“Esse momento é um momento único, e um momento de alcançar medalha olímpica, que foi um sonho sonhado com todas as forças desde sempre, desde que eu era atleta. Hoje, a gente sabia que o Caio estava bem, bem preparado, bem treinado, com todos os detalhes ajustados. Mas competição é competição, e hoje Deus quis que fosse assim”, analisou Gianetti.
“Eu fui atleta de marcha atlética, e era muito discriminada dentro do próprio atletismo mesmo. As pessoas diziam que não gostavam de assistir, que era prova que não devia fazer parte do programa horário do atletismo, que não era atletismo, que tinha que ter uma federação própria que nem o triatlo. A gente já ouviu de tudo isso.”