Como negros superaram racismo para chegar a Paris com o time japonês de basquete

Rui Hachimura é o principal jogador da seleção que enfrenta o Brasil nesta sexta

Gustavo Freua

Rui Hachimura em ação pelo Japão na Olimpíada de Paris
REUTERS/Brian Snyder

Nesta sexta-feira (2), a seleção brasileira masculina de basquete enfrentará o Japão pela terceira e última rodada do Grupo B da Olimpíada de Paris. O principal jogador japonês é o pivô Rui Hachimura, que joga no Los Angeles Lakers, da NBA.

Hachimura chama atenção não só pelos bons números (ele foi o cestinha do último jogo de sua seleção com 24 pontos, por exemplo), mas também por ser um japonês negro.

No Japão, pessoas que têm essa mistura de etnias em seus genes são chamadas de “hafu”, expressão derivada da palavra “half”, do inglês, que significa metade, ou seja, misto.

Rui é filho de mãe japonesa, condição que o país considera para dar a nacionalidade direta, por mais que o seu pai tenha nascido no Benin, na África.

A família Hachimura cresceu em Toyama, cidade localizada na costa oeste do Japão, a mais de 200 quilômetros da capital Tóquio, com uma população de cerca de 400 mil habitantes, e o fato de Rui ser negro tornou sua infância mais difícil do que a de outras crianças.

“Quando eu era criança, não havia [pessoas negras] lá, sabe? É uma cidade pequena no interior, e eu acho que somos a única família negra lá. Era difícil quando eu era criança, eu tive uma experiência difícil”, contou Rui ao canal oficial dos Jogos Olímpicos.

O debate racial no Japão não é muito difundido, mas a simples existência de termos como o ‘hafu’ evidencia algum tipo de discriminação de uma sociedade que não está acostumada a miscigenações, por mais que povos sem o fenótipo dos olhos puxados tenham vivido no território onde hoje estão as terras japonesas.

O resultado do censo japonês, divulgado em 2021, mostrou que a população do país é de cerca de 126 milhões de habitantes, mas não diz qual porcentagem desse número é de pessoas negras.

O jornalista Tiago Bontempo, autor do livro “Samurais Azuis”, sobre a história do futebol japonês, acredita que o racismo no país é sútil.

“Acredito que existe sim um preconceito no Japão com atletas mestiços. Mas a forma como isso acontece no país é mais sutil do que as formas de preconceito que vemos no ocidente. Até porque os japoneses evitam se manifestar publicamente sobre temas polêmicos", explica Bontempo.

"O racismo existe, mas fica muitas vezes apenas implícito nas atitudes do dia a dia. Às vezes aparece de forma evidente quando um atleta mestiço se destaca, seja de forma positiva ou negativa, como quando a seleção masculina de futebol perdeu um jogo na Copa da Ásia com uma falha de Zion Suzuki, goleiro que tem ascendência afro-americana por parte de pai”, completa o jornalista.

A falha de Suzuki gerou uma série de insultos racistas nas redes sociais do goleiro, que teve que desativar os comentários por algum tempo.

Crescer e se desenvolver dentro desse contexto não foi exatamente fácil. Um exemplo disso é que a carreira de Hachimura teve um ‘atraso’ e ele só começou a jogar basquete aos 13 anos. "Eu estava sempre tentando me esconder das pessoas porque eu era diferente”, explicou o jogador de basquete.

Com a ajuda da família e do esporte, Rui soube driblar esse sentimento e se destacou em campeonatos escolares, que naturalmente o levaram a seleções juvenis do Japão. Suas boas atuações chamaram a atenção de olheiros, que o convidaram para participar do Jordan Brand Classic, um “jogo das estrelas” para atletas juvenis.

Aprovado nas observações, o ala decidiu tentar uma vaga no basquete universitário dos Estados Unidos e acabou sendo aceito pela Gonzaga University, em 2016.

Em 2019, ele foi draftado pelo Washington Wizards e começou a sua trajetória na NBA.

Akira Jacobs

A equipe japonesa também tem em seu elenco um caso semelhante ao de Rui. Trata-se do ala Akira Jacobs, de 20 anos, filho de um estadunidense com uma japonesa. Jacobs nasceu em Yokohama, segunda maior cidade do Japão, mas se mudou para a Califórnia já em seus primeiros meses de vida.

Akira retornou ao seu país natal aos 16 anos, onde teve a oportunidade de jogar no Yokohama B-Corsairs, da B. League, principal liga de basquete japonesa. Ele se tornou o jogador mais jovem a jogar e a marcar pontos em uma partida oficial.

Depois do bom desempenho por lá, Jacobs recebeu a chance de participar da NBA Academy, um laboratório para promessas do basquete, e ganhou uma bolsa para jogar pelo Rainbow Warriors, time da Universidade do Havaí, que disputa a NCAA, a maior liga universitária da América do Norte.

Tiago tem esperança de que, aos poucos, a maioria da população japonesa acabará se acostumando com atletas e pessoas mestiças.

“Eu acredito (e espero) que a aceitação aumente com o passar do tempo, já que esse fenômeno é recente e 20 anos atrás, por exemplo, era muito raro ver atletas japoneses mestiços em qualquer esporte”, declarou.

A partida entre Brasil e Japão está marcada para as 6h (horário de Brasília). Para se classificar, a seleção brasileira precisa vencer os japoneses e torcer para que pelo menos um dos outros terceiros colocados tenham um saldo de cestas inferior, pois dois dos três terceiros avançam às quartas de final. Hoje, o saldo da seleção é de -25, enquanto que os outros terceiros têm saldos melhores: Espanha (-2) e Porto Rico (-11).

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