Ninguém reconheceu os jogadores da seleção brasileira que desembarcaram no aeroporto de Milão-Linate em 29 de outubro de 1990. Sob o comando de Paulo Roberto Falcão, nomes como Cafu, César Sampaio, Gil Baiano, Charles e Neto, todos atletas de clubes brasileiros, eram desconhecidos do torcedor italiano.
Mas havia um nome bastante aguardado para reforçar aquela equipe: Pelé.
Dois dias depois, o Brasil entraria em campo para o jogo que marcaria o aniversário de 50 anos do maior jogador de todos os tempos. Pela frente, a seleção brasileira – reforçada por Pelé – teria um combinado do resto do mundo, batizado de Worldstars, em amistoso no estádio Giuseppe Meazza.
Para Neto, aquele jogo seria ainda mais especial. Desde que Falcão assumiu o comando da Seleção depois da Copa de 1990, cabia ao meia do Corinthians a honra de usar a camisa 10 consagrada por Pelé. Naquele jogo, porém, a 10 voltaria a ser do Rei, e Neto vestiria a camisa 16.
Aposentado dos gramados desde 1977, Pelé chegou ao jogo com os mesmos 76 kg dos tempos de jogador. No entanto, os reflexos já não eram os mesmos do auge da carreira. Na véspera do amistoso, em um treino no campo de um time amador chamado Varcellese, adotou uma rotina cautelosa – mas arrancou aplausos de torcedores com um belo voleio. À noite, esteve em San Siro com os companheiros de seleção para o reconhecimento do gramado.
No dia marcado, o Brasil entrou em campo com Sérgio; Gil Baiano, Paulão, Adilson e Leonardo; César Sampaio, Donizete, Cafu e Pelé; Charles e Rinaldo. Já a seleção do resto do mundo começou com Goycoechea; Clijsters, Júlio César, Ruggeri e De León; Michel, Alemão, Martín Vazques e Ancelotti; Van Basten e Milla. A equipe foi comandada por dois treinadores: Franz Beckenbauer e Arrico Sacchi.
O Rei jogou por 42 minutos, teve desempenho discreto e saiu ainda no primeiro tempo. Errou passes e errou uma jogada ensaiada. Mas também acertou passes em profundidade, deu um chute a gol (fraco, da intermediária) e tentou orientar os companheiros. Poderia ter tido mais oportunidades, mas acabou em segundo plano - Rinaldo, jovem atacante do Fluminense que estreava na Seleção, teve pelo menos duas oportunidades pela esquerda e preferiu chutar ao invés de acionar o homenageado da noite.
Quando Pelé deixou o campo no fim do primeiro tempo, com o placar em 1 a 0 para os estrangeiros, passou a faixa de capitão para Neto. As imagens, porém, não são das melhores - na transmissão, os dois jogadores ficam ora atrás do quarto árbitro, ora atrás de um fotógrafo.
“Ele me abraçou e me falou: ‘Neto, boa sorte para você, vai lá e mete gol’. Eu fiz o gol para ele, para o Pelé. Só que eu não posso contar o que aconteceu depois do jogo. Um dia contarei. Ninguém sabe”, disse Neto na edição de 23 de dezembro de 2022 de Os Donos da Bola.
No fim, a seleção do mundo venceu por 2 a 1 - Michel e Gheorghe Hagi fizeram os gols estrangeiros, enquanto Neto fez o do Brasil em cobrança de falta. Foi o último jogo de Pelé pela seleção brasileira, em uma noite cheia de emoções para o grande protagonista do amistoso. O Rei chorou a caminho do estádio, quando a Seleção cantou um “parabéns pra você”; chorou ao deixar o gramado; e chorou quando Neto cumpriu a promessa de fazer um gol para homenageá-lo naquele jogo. O camisa 16 calçava chuteiras emprestadas pelo próprio Pelé.
E Neto guarda com carinho aquele encontro, marcado principalmente por um incidente curioso no hotel dos jogadores, depois da partida, quando o Rei surpreendeu o jovem craque com uma humilde conversa entre eles.
“Ele me ligou, quando acabou o jogo, no meu quarto. O Pelé. Falei: ‘Quem é?’. ‘É o Pelé.’ Eu desliguei uma vez. O Pelé vai ligar para mim? Segunda vez, Pelé ligou de novo, eu desliguei a segunda vez. Na terceira vez, ele falou: ‘Ô, Neto, é o Edson Arantes do Nascimento, dá para você parar de desligar na minha cara?’. Pô, desliguei duas vezes o telefone na cara do Pelé. Falou: ‘Vem aqui no meu quarto’. E fui.”