Aos 29 minutos do primeiro tempo, Didier Drogba se posicionou diante da bola na marca do pênalti. Bateu mirando o lado direito de Danilo, mas o goleiro da Guiné Equatorial pulou para o lado certo e defendeu a cobrança do atacante do Chelsea, mantendo o 0 a 0 no placar. Nas arquibancadas do Estádio de Malabo, a torcida guineense explodiu em festa.
O lance aconteceu em 4 de fevereiro de 2012, válido pelas quartas de final da Copa Africana de Nações daquele ano. No fim, a Costa do Marfim venceu a anfitriã Guiné Equatorial por 3 a 0, com dois gols do próprio Drogba. Mas aquela defesa marcou para sempre a carreira de Danilo, goleiro brasileiro que era titular da seleção guineense no torneio.
“Foi a (defesa) que mais deu repercussão. Até hoje, na minha cidade, em algum lugar em que eu encontro alguém, o pessoal ainda tem essa referência. O pessoal fala: ‘Esse goleiro pegou o pênalti do Drogba’. Eu me apresentou como Danilo, ex-goleiro, e falam: ‘Esse cara pegou o pênalti do Drogba’. Foi algo enorme para mim, para a minha carreira”, explicou Danilo em entrevista ao Band.com.br.
O pênalti em questão foi o ápice da trajetória incomum de Danilo no futebol. Nascido em Caruaru (PE) e revelado pelo Sport no fim dos anos 1990, rodou por diversos clubes do Nordeste. Até que, em 2006, surgiu a inesperada oportunidade de defender a seleção da Guiné Equatorial, um país no qual nunca havia estado e com o qual não tinha relação.
“Era um treinador brasileiro aqui de Sergipe chamado Antônio Dumas. Eles vieram para a Toca da Raposa, CT do Cruzeiro, para fazer um intercâmbio, um treinamento, essas coisas. Eles estavam com uma dificuldade muito grande de goleiro, e queriam um goleiro brasileiro para naturalizar”, explicou Danilo. Na época, Dumas pediu ajuda a um preparador físico brasileiro com o qual Danilo já havia trabalhado. Com a indicação, recebeu o convite. Um mês depois, embarcou para a África.
A política de convocação de brasileiros vinha ganhando força na Guiné Equatorial desde 2005, incentivada principalmente por Ruslán Obiang Nsue, filho de Teodoro Obiang, que desde 1979 é o presidente do país. Mas a viagem, em cima da hora, quase não acontece.
“Quando surgiu essa situação, eu fiquei bastante alegre, bastante eufórico de defender uma seleção. Mas quando chegou pertinho da viagem, sinceramente eu pensei em desistir. A gente não tinha as redes sociais que tem hoje, eu não tinha tanto conhecimento de como era o país. Por vezes, eu pensei até em desistir. Mas depois tinha outro brasileiro também, um lateral esquerdo (Ronan Falcão, ex-Cruzeiro e Friburguense), e eu falei com ele por telefone. Ele me contou que era tranquilo, que ele já tinha ido antes, me contou como era o país. Eu perdi um pouquinho o medo, depois fui e conheci. Se eu não tivesse ido, realmente teria sido um arrependimento muito grande”, lembra.
Em pouco tempo, Danilo se consolidou como titular da Nzalang Nacional. A equipe não se classificou para as Copas do Mundo de 2006 ou de 2010, nem para as edições 2006, 2008 e 2010 da Copa Africana de Nações. No entanto, em 2012, a Guiné Equatorial recebeu a competição continental em parceria com o Gabão, e teria a chance de fazer bonito em casa.
Da polêmica à consagração
Danilo, que defendia o América no Campeonato Pernambucano, foi convocado. A lista do técnico brasileiro Gilson Paulo tinha ainda diversos estrangeiros, oriundos de países como Espanha, Camarões, Costa do Marfim, Nigéria, Libéria e Colômbia, mas quase sempre com vínculos familiares com a Guiné Equatorial. Da convocação, apenas dois jogadores - o goleiro Felipe Ovono e o lateral direito Colin - eram nascidos no país da seleção.
Na época, a presença de estrangeiros dividia opiniões, inclusive no país. “Isso aí causou um pouco de problema, causou ciúmes nos jogadores de lá. Eles reclamavam que a gente estava tomando o lugar dele, e tinham até uma certa razão. Você ter um ou dois naturalizados, tudo bem, mas você ter 90% de um time, isso causou um mal estar lá”, reconhece o goleiro brasileiro. “Mas isso foi resolvido. Alguns (naturalizados) continuaram indo, outros não. Mas, a grosso modo, fomos muito bem tratados, muito bem mesmo.”
Para se adaptar melhor, Danilo se empenhou em aprender o espanhol, uma das três principais línguas do país. Na Guiné Equatorial, o francês e o português também são idiomas bastante presentes, além de dialetos locais, como o fangue, o bubi e o balengue - aí, garante, “não tem como entender o que eles falam lá”.
"Eu realmente procurei conhecer de verdade o país, a língua. Aprendi a falar espanhol, que eu não sabia, para ter uma facilidade de comunicação melhor. A gente fala esse portunhol, mas não é tão fácil - muitas vezes eu ia para a Espanha, sozinho, e lá o portunhol não funciona. Na África, todo mundo tenta de ajudar devido ao fato de que eu era uma pessoa muito conhecida lá, era relativamente famoso. Eu realmente queria aprender outra língua, aprendi a falar espanhol e falava sem nenhuma dificuldade", explicou.
Veio a CAN 2012, e a Guiné Equatorial não decepcionou. Pelo Grupo A, estreou com uma vitória apertada sobre a Líbia por 1 a 0, graças ao gol de Javier Balboa no fim do jogo. Depois, fez 2 a 1 no Senegal, em mais um jogo difícil decidido no fim. Na terceira rodada, perdeu por 1 a 0 para a Zâmbia, assegurando a classificação com a segunda posição da chave.
Nas quartas, a pedreira: a Costa do Marfim, que vinha como líder do Grupo B. “A gente já sabia que ia ser muito difícil, porque a maioria dos jogadores da Costa do Marfim era de clubes europeus, e jogadores com destaque - Drogba, Yaya Touré, tinham grandes jogadores naquele tempo. Nós sabíamos que ia ser muito difícil passar pelo adversário”, lembra Danilo, que se consagrou com o pênalti de Drogba, mesmo com a derrota por 3 a 0 e a eliminação. No fim, os marfinenses foram vice-campeões, perdendo o título para a Zâmbia.
“Para mim, especialmente, foi muito marcado. No pênalti. eu era franco-atirador, o que viesse para mim ali era lucro. Eu realmente fiquei muito marcado por essa defesa. Todas as vezes que a gente ia jogar em outros países, tinha os outdoors, promoção de jogo, e o pessoal se referia a mim como ‘o goleiro que parou Drogba’. Eu fiquei conhecido na África por ter defendido o pênalti de um jogador tão importante como o Drogba.”
Doze dias na UTI
Em 8 de junho de 2013, a Guiné Equatorial visitou Cabo Verde pelo Grupo B das eliminatórias africanas para a Copa do Mundo de 2014. Perdeu por 2 a 1, mas o resultado - que depois seria convertido em uma derrota por 3 a 0 por causa da escalação irregular de um jogador - não foi o maior revés.
Depois daquela partida, Danilo foi com outros jogadores brasileiros - Claudiney Rincón, Diouzer e Jônatas Obina - a uma confraternização com os caboverdianos. Duas semanas depois, pelo menos três deles foram diagnosticados com malária. Inclusive o goleiro.
“Em Cabo Verde, fala-se português. Os jogadores de Cabo Verde nos convidaram para tomar uma cerveja lá depois do jogo, e foram os três brasileiros devido ao idioma. Nós saímos, voltamos ao Brasil e não sentirmos nada. Depois de 15 dias, começaram a aparecer os sintomas: febre, dor de cabeça, vômito. Isso foi piorando, até que procuramos o hospital, nós três. A cada dia, a doença ia se alastrando, ficando pior. Eu procurei o hospital na segunda-feira com esses sintomas. Na terça, voltei ao hospital, porque tinha piorado, e voltei para casa. Na quarta, realmente foi o pior dia: fui internado, tive uma parada do fígado, entrei em coma, fiquei na UTI durante 12 dias, internado até as coisas irem melhorando e eu receber alta”, descreveu.
Diouzer e Claudiney Rincón também foram hospitalizados. O primeiro recebeu alta. O segundo, destaque do Guarani na Série C do Brasileiro de 2008, morreu. Danilo, por sua vez, saiu do hospital bastante debilitado.
“Quando eu saí do hospital, eu saí muito magro. Eu tive, como diz a música do Zé Meningite (do Grupo Revelação), todas as doenças do mundo. Eu saí com problema no olho esquerdo, não conseguia enxergar, e na mão esquerda, não tinha sensibilidade. Isso foi resolvido com fisioterapia. Perdi 25 kg devido à minha internação, e fiquei fazendo ainda hemodiálise. Consegui me recuperar fazendo fisioterapia, musculação, treinamentos. Depois de quatro ou cinco meses, eu estava de volta ao futebol sem nenhum tipo de sequela - tanto que dei seguimento à minha carreira, consegui jogar uns quatro, cinco anos até encerrar”, explica o ex-goleiro, que se aposentou em 2017.
“Foi um momento muito complicado, muito difícil, porque a situação foi bem complicada. Tive problema de fígado, de rins, tive paralisia dos pulmões, tive edema no cérebro. Realmente, a minha situação foi gravíssima. Meu companheiro que viajava comigo, o Claudiney Rincón, infelizmente ele não teve a mesma sorte e veio a falecer devido a essa doença também”, lamentou.
Vontade de voltar com a família
As últimas convocações de Danilo para a Guiné Equatorial vieram em 2014, quando defendia o Alecrim (RN). Desde então, não voltou mais ao país africano, embora sinta falta.
“Voltei para a Guiné depois que eu fiquei doente. Depois que eu me recuperei, voltei para jogar umas quatro ou cinco vezes. Depois disso, não fui mais convocado. Desde então, não voltei mais. Queria muito voltar, encontrar o pessoal do tempo em que eu joguei. Tenho saudades do país, gostei muito do povo guineano. Espero poder voltar”, diz o ex-goleiro, que atualmente mora em São Caetano (PE), vive do comércio e da renda de aluguéis de imóveis, e sonha em levar a família para conhecer o país africano.
“Eu queria levar minha esposa, levar minhas filhas, para elas verem como eu fui tratado lá. Como o pessoal gosta de mim e como eu sou querido lá pelo povo da Guiné. Queria mostrar a elas pessoalmente - porque falando pelo telefone, mostrando imagens, não é a mesma sensação. Tenho vontade de levá-las comigo.”
Das viagens ao país, Danilo lembra com carinho dos poucos períodos de folga, quando aproveitava para conhecer a natureza do país.
“Normalmente passávamos a semana treinando, jogávamos no domingo - sempre se joga basicamente no domingo - e voltávamos na segunda à noite aos países de origem. No domingo à noite, a gente dava uma volta. Às vezes, quando ia passar mais tempo, passava 15, 20 dias, tinha um dia de folga e a gente saía para dar uma volta, ir à praia. A Guiné Equatorial é um país em que a natureza é muito bonita, (tem) muita cachoeira, tem praia, tem montanha. Não faltava o que fazer. A gente ficava em um hotel muito bom, com uma estrutura bacana”, descreveu.
E guarda também o carinho até hoje pelos ex-companheiros e pelos torcedores.
“Fui convocado até 2014, mas continuei mantendo contato com os jogadores, a maioria meus amigos. Só que aí a seleção foi se renovando, foi trazendo outros jogadores. A diretoria da época, o presidente da Federação (Guinéu-Equatoriana) de Futebol, foi tudo mudado com o tempo. Naturalmente, você vai perdendo contato”, explicou.
“De vez em quando, chega um convite do Instagram, o pessoal parabenizando pela minha história lá. Joguei muitos anos, fui titular durante todo esse período. Alguns dizendo ‘goleiro, volta’ quando a seleção perde. ‘A gente precisa de você’, ‘saudades’. Infelizmente, ficou só na lembrança. Hoje eu não estou mais jogando. Eles recebem muito bem, são muito receptivos. E brasileiro normalmente se dá bem em todo lugar, não cria muita dificuldade. Eu encarnei bem esse espírito de conhecer a cultura do país, as pessoas, os costumes. Eu digo direto aqui para minha mulher, meus amigos, que me senti realmente um guineense.”
Na Copa Africana de Nações 2023, a Guiné Equatorial está no Grupo A ao lado de Costa do Marfim, Nigéria e Guiné-Bissau. De longe, Danilo torce pelo país que o recebeu tão bem.
“A minha torcida vai ser totalmente por Guiné Equatorial, sem dúvida, de coração. Embora eu não esteja mais presente fisicamente, mas de coração eu jamais torceria contra ou torceria para outro país. Minha torcida é totalmente pela Guiné Equatorial”, concluiu.