Entenda como time da 3ª divisão paulista formou jogadores da Seleção Brasileira

Bremer e Éderson, convocados para a Copa América, tiveram passagens importantes pelo Desportivo Brasil

Por Allan Brito

Éderson e Bremer
Reprodução/ Desportivo Brasil

A Seleção Brasileira que vai disputar a Copa América tem uma curiosidade: dois jogadores convocados foram formados em um time que está longe da elite - atualmente disputa a 3ª divisão do Campeonato Paulista. É o Desportivo Brasil, um clube com sede em Porto Feliz-SP, que tem foco nas categorias de base. O time foi importante para o desenvolvimento do zagueiro Bremer e do volante Éderson, convocados por Dorival Junior. Marcelo Lima, gerente geral do Desportivo, deu entrevista ao Band.com.br e explicou como o clube age nas categorias de base.

Bremer no Desportivo Brasil: magro demais?

Quando tentou ser jogador, Bremer tinha uma dificuldade: era considerado magro demais para ser zagueiro ou volante. Ele foi recusado por diversos clubes por causa disso na Bahia, onde nasceu, e também em São Paulo, onde foi buscar chances na adolescência. Só conseguiu espaço no Desportivo Brasil, que tem uma visão diferente de outros clubes, segundo Marcelo Lima.

A gente prega que primeiro vem a parte técnica. É a essência do futebol brasileiro. Se o atleta tem um bom nível técnico, a parte física e tática a gente consegue construir com a estrutura que a gente tem

Depois de Bremer evoluir fisicamente na base e até fazer poucos jogos no time profissional do Desportivo Brasil, ele passou pelas categorias de base do São Paulo e começou a se destacar no Atlético-MG. Até que atingiu o auge no futebol italiano, por Torino e Juventus.

Éderson no Desportivo Brasil: lesão grave

Éderson também chegou cedo ao Desportivo Brasil e sempre foi tratado como uma importante promessa. Mas enfrentou uma lesão grave durante a formação. Ele rompeu o ligamento do joelho, passou por cirurgia e ficou quase um ano afastado. 

O Desportivo Brasil recuperou o atleta. "A gente fez uma renovação do contrato por causa da lesão, para dar tranquilidade para ele se recuperar", relembra Marcelo.

Depois Éderson fez parte de um projeto importante do Desportivo Brasil: o grupo chinês que investe no time, Shandong, tem interesse em fazer intercâmbio de atletas. Por isso Éderson foi jogar no sub-19 do antigo Shandong Luneng, que hoje se chama Shandong Taishan. 

Éderson se destacou, disputou poucos jogos no profissional do Desportivo Brasil e logo chamou atenção do Cruzeiro. Ainda passou por Corinthians e Fortaleza no Brasil, antes do sucesso na Itália, por Salernitana e Atalanta - inclusive foi campeão da Liga Europa nesta temporada.

Quanto o Desportivo Brasil ganhou com isso?

Inicialmente o Desportivo Brasil não ganhou grandes valores com Bremer e Éderson, quando foram para times da Série A. Mas as transferências deles no futebol europeu geraram grandes lucros. Isso acontece por causa do do mecanismo de solidariedade criado pela Fifa - a cada transferência de um jogador, existe um valor que é destinado para clubes que o formaram.

Mas o Desportivo teve dificuldades para receber alguns pagamentos. No caso do Bremer, por exemplo, o Atlético-MG demorou para repassar 30% do valor pego pelo Torino. O Desportivo Brasil tinha direito a esse valor e só recebeu depois que entrou com uma ação na CNRD (Câmara Nacional de Resoluções e Disputas). "Em uma conversa, em 2021, a gente conseguiu um acordo para que fosse pago o valor que a gente tinha direito". 

Após a disputa com o Atlético-MG, o Desportivo recebeu R$ 7,6 milhões. E ainda ganhou valor não divulgado por causa da transferência de Bremer para a Juventus. 

O caso do Éderson também teve uma dificuldade, mas essa ainda não foi resolvida. "A gente tem uma ação que está cobrando um dano, porque ele saiu do Cruzeiro na Justiça, de graça. Ele foi liberado em troca de uma dívida trabalhista. Mas isso tem um valor. E cabe à Justiça definir esse valor, se é que a Justiça vai reconhecer esse dano".

Marcelo explica que esses problemas no pagamento afastam o Desportivo Brasil de alguns clubes. "A gente faz um estudo de mercado e conhece o nível de estrutura dos clubes. Além da metodologia da base e da integração com o profissional. Estabelecemos indicadores para saber se o jogador terá uma boa venda no futuro. Pegamos índices financeiros, que saem todo ano, e estudamos os clubes. Vemos qual é melhor negociar. Então tem alguns que a gente começa a fechar as portas".

Ele entende que seria anti-ético revelar quais times estão com “portas fechadas”. Mas conta que já teve outro problema com o Atlético-MG, por exemplo. "O Atlético-MG passou por uma turbulência, com trocas de diretores. O problema com o Bremer foi pontual. Mas hoje não temos atletas lá. Tinha um que foi devolvido, que a família não gostou, porque ele foi largado lá sem terminar empréstimo".

Por outro lado, Marcelo também listou alguns clubes que são bons exemplos: "Um dos motivos do sucesso do Palmeiras é respeitar os parceiros e cumprir com as obrigações. O Kevin, que foi do Desportivo Brasil, saiu e foi pago com antecipação. O Red Bull é um bom parceiro. E o Flamengo não teve problema com o Muniz".

Quem fica com o dinheiro?

O Desportivo Brasil foi fundado pelo Grupo Traffic, em 2005, mas desde 2014 passou a ser controlado pelo grupo chinês Shandong, da área de energia elétrica. Esse grupo investe no Shandong Taishan e buscou um clube paralelo no Brasil para fazer intercâmbio. Portanto o objetivo principal não era obter lucro direto no Brasil.

Segundo Marcelo Lima, a verba recebida com transferências fica inteiramente com o próprio Desportivo Brasil - e inclusive foi fundamental para manter o time funcionando nos últimos anos, pois o Shandong reduziu o investimento.

"Esse intercâmbio foi paralisado devido à pandemia e porque o futebol na China teve uma brecada nos investimentos. Mas em breve deve voltar. Sem esse recurso do intercâmbio, o clube vem sobrevivendo da receita desses atletas negociados. Quando necessário, fazemos solicitações de orçamento ao Shandong, mas isso é feito com antecedência", explicou Marcelo.

Qual é o segredo do Desportivo Brasil?

Além de Bremer e Éderson, o Desportivo Brasil já participou da formação de outros jogadores que atuaram pela Seleção Brasileira: Gustavo Scarpa (Atlético-MG) e Diego Carlos (Aston Villa). E outros atletas conhecidos passaram pelo clube no começo da carreira, como Maurício (Internacional), Rodrigo Muniz (Fulham) e Lucas Evangelista (RB Bragantino).

Questionado qual é o segredo para o Desportivo Brasil formar tantos jogadores de qualidade, Marcelo aponta dois fatores. "A região que o Porto Feliz fica localizado é bem estratégica, porque Porto Feliz é perto da capital e dos grandes clubes. E o segundo ponto é que o Desportivo Brasil é um projeto de longo prazo".

A captação de jogadores também é um ponto importante, pois o clube atrai jovens desde cedo, vindos de todo Brasil. Eles são monitorados até antes dos 14 anos, quando ainda não podem se hospedar na estrutura do Desportivo Brasil.

Depois dessa idade os atletas já podem usufruir dos 7 campos e dos alojamentos para 190 atletas. É um Centro Esportivo que já foi usado para preparação na Copa do Mundo de 2014 e também pela Seleção Brasileira feminina antes de uma Copa do Mundo sub-17.

E o futebol profissional do Desportivo Brasil?

O time principal do Desportivo Brasil está na 3ª divisão paulista e nunca disputou a elite estadual. Mas recentemente fez boas campanhas e quase subiu para a Série A2 em 2024. Marcelo disse que o clube tem pretensão de chegar na elite, inclusive para beneficiar o Shandong.

"A gente quer níveis mais altos. A gente quer ir para a A2 de qualquer jeito e no futuro ir para a Série A1, porque lá o nível do jogador é mais alto. E assim a gente vai conseguir o objetivo de ter jogadores de nível técnico maior na liga chinesa", concluiu.

Por fim Marcelo apontou promessas que saíram do sub-20 do Desportivo Brasil e merecem atenção: Levi, goleiro que foi para o Primavera; Igor, volante emprestado ao São Bento; Barreto, zagueiro emprestado ao São Bento; e Kayo, meia emprestado ao Shandong. Os atletas foram negociados por empréstimo porque o Desportivo decidiu não disputar a Copa Paulista neste ano.

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