Voltemos alguns anos no tempo. Mais precisamente nos Jogos Olímpicos de 1896, em Atenas, na Grécia. Ano em que a primeira maratona foi organizada e envolveu apenas 17 atletas. O primeiro lugar concluiu os 42,195 km em 2h58m50s.
127 anos depois, em apenas uma única prova - fora do circuito olímpico - na cidade de Chicago, 48.500 corredores cruzaram a linha de chegada, sendo que o mais rápido concluiu em 2h00m35s, como contei no meu último texto (Saiba quais as 6 maiores maratonas do mundo e qual a medalha mais cobiçada) aqui no Esporte da Band.
Que baita mudança, não é mesmo?
De acordo com o último levantamento feito em 2018, 1.298.725 pessoas correram ao menos, uma maratona naquele ano. Exatamente isso! 1.3 maratonistas não profissionais, se dedicaram a um treinamento que exige um enorme comprometimento em termos de tempo, energia e suor. E ainda sem esperanças de ganhar uma medalha de ouro ou conseguir deixar seu nome na história do esporte.
Por isso, muitos se perguntam: “Por que as pessoas correm?”
Propósito
De acordo com a definição de dicionário: 1. Intenção (de fazer algo), 2. Aquilo que se busca alcançar, objetivo, finalidade, intuito.
Claro que eu poderia listar os inúmeros benefícios da corrida, mas podemos dizer que as razões mais óbvias por que as pessoas correm maratonas são os efeitos positivos para a saúde do corpo e da mente.
Logo, unir tais benefícios a um propósito maior, é sem dúvida, uma motivação a mais para milhares de corredores espalhados pelo mundo.
As pessoas podem praticar certa modalidade esportiva ou atividade física por diversos motivos. Para Robert Weinberg, biólogo e geneticista, e o psicólogo Daniel Gould, autores do livro ‘Os fundamentos da psicologia do esporte’, “a motivação é a variável-chave, tanto na aprendizagem como no desempenho em contextos esportivos e de exercícios”. A permanência, a intensidade com que se dedica e os resultados que o sujeito alcança são influenciados por sua motivação, independentemente de estar ou não no esporte de alto rendimento.
A corredora e empresária Vera Abruzzini, conhecida como Tuca, corre há aproximadamente 22 anos. "Correr salvou a minha vida, diz ela, assim como tantos outros esportistas. Tuca me disse que pouco antes do ano de 2000, ao se ver em uma foto subindo uma escada, não se reconheceu. A empresário do ramo de logística chegou a pesar 130kg.
Tuca, que é detentora da Mandala Six Star Majors, conquistada em Tóquio/2018, busca sua segunda rodada nas maiores corridas do mundo e tem como objetivo, não apenas sua segunda mandala, como também percorrer as 6 maratonas majors através do levantamento de fundos para instituições de caridade.
Como dito em outro texto, dentre as possíveis formas de se inscrever em uma prova de corrida, a caridade está presente.
A Maratona de Londres, que recebe inscrições de quase 250 mil corredores para um de seus 50 mil lugares, se destaca a cada edição pela arrecadação de fundos para caridade. Em 2022, atingiu a marca de £58.3 milhões, ficando atrás somente da arrecadação de 2019 (antes da pandemia), quando o evento conseguiu a quantia de £66,4 milhões, atual recorde mundial.
Em março desse ano, conheci de perto o trabalho do Centro Terapêutico Shalva, em Jerusalém. O centro, internacionalmente respeitado por atuar junto à 2.000 crianças e adolescentes com neuro divergências, recebe milhares de dólares provenientes das inscrições da Maratona de Jerusalém. Nessa edição, que tive o prazer de participar, foram 40 mil corredores, sendo 105 brasileiros. E por mais um ano reuniu milhares de corredores-doadores ás causas do Shalva.
Para mim, Cacá Filippini, mãe de um adolescente dentro do espectro autista, a busca por causas ligadas à temas que vivo no meu cotidiano me causam maior empatia. O que costuma ocorrer com muitos daqueles adeptos ao voluntariado e a doações.
Tuca, que faz um trabalho no Brasil com cães terapeutas, elegeu a causa animal como seu propósito na arrecadação de fundos ao se inscrever para a Maratona de Chicago. Em prol da Team PAWS, uma organização que resgata, reabilita e realoca animais abandonados em Chicago, bem como outras regiões dos Estados Unidos, a empresária arrecadou a quota de US$1.500.
“Eu optei pela Team Paws Chicago porque eu tenho um trabalho voluntário de terapias assistidas por animais e não existe nenhuma dessas ONGs em nenhum lugar do Planeta que esteja amarrada a uma maratona. Então escolhi pela seriedade que eles têm e pelo trabalho incrível que eles fazem", conta Verinha, que ainda complementa: “Durante o período, eu recebia mensagens semanais de incentivo. E eu tinha um mentor dentro do grupo. Steve perguntava sobre meus treinos e sobre minha saúde. E no dia da maratona me acompanhou até a largada. Foi extraordinário!”
Como de costume, as ONGs não apenas recebem as doações, mas envolvem-se ativamente no evento. Assim, a partir do momento em que você opta por contribuir pela causa, eles passam a fazer parte da sua causa também. Acompanham os corredores ao longo da jornada de treinos, se fazendo presentes mesmo à distância. Realizam encontros nos dias e horas que antecedem a maratona e ainda fecham o evento com uma grande festa, em que reúne todos aqueles que contribuíram com os fundos e o trabalho voluntário daquela edição.
Sobre custos, nem sempre é a forma mais barata para quem quer correr uma maratona. Entretanto, se comparado ao valor desembolsado por corredores brasileiros que não são sorteados pelas organizações e precisam recorrer a agências especializadas na venda de pacotes para as maratonas, esse pode ser, sem dúvida, um caminho para ‘tentar’ gastar menos e ainda fazer uma contribuição para algo maior.
O economista e corredor de 50 anos Marcos Wanderley Pereira, que também completou a Maratona de Chicago esse ano, se simpatiza com causas sociais e, ao longo dos seu ciclos de treinamentos, corre como guia voluntário Achilles.
A organização mundial Achilles tem como missão transformar a vida das pessoas com deficiência, através de programas esportivos e conexão social.
Os atletas Achilles são pessoas comuns, que trabalham, estudam e gostam de praticar esporte. Pessoas que utilizam as suas limitações como combustível para alcançar seus objetivos.
E os guias são pessoas também comuns, que trabalham, estudam e gostam de praticar esporte. São corredores que dedicam uma parte do seu tempo em atendimento aos membros da Achilles. Podendo ser eu, podendo ser você, assim como foi o Marcos. “Sempre me emocionei muito com esporte para pessoas com deficiência. Assim como nas corridas, no esporte paralímpico, muitas vezes o último colocado é mais aplaudido. Vejo cada ACD (atleta com deficiência) como um herói. Cada caso é um exemplo único e incrível de superação", conta o economista.
Os guias passam por um treinamento específico e, com o acúmulo de novas provas, vão avançando estágios de formação. Marcos, que hoje é guia formado, se empolga em dizer: “Minhas experiências foram tão boas que me formei em tempo recorde", afirma. “Brinco com os amigos dizendo que, no começo, eu ia para ajudar ao próximo, mas que tem sido uma experiência tão boa para mim, que agora eu vou por puro egoísmo (risos)”.
O mestre espiritual brasileiro Sri Prem Baba, autor do Best Seller ‘Propósito’, traz uma reflexão que destaco: “Ninguém tem o poder de mudar o outro, apenas a si mesmo. E a parte de si mesmo, é possível inspirar o outro a mudar.”
Assim, falar que o esporte muda vidas, é repetir algo sabido por todos. Mas fazer a diferença na vida de uma outra pessoa a partir do seu propósito enquanto praticante de um esporte, talvez seja aquela motivação que você, leitor, busca para criar o hábito de ter o esporte em seu estilo de vida.
Por fim, vale ressaltar que todas as organizações atreladas a essas provas, realizam trabalhos sérios.
No último domingo, São Paulo recebeu a 60ª edição da Corrida e Caminhada contra o Câncer. O evento tem como marca uma causa de 28 anos e arrecada recursos para tratamentos oncológicos pelo SUS no IBCC Oncologia.