Na Copa de 1974, time do Zaire correu risco de morte no jogo contra o Brasil

Após serem goleados pela Iugoslávia por 9 a 0, africanos foram alertados que poderiam morrer se perdesse de quatro para a Seleção

Paulo Guilherme Guri

A seleção do Zaire na Copa de 1974 Reprodução
A seleção do Zaire na Copa de 1974
Reprodução

Uma das cenas mais emblemáticas da Copa de 1974 disputada na Alemanha aconteceu no jogo entre Brasil e Zaire. A Seleção Brasileira teve uma falta a seu favor no final da partida, quando vencia o jogo por 2 a 0. Enquanto Nelinho e Rivellino discutiam quem iria chutar a gol, um jogador do Zaire, o zagueiro Ilunga Mpebu, saiu da barreira e deu um bico na bola. Só não virou meme porque não havia internet em 1974. Enquanto muitos zombaram que aquilo era um desconhecimento da regra, a explicação é bem mais dramática: os jogadores do Zaire estavam desesperados lutando pela própria vida.

O Zaire era o nome do país que hoje é conhecido como República Democrática do Congo. Foi chamado de Zaire entre 1971 e 1997 no período em que foi governado pelo ditador tenente-general Mobutu Sese Seko, à época comandante e chefe do Exército congolês.

Ele instituiu o novo nome e a nova bandeira do país, verde com um círculo amarelo no meio onde aparecia uma mão levando uma espécie de tocha olímpica. O Zaire era o centro das atenções na África em 1974. Naquele ano, Motubu ajudou a promover a chamada “luta do século” entre Muhammad Ali e George Foreman. 

No futebol, o Zaire conquistou a Copa Africana de Nações naquele ano e o governo local montou um time para fazer bonito na Copa. Contratou o técnico Blagoje Vidinic, um ex-goleiro da Iugoslávia campeão olímpico em 1960. Vidinic tinha levado o Marrocos, país do norte da África, à Copa do Mundo de 1970, no México. Tinha moral no continente.

Até então além do Marrocos, só o Egito, em 1930, tinha representado a África em uma Copa. O Zaire foi a primeira seleção de um país abaixo do deserto do Saara, a chamada África subsaariana, também conhecida como África Negra, a ir para o Mundial, abrindo caminho para outras nações que viriam a seguir, como Camarões e Nigéria.

A estreia do Zaire não foi boa: derrota por 2 a 0 para a Escócia. Depois da partida, os jogadores africanos foram informados que não iriam mais receber o prêmio prometido pelo governo pela classificação para a Copa porque o dinheiro tinha sido desviado pelos dirigentes. Ficaram revoltados.

No jogo seguinte, contra a Iugoslávia, o treinador (que era iugoslavo), deixou o craque do time na reserva, Adelard Mayanga, apelidado de “o brasileiro”. Com 18 minutos, a Iugoslávia já vencia por 3 a 0, e o treinador tirou então o goleiro de campo, Mwamba Kazadi, para colocar o reserva Dimbi Tubinandu.

Foi a primeira vez que um goleiro foi substituído durante a partida por decisão técnica. Tubinandu mal entrou e já levou o quarto gol. O jogo foi um massacre e terminou com a histórica goleada da Iugoslávia por 9 a 0.

Abandonados, os jogadores do Zaire foram informados que se na última partida, perdessem para o Brasil por 4 a 0 ou mais, podiam temer por suas vidas na volta para casa. Isso explica o famoso lance do jogador africano saindo da barreira para chutar a bola antes de o Brasil bater.

O Brasil não teve dificuldades para vencer. Jairzinho fez o primeiro gol no primeiro tempo. Rivellino marcou no segundo tempo. O goleiro Kazadi levou um frango no terceiro gol do Brasil, marcado por Valdomiro. O gol classificou o Brasil para a segunda fase da Copa. Os jogadores do Zaire fizeram de tudo para não sofrer o quarto gol. Foi desesperador.

O Zaire terminou aquela Copa com três derrotas, nenhum gol marcado e 14 gols sofridos. Depois do Mundial, quase todos os jogadores ficaram na miséria.

O ditador Mobutu Sese Seko foi deposto em 1997 na chamada Primeira Guerra do Congo. Outro grande conflito foi registrado em 2006 no país. 

A seleção do Zaire e, posteriormente, da República Democrática do Congo nunca mais chegou perto de ir a uma Copa do Mundo. O maior feito do futebol desde então foi a campanha do Mazembe, campeão africano em 2010, que chegou à final do Mundial de Clubes da Fifa derrotando o Internacional e terminou como vice-campeão, perdendo a decisão do título para a Internazionale da Itália.

Copa do Mundo de 1974

  • Período: 13 de junho a 7 de julho de 1974
  • País-sede: Alemanha Ocidental
  • Campeão: Alemanha Ocidental
  • Vice-campeão: Holanda
  • 3º lugar: Polônia
  • 4º lugar: Brasil
  • Artilheiro: Lato (Polônia), 7 gols
  • Participação do Brasil: quarto lugar. O time era Leão; Zé Maria, Luis Pereira, Marinho Peres e Marinho Chagas; Carpeggiani, Rivellino e Dirceu; Valdomiro, Jairzinho e Paulo César Caju. O técnico era Zagallo. Também jogaram Nelinho, Alfredo Mostarda, Piazza, Edu, Mirandinha, Leivinha e Ademir da Guia.
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Final: Alemanha Ocidental 2 x 1 Holanda

  • Gols: Neeskens (HOL) a 1 (pênalti), Breitner (ALE) aos 25(pênalti) e Gerd Müller (ALE) aos 43 minutos do 1º tempo
  • Alemanha Ocidental: Maier; Vogts, Schwarzenbeck, Beckenbauer, Breitner; Bonhof, Overath, Hoeness; Grabowski, Gerd Müller, Hölzenbein. Técnico Helmut Schön
  • Holanda: Jongbloed; Suurbier, Rijsbergen (De Jong), Wim Jansen, Krol; Haan, Van Hanegem, Neeskens; Rep, Cruyff, Rensenbrink (René Van der Kerkhof). Técnico Rinus Michels
  • Árbitro: John Taylor (ING)
  • Público: 75.200 pessoas
  • Local: Estádio Olímpico, em Munique

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