Marrocos consagra saga do futebol africano, que boicotou uma Copa para se impor

África ganhou direito a vaga direta só depois de países se recusarem a disputar vaga na Copa de 1966 na Inglaterra

Paulo Guilherme Guri

Jogadores de Marrocos comemoram classificação às semifinais da Copa Carl Recine/Reuters
Jogadores de Marrocos comemoram classificação às semifinais da Copa
Carl Recine/Reuters

Marrocos é a primeira seleção de um país da África a chegar a uma semifinal da Copa do Mundo. O sucesso do time marroquino consagra uma luta histórica do futebol africano por sua posição de direito no mundo. Foram muitas Copas sem a presença de nenhum representante do continente e essa luta teve até um boicote em massa dos países da África à Copa do Mundo de 1966, disputada na Inglaterra.

A história do Mundial começou já segregando países da África e da Ásia. A primeira Copa do Mundo, de 1930, só teve países das Américas e da Europa. A primeira participação africana foi na Copa de 1934. A Fifa concedeu apenas uma vaga que deveria ser disputara entre África e Ásia. Nas Eliminatórias, Egito e Palestina decidiram a vaga, e os egípcios conseguiram a classificação.

A participação do Egito se limitou ao jogo da primeira fase contra a Hungria. O time resistiu bravamente no primeiro tempo conseguindo um empate por dois gols, mas os húngaros chegaram à vitória na segunda etapa ganhando por 4 a 2.

Nas Copas seguintes, os países africanos continuaram sendo ignorados ou tendo de disputar vaga com países da Ásia. Na Copa de 1958, o Sudão se recusou a jogar contra Israel. Em 1962, Marrocos saiu como o melhor do continente, mas teve de jogar uma repescagem contra a Espanha e não passou.

Boicote

A gota d'água veio na Copa de 1966. Os africanos, revoltados com o regime inglês do apartheid na África do Sul, se recusaram a disputar uma vaga no Mundial. Argélia, Camarões, Egito, Etiópia, Gabão, Gana, Guiné, Libéria, Líbia, Mali, Marrocos, Nigéria, Senegal, Sudão e Tunísia anunciaram que não iriam jogar. A vaga ficou para um país da Ásia, a Coreia do Norte.

A partir desse motim, a Fifa decidiu abrir de vez uma vaga direta para a África a partir da Copa de 1970, deixando Ásia, Oceania e Israel na disputa pela outra vaga.

Marrocos foi quem representou o continente na Copa de 1970. Perdeu para Alemanha Ocidental (2 a 1), Peru (3 a 0) e empatou com a Bulgária (1 a 1).

Em 1974, quem representou a África foi a seleção do Zaire, atual República Democrática do Congo, em uma história dramática que já contamos aqui no blog.

Na Copa de 1978, a Tunísia jogou pela primeira vez e obteve a primeira vitória de uma seleção africana em Mundiais: 3 a 1 sobre o México.

Com o aumento de vagas na Copa, de 16 para 24 países a partir de 1982, a África ganhou o direito de levar duas seleções. Argélia e Camarões se classificaram e já mostraram que o continente tinha um futebol interessante para mostrar. A Argélia venceu a Alemanha por 2 a 1, e Camarões saiu da Copa invicto com três empates, contra Peru, Polônia e Itália.

Na Copa de 1986, Argélia e Marrocos representaram a África, e os marroquinos fizeram bonito, se tornando a primeira seleção do continente a passar para as oitavas-de-final, quando caiu em uma derrota para a Alemanha Ocidental por 1 a 0, gol de falta de Lothar Matthäus.

Em 1990, Camarões foi mais além, chegando às quartas-de-final. No Mundial, seguinte, Camarões e Marrocos não passaram da primeira fase.

A Copa de 1998 teve pela primeira vez o formato com 32 seleções, e a Fifa deu cinco vagas para a África. Marrocos, Camarões, África do Sul, Nigéria e Tunísia disputaram o Mundial, Só a Nigéria chegou às oitavas de final.

Em 2002, Senegal chegou às quartas de final. Em 2006, Gana foi a única equipe africana a passar para as oitavas, quando perdeu para o Brasil. 

Copa na África

Em 2010, a Fifa cumpriu a promessa de promover a primeira Copa do Mundo na África. A sede escolhida foi a África do Sul, que venceu a disputa com Marrocos, Líbia e Egito. O continente africano teve seis seleções participando da Copa: África do Sul, Argélia, Camarões, Costa do Marfim, Gana e Nigéria. 

Só Gana avançou, caindo nas quartas de final diante do Uruguai no polêmico jogo em que Luis Suarez salvou um gol com a mão na prorrogação, e Asamoah Gyan desperdiçou o pênalti. 

O episódio reforçou o preconceito de que o futebol africano era alegre, porém faltava disciplina tática, malícia e competitividade. Em 2014, Argélia e Nigéria chegaram às oitavas, mas não passaram daí. Em 2018, nenhuma das cinco seleções africanas passou da fase de grupos.

A força de Marrocos

Até que chega 2022. Senegal e Marrocos passam para as fases de mata-mata. Senegal cai diante da Inglaterra, mas Marrocos mostra uma força na defesa, experiência em jogos importantes e capacidade de vencer. Se classificou em primeiro lugar no seu grupo com uma importante vitória por 2 a 0 sobre a Bélgica, além de empates com Croácia e Canadá.

Ganha da Espanha nos pênaltis e derrota Portugal por 1 a 0. Agora terá o seu maior desafio, a campeã mundial França. É a chance de fazer história e ser a primeira seleção da África em uma final de Copa do Mundo.

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