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Hitler deixou a Copa de 1938 'capenga', e a bola puniu a Alemanha nazista

Anexação da Áustria deixou o Mundial com só 15 times. Brasil teve o artilheiro Leônidas da Silva fazendo até gol de meia

Paulo Guilherme Guri

Alemanha faz saudação nazista na Copa de 1938 Divulgação/DFB
Alemanha faz saudação nazista na Copa de 1938
Divulgação/DFB

Muricy Ramalho eternizou a frase “a bola pune”, uma versão futebolística para outro jorgão popular, que diz que o mundo não dá voltas, ele capota.

Hitler já tinha levado uma sova do esporte na Olimpíada de 1933, em Berlim, quando preparou toda a festa para promover a ideologia e a supremacia da raça ariana teve de ver o velocista negro norte-americano Jesse Owens lhe roubando toda a glória e levando quatro medalhas de ouro no atletismo.

Não satisfeito, o ditador da Alemanha queria a todo custo um título de Copa do Mundo. Sob a bandeira nazista, os alemães disputaram a Copa do Mundo de 1934, mas caíram nas semifinais diante da Checoslováquia (país que pouco depois seria invadido pelas tropas alemãs). Terminaram em terceiro lugar, derrotando a Áustria por 3 a 2.

Quatro anos depois, entre 11 e 13 de março de 1938, a Alemanha de Hitler anexou a Áustria e, por consequência, o futebol austríaco passou para o domínio alemão. Alemanha e Áustria estavam classificadas para disputar a Copa do Mundo daquele ano na França.

Os alemães pegaram nove dos melhores jogadores austríacos para a sua seleção. E a vaga que seria da Áustria ficou vazia. A Fifa chegou a convidar a Inglaterra para participar, mas os ingleses negaram. A Letônia, que tinha ficado atrás da Áustria nas eliminatórias, pediu para participar, mas o pedido foi negado. Assim, a Copa do Mundo de 1938 teve apenas 15 (e não 16) participantes. A tabela ficou capenga.

O torneio já começava no mata-mata das oitavas-de-final. Com a ausência da Áustria, o sorteio deixou a Suécia sem adversários, passando direto para as quartas-de-final.

A Alemanha viu seu sonho ruir logo na estreia. Ficou no empate por 1 a 1 com a Suíça no tempo normal e, após duas prorrogações seguidas sem sair gol, marcaram uma nova partida.

 No segundo jogo, a Alemanha abriu 2 a 0 no primeiro tempo. “Integrantes da comissão técnica resolveram enviar um telegrama ao ditador Adolf Hitler relatando a vitória parcial”, escreve o historiador Lycia Velloso Ribas no livro “O Mundo das Copas”.

No segundo tempo, a Suíça virou o jogo para 4 a 2 e a Alemanha nazista foi embora para casa. A bola pune.

Leônidas fez até gol do meia

O Brasil foi bem. Leônidas da Silva assombrou a França na Copa do Mundo de 1938 quando apresentou pela primeira vez a sua maior criação: a bicicleta. Até então, ninguém nunca tinha pensado no lance mais plástico e difícil para um jogador de futebol: de costas para o gol, lançar uma perna para o alto e, em seguida, soltar a outra de encontro com a bola em pleno ar.

Ele protagonizou a primeira bicicleta de uma Copa do Mundo na partida contra a Checoslováquia, a segunda do Brasil naquele Mundial. “Planicka, goleiro checo, precisou de toda a sua experiência para evitar um gol histórico, um gol inédito para os torcedores europeus que nunca tinham visto igual”, escreveu o jornalista André Ribeiro na biografia de Leônidas, “O Diamante Eterno”. “Para Leônidas, era uma jogada comum. Desde garoto vivia executando o lance nas areias das praias e pelas ruas do Rio de Janeiro.”

Leônidas tinha 1,65 metro, pesava pouco mais de 60 kg, era leve e ágil, dava pedalas e tinha um chute muito potente. Era um atacante completo. Jogou a Copa do Mundo de 1934 e fez o único gol do Brasil na derrota para a Espanha, a única partida da Seleção naquele Mundial. Em 1938, mais experiente, teve uma atuação digna de um Romário na conquista do tetra.

Se fosse hoje Leônidas seria um rei do Tik Tok, tamanha a variedade de jogadas que ele era capaz de protagonizar. Na estreia do Brasil na Copa de 1938, contra a Polônia, Leônidas da Silva fez três gols. O jogo terminou empatado no tempo normal por 4 a 4 e o Brasil venceu ao final de uma extenuante prorrogação por 6 a 5. O sexto gol foi de Leônidas foi outra revolução do craque: um gol de meia.

O campo foi ficando encharcado pela chuva, e em uma jogada confusa, a chuteira de Leônidas abriu e ele acabou descalço. Com o pé de meia todo enlameado, ele mandou a bola para as redes sem que o juiz percebesse. Revolucionário.

O Brasil perdeu para a Itália na semifinal por 2 a 1 e terminou em terceiro lugar após vencer a Suécia por 4 a 2.A Itália foi bicampeã mundial e Leônidas foi o artilheiro da Copa do Mundo com sete gols.

Copa do Mundo de 1938

  • Período: 05 a 19 de junho de 1938
  • País-sede: França
  • Campeão: Itália
  • Vice-campeão: Hungria
  • 3º lugar: Brasil
  • 4º lugar: Suécia
  • Artilheiro: Leônidas da Silva (Brasil), 7 gols
  • Participação do Brasil: terceiro colocado. O time era Walter, Domingos da Guia e Machado; Zezé Procópio, Martim e Affonsinho; Lopes, Romeu, Leônidas, Perácio e Hércules. Também jogaram Batatais, Jaú, Nariz; Britto, Brandão, Argemiro,  Roberto, Luizinho, Tim e Patesko. O técnico era Ademar Pimenta.
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Final: Itália 4 x 2 Hungria

  • Gols: Colaussi (ITA) aos 6, Titkos (HUN) aos 8, Piola (ITA), aos 19 e Colaussi (ITA) aos 35 minutos do 1º tempo; Sarosi (HUN) aos 25 e Piola (ITA) aos 37 minutos do 2º tempo.
  • Itália: Olivieri; Foni, Rava; Serantoni, Andreolo, Locatelli; Biavati, Meazza, Piola, Ferrari, Colaussi. Técnico: Vittorio Pozzo
  • Hungria: Szabo; Polgar, Biro; Szalay, Szücs, Lazar; Sas, Vincze, Sarosi, Zsengeller, Titkos. Técnico: Alfred Schaffer
  • Árbitro: George Capdeville (FRA)
  • Público: 45.000 pessoas
  • Local: Estádio Olympique Colombes, em Paris

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