Botafogo cumpre "Fair Play Financeiro"? Economista diz que Textor faz "comparação irreal"

César Grafietti, citado pelo dono do Botafogo, já apresentou modelo de Fair Play Financeiro para CBF e clubes; entenda como funcionaria

Por Allan Brito

Cesar Grafietti
Reprodução/ Convocados

Nesta semana, cresceu o debate sobre a possível criação de um "Fair Play Financeiro" no futebol brasileiro. Alguns clubes se reuniram na CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para falar do tema. E o americano John Textor, dono da SAF do Botafogo, publicou nas redes sociais que o time segue integralmente o "Fair Play Financeiro" da Uefa (União das Associações Europeias de Futebol). Mas de acordo com Cesar Grafietti, economista especialista no assunto, a comparação feita por Textor é "irreal".

Textor fez essa declaração para criticar um jornalista e indicou justamente Cesar Grafietti para falar sobre as finanças do Botafogo. O economista explicou que o americano pode estar certo, mas não há como ter certeza sobre essa declaração dele, pois falta tempo e transparência para tal conclusão.

"Fazer uma comparação do Botafogo em qualquer modelo europeu é irreal. Por exemplo: o modelo da Uefa faz a conta usando prejuízos acumulados de 3 anos. A SAF do Botafogo vai finalizar o segundo ano agora. No ano passado o Botafogo estourou. Neste ano não sabemos. O dirigente fala aquilo que a torcida quer. Para tentar abordar esse ponto seria importante mostrar se a receita subiu. O Botafogo teria que mostrar a renda a cada 6 meses, mas falta transparência. Fazer essa comparação é irreal", concluiu Cesar.

Em relação aos altos investimentos de Textor no Botafogo, Cesar considera normal: "Sempre que alguém compra uma empresa que está em dificuldades, tem que reformar. É natural que, em um primeiro momento, faça isso, um grande aporte. Todo mundo tem que entender isso. Mas ninguém tem bolso infinito. Ninguém vai botar R$ 300 ou R$ 400 milhões todo ano. Não tem bolso sem fundo. Em um primeiro momento é normal que se faça reforço de caixa".

Inclusive no Fair Play Financeiro da Uefa existe algo que prevê esse tipo de investimento inicial para reformar a casa: "Na Uefa os clubes são autorizados a ter 60 milhões de euros de prejuízo na soma de 3 anos. Mas a Uefa autoriza que cada clube tenha até 90 milhões de prejuízo, se tiver aporte de um acionista". Essa diferença que pode ser "coberta" por um dono é até maior em países com regras específicas, como na Inglaterra.

"Fair Play Financeiro" de Cesar Grafietti

Cesar já foi convidado para fazer modelos de "Fair Play Financeiro" diversas vezes. Entre 2018 e 2019, com a CBF comandada por Rogério Caboclo, havia um interesse maior da entidade. Cesar disse que naquela época os clubes não quiseram ser controlados, mas vê uma mudança nesse cenário agora.

"Em 2018, naquele momento, teve mais vontade da CBF. Os clubes tinham mais dificuldades de aceitar. Mas agora, neste momento, todo mundo amadureceu. De forma tardia, mas começaram a perceber que precisam de um controle. Perceberam que, se tivessem implementado dois anos atrás, teríamos um sistema organizado agora", explica ele.

Quando os clubes se reuniram para tentar criar uma liga que organizasse o Campeonato Brasileiro a partir de 2025, Cesar criou um novo modelo, pois era necessário atualizar aquele de 2018. A criação da liga única não foi adiante. Mas Cesar entende que aquele novo modelo, finalizado no final de 2022, está pronto para ser aplicado.

Esse sistema de Fair Play Financeiro seria focado em, inicialmente, controlar as dívidas dos times brasileiros. "Se olharmos os perfis dos clubes brasileiros, os que têm menos dívidas conseguem melhor desempenho. Clubes com excesso de dívidas gastam mais tempo e dinheiro para pagar dívidas. Tem que trabalhar a dinâmica de duas ideias: controlar as dívidas, fazer com que reduzam, e com isso controlar os gastos. Clubes com maiores dívidas podem gastar menos. E clubes com menores dívidas podem gastar mais".

Cesar deu exemplos práticos do que vemos hoje no futebol brasileiro.

O Fortaleza deve pouco, então pode gastar 80% a 90% da receita, porque não precisa sobrar dinheiro para pagar dívida. Já o Corinthians tem que sobrar dinheiro pra pagar dívidas. Tem que combinar as duas coisas para garantir que as dívidas sejam pagas

Além disso, é importante existir algum controle sobre os valores investidos em transferências. No Fair Play da Uefa o gasto total de um time não pode ultrapassar uma porcentagem determinada da renda conquistada em um ano. E nesse gasto total existem várias despesas, inclusive os valores das contratações - mesmo quando forem parcelados.  

"Quando você contrata um jogador, por exemplo, por 100 milhões. Você tem que amortizar isso pelo prazo do contrato, que normalmente é de 5 anos. Então ficaria uma despesa de 20 milhões por ano para o cálculo de gastos. Se você só pode gastar 70% da renda, tem que considerar nesses gastos os salários, os encargos, as amortizações e os pagamentos para agentes dessa transferência".

Dessa forma o valor da transferência fica espaçado ao longo do tempo, mas existe um controle claro.

Questionado se acredita que veremos algum modelo de Fair Play Financeiro no futebol brasileiro, Cesar diz que tem esperança, mas alerta: "Os clubes têm que olhar para isso como um sistema, não individualmente. Se um time passa a ter problemas, atrasar pagamentos, atrasar imposto, atrasa todo o sistema. Isso que o Corinthians está fazendo vai forçar outros times a fazerem a mesma coisa, tendo ou não condição. Eles precisam dar uma resposta. E aí um time que não tem condição destrói toda a cadeia".

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