
No final da década de 1990, o nome de Jorg Müller virou pivô de um certo incômodo no automobilismo internacional. Afinal, o alemão havia sido campeão da Fórmula 3000 em 1996, mas jamais recebera uma chance real na Fórmula 1 - um caso até então inédito desde que a categoria havia começado a ser disputada em 1985.
A Fórmula 3000 deu lugar em 2005 à GP2, que virou a atual Fórmula 2 a partir de 2017. No entanto, o que parecia um caminho livre para a Fórmula 1, aos poucos, virou uma alternativa incerta. Na GP2, campeões como Davide Valsecchi (2012) e Fabio Leimer (2013) ficaram fora do grid. Na Fórmula 2, Oscar Piastri (campeão de 2021) só conseguiu uma vaga na F1 em 2023, Felipe Drugovich (campeão de 2022) virou piloto de testes da Aston Martin e Théo Pouchaire (vencedor de 2023) vai ser reserva no WEC depois de disputar poucas provas em 2024 pela Super Fórmula e pela Indy.
Esse cenário na Fórmula 2 (e nas antecessoras) coincide com a ascensão de uma “concorrência”: as academias de formação de pilotos das próprias equipes da Fórmula 1.
Do grid atual da Fórmula 1, a primeira a tirar o projeto do papel foi a McLaren. Em 1998, a parceria entre McLaren e Mercedes recrutou diversos pilotos em categorias inferiores para pavimentar o caminho até a F1. Daquele primeiro ano, três nomes conseguiram: Lewis Hamilton (então no kart), Ricardo Zonta (então no Mundial de GT) e Nick Heidfeld (da Fórmula 3000).
O programa foi copiado por outras equipes e marcas no ano seguinte. O Red Bull Junior Team surgiu em 2001, antes mesmo de a marca austríaca contar com equipes próprias na Fórmula 1. A Renault lançou sua academia em 2002. A iniciativa da Ferrari veio em 2009. Aos poucos, todas as escuderias seguiram o mesmo caminho - a mais recente é a da Aston Martin, de 2021.
Responsabilidades desde jovem
Nas academias, o projeto é formar jovens talentos desde cedo para encaminhá-los às equipes. Para isso, oferecem uma formação que nem sempre as categorias de acesso conseguem oferecer: treinamentos físicos, trabalho em simuladores de carros de Fórmula 1, media training e visitas a fábricas. Desde cedo, o piloto já passa a fazer parte da rotina de uma equipe da F1.
“Sempre tem alguém olhando você, como você faz, dentro e fora da pista”, explicou Caio Collet, integrante do projeto da Alpine entre 2019 e 2022, em entrevista ao Band.com.br em março de 2022. “Fora da pista, cada vez que você sobe um degrau, eles colocam mais coisa para você fazer.”
Mas será que as academias são fundamentais? Para quem assiste à Fórmula 2, a adaptação pode parecer natural - mas não é. Entre a Fórmula 1 e o “último degrau”, a distância ainda é grande.
“Os carros são muito diferentes, há muitas coisas no carro. Os treinos (físicos) são muito diferentes - as corridas são mais longas e o esterço muda, então você não trabalha tanto isso, mas trabalha o pescoço”, explicou Oscar Piastri, atualmente na McLaren, em entrevista coletiva durante o fim de semana do Grande Prêmio de São Paulo.
Nesse caso, o trabalho de formação das equipes é importante para preparar o piloto para um cenário complexo na Fórmula 1, bem diferente do que se vê nas outras categorias. Assim, segundo Piastri, mesmo os pilotos mais jovens começam a se adequar com uma competição que exige muito mais compromisso e responsabilidade.
“Na Fórmula 2, e em tudo antes da Fórmula 1, todas as equipes recebem um carro da Dallara ou de quem quer que seja, e aí você tem umas coisas que pode mudar no carro e é só. Na Fórmula 1, você constrói tudo”, disse.
“Na Fórmula 2, eu trabalhava com umas 30 pessoas ao todo. Hoje, acho que tenho mais de 30 pessoas trabalhando apenas no meu carro, e você tem 100 pessoas construindo o carro, engenheiros na fábrica. É um mindset muito, muito diferente, eu diria. Quando você está na Fórmula 2, você não sente que tem tanta responsabilidade.”
Talentos ofuscados?
Mas se as academias oferecem uma preparação bastante sólida para os pilotos participantes, acabam diminuindo as chances de quem brilha fora delas. Nomes como Max Verstappen e Esteban Ocon chegaram à Fórmula 1 sem passarem pela GP2 ou pela Fórmula 2, mas com o apoio de academias - respectivamente da Red Bull e da Mercedes.
Em 2025, será a vez de nomes como Andrea Kimi Antonelli e Oliver Bearman. O italiano chega à categoria como uma aposta a longo prazo da Mercedes, após ser campeão da Fórmula Regional Europeia em 2023 e de uma temporada apenas protocolar na F2 em 2024. O britânico será titular da Haas após o 12º lugar na F2, mas, chega respaldado pelas primeiras experiências na F1 e pela passagem pela academia da Ferrari.
“Acho que a Fórmula 2 tem preparado muito bem os pilotos. Mas acho que, independente desse preparo que ela tem feito para os pilotos, a Fórmula 1 tem escolhido os pilotos das academias de pilotos”, analisou Felipe Drugovich em entrevista à imprensa brasileira no GP de São Paulo.
O paranaense entrou para o projeto da Aston Martin depois de ser campeão da Fórmula 2, e vê que as academias podem encurtar o caminho de jovens pilotos, “independente de eles terem talento suficiente ou a capacidade de estar na F1 ou não”.
“Acho que a história está mudando um pouco, não sei se para o bem ou para o mal ainda. A gente tem que esperar para ver os resultados deles na Fórmula 1. Mas com certeza não é o que todos esperávamos: ‘vou ganhar a Fórmula 2 e vou estar na Fórmula 1 ano que vem’”, completou.
Volta às origens?
A temporada 2025 da Fórmula 1 será marcada, entre outros fatores, pelo grid cheio de novatos. Entre os pilotos que disputaram a Fórmula 2 em 2024, quatro serão titulares na F1 em 2025: Gabriel Bortoletto (Sauber), Andrea Kimi Antonelli (Mercedes), Oliver Bearman (Haas) e Isack Hadjar (Racing Bulls).
A lista de caras novas, no entanto, não para por aí. Jack Doohan, que disputou a F2 em 2023, foi reserva da Alpine em 2024 e assumiu no fim do ano a vaga que pertencia a Esteban Ocon. Franco Colapinto, outro do grid de F2 em 2024, chegou à F1 no mesmo ano pela Williams. Liam Lawson, terceiro da F2 em 2022, disputou provas pontuais na F1 em 2023 e 2024 antes de se tornar titular da Red Bull em 2025.
Para o CEO da Fórmula 2, Bruno Michel, a chegada de tantos jovens mostra não apenas que sua categoria segue firme no propósito de revelar talentos, como também que a Fórmula 1 está mais atenta ao celeiro de pilotos.
“As equipes da Fórmula 1 disseram: ‘Uau, talvez estivéssemos errados. Talvez precisemos olhar com mais cuidado para o que estes jovens pilotos estão fazendo’”, disse o dirigente em declarações ao documentário Rookies, lançado pela F2 no começo de fevereiro para retratar a rotina dos novatos promovidos no fim de 2024.
“Mas algo que mudou muito com o passar dos anos é o papel das academias das equipes da Fórmula 1. Estas academias seguem os pilotos e ajudam eles a subir os degraus se forem suficientemente bons”, reconheceu.