A temporada 2023/2024 marcará os dez anos da bem-sucedida história da Fórmula E. Desde que realizou seu primeiro E-Prix, em 13 de setembro de 2014, a categoria de monopostos elétricos atraiu pilotos e marcas de renome, além de levar seu propósito sustentável a grandes cidades ao redor do mundo – inclusive São Paulo, que entrou no calendário em 2023.
Mas antes mesmo daquela primeira corrida vencida por Lucas di Grassi em Pequim, o automobilismo já realizava algumas experiências com carros elétricos - inclusive aqui no Brasil. No caso, com a Fórmula SAE Brasil.
Para contar essa história, é preciso voltar no tempo, ao fim da década de 1970. Em 1978, integrantes da SAE (sigla em inglês para Sociedade de Engenheiros Automotivos) na Universidade de Houston (EUA) decidiram criar uma competição, na qual estudantes universitários seriam "contratados" por equipes fictícias para desenvolver monopostos. Cada “equipe” seria responsável por projetar, construir, testar e pilotar seus próprios carros.
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Uma primeira prova, chamada SAE Mini-Indy, foi realizada em 1979 na própria universidade. O evento não foi muito adiante, mas inspirou integrantes da SAE que faziam parte do corpo docente da Universidade do Texas a realizar uma competição semelhante em 1980. O evento contava com o apoio de grandes montadoras, que viam ali a oportunidade de garimpar jovens talentos da engenharia.
Daí em diante, a Fórmula SAE começou a ser realizada anualmente em universidades norte-americanas. Mais tarde, a competição ganharia versões internacionais, na Austrália (desde 2000), no Japão (em 2003) e no Brasil (a partir de 2004). Nos anos seguintes, a fórmula se repetiu em países como Alemanha, Espanha, Áustria e Canadá, entre outros.
Com o passar do tempo, a competição criou duas divisões ao redor do mundo: a competição de motores a combustão e a competição de carros elétricos. A primeira edição elétrica veio na Fórmula Student (Alemanha) de 2010, vencida pela Universidade de Stuttgart. A novidade chegou ao Brasil na edição de 2012, com vitória da equipe da Unicamp. No mesmo ano, Itália e Japão deram início às respectivas competições elétricas.
"A gente segue bastante os moldes do que a Fórmula SAE faz no mundo inteiro. São mais de 12 etapas ao redor do mundo. Os Estados Unidos têm três etapas, a Europa tem três ou quatro etapas, a Ásia tem também. Os Estados Unidos geralmente puxam a fila. Nessa época, eles estavam discutindo ter uma formula elétrica", lembra Renato Kazuo, diretor geral do comitê técnico da Fórmula SAE Brasil.
"A Fórmula SAE começou no Brasil em 2004, e as primeiras conversas dela (competição de elétricos) foram em 2009, 2010. No primeiro protótipo, foram soldadas à mão 1.225 baterias de celular, para fazer o protótipo andar no final de 2010. Em 2012, conseguimos começar a primeira competição efetiva", afirmou também.
A competição
Cada edição da Fórmula SAE Brasil dura de três a cinco dias, colocando nas pistas carros de motores a combustão e carros elétricos. Mas para falarmos da programação, é preciso primeiro falar da preparação anterior.
Meses antes de cada edição, as equipes enviam à organização todo o planejamento para a temporada - projeto, estrutura e relatório de custos, entre outros detalhes. Cada planejamento é avaliado por engenheiros especialistas, como uma primeira parte de análise dos protótipos.
Mais tarde, durante a competição, os carros são avaliados em provas estáticas no primeiro dia, para que a organização confira se cada carro equivale ao projeto apresentado anteriormente. Design, custos, fabricação e apresentação conferem pontos a cada time.
Na sequência, é a vez das provas dinâmicas, que avaliam aceleração, resistência e economia de combustível ou energia, entre outros quesitos. As equipes que somarem mais pontos ao longo dos três dias são declaradas vencedoras.
Mas para quem está esperando ver uma corrida cheia de disputas por posições, é bom não se empolgar demais. Uma das avaliações, por exemplo, é feita na prova de endurance, na qual cada protótipo tem que vencer um percurso de 22 km - mas, em geral, com um carro de cada vez.
"Nesse momento, a gente chega a ter três, quatro carros na pista ao mesmo tempo. Quando um chega atrás do outro, o da frente é obrigado a dar passagem, sem disputa de posição", explicou Renato Kazuo. "Eles chegam a correr quatro protótipos dentro da mesma pista, mas tem pontos de ultrapassagem para deixar o outro ultrapassar. Vence a competição quem somar mais pontos."
Segundo o dirigente, a ideia é evitar a exposição de pilotos - todos estudantes - aos riscos de uma competição real. "Não é uma corrida de carro, é uma competição de engenharia", lembra Kazuo, que participou das edições de 2004 e 2005 da Fórmula SAE como engenheiro de equipe, antes de ser convidado em 2006 para ser juiz das disputas.
Aí, ao fim da programação, a organização define as equipes vencedoras. Passada toda a programação, as melhores classificadas ganham o direito de participar de duas provas internacionais dos Estados Unidos: Formula SAE Michigan (a original, disputada desde a década de 1980) e Formula SAE Lincoln (desde 2006).
Padrinho mágico
Nos últimos anos, a Fórmula SAE Brasil ganhou o apoio de um nome bastante conhecido: Lucas di Grassi. Piloto da Fórmula E, o paulista é um entusiasta dos carros movidos a energia elétrica, e tem acompanhado de perto as disputas entre os estudantes.
"Eu fiz uma palestra para os estudantes há alguns anos, acho que em 2019, e já naquele encontro troquei algumas ideias com eles. Tinha alguns carros lá e uma equipe me pediu para entrar nele", contou Di Grassi ao blog, que aponta paralelos "conceituais" entre a F-E e a F-SAE Brasil.
"Ambas são competições que promovem o conhecimento sobre mobilidade elétrica. Eles (estudantes) estão aprendendo os primeiros passos e é importante que sejam incentivados a continuar nesse caminho", acrescentou.
O diálogo entre os estudantes e o piloto ganhou um capítulo importante na temporada 2022/2023 da Fórmula E: durante o E-Prix de São Paulo, Lucas di Grassi recebeu os futuros engenheiros nos boxes da Mahindra para trocar ideias. Para ele, a experiência dos estudantes tende a se mostrar valiosa no futuro.
"O Brasil está muito atrasado tecnologicamente. Muitos desses meninos e meninas são a geração que vai poder trabalhar em grandes empresas no exterior, voltar ao país e trazer com eles ideias e projetos que poderão ajudar a avançar nossa tecnologia. Então, é muito importante que já saiam daqui com uma boa base mais prática, com um pouco de mão na massa, que é o que esse projeto oferece a nível universitário."
Interessou? A edição 2023 da Fórmula SAE Brasil, a 19º da história, acontece em Piracicaba (SP) entre os dias 2 e 6 de agosto. Em 2022, a disputa atraiu 75 equipes, sendo 51 de motores a combustão e 24 de carros elétricos.
Emanuel Colombari é jornalista com experiência em redações desde 2006, com passagens por Gazeta Esportiva, Agora São Paulo, Terra e UOL. Já cobriu kart, Fórmula 3, GT3, Dakar, Sertões, Indy, Stock Car e Fórmula 1. Aqui, compartilha um olhar diferente sobre o que rola na F-1.