Olá, amigos.
Não era preciso ter bola de cristal para saber que a corrida em Sochi, neste domingo, reunia todos os ingredientes capazes de oferecer um grande espetáculo: desenvolvimento imprevisível e alternância de cenários patrocinada também pela possibilidade real de chover. Não há como negar que foi ao que assistimos ao longo das 53 voltas do GP da Rússia, 15ª etapa de um calendário previsto para ter 21.
Muitas perguntas vieram à tona depois de Lewis Hamilton conquistar com o modelo W12 da Mercedes a impressionante 100ª vitória na brilhante carreira, já com sete títulos mundiais. Uma das principais nem diz respeito ao notável feito de Hamilton ou da devastação emocional do talentoso Lando Norris, de 21 anos, líder da prova da 13ª a 28ª volta e da 37ª a três da bandeirada, 50ª volta.
Na realidade, o avanço de Max na corrida como um todo, não apenas no final, foi um dos muitos pontos de elevado interesse de quem estava no autódromo da riviera eslava ou acompanhava a transmissão do GP da Rússia. Espetacular!
Chuva, santa chuva!
Vale a pena acompanhar a trajetória de Max, notadamente a partir do ponto que começou a cair uma leve chuva em Sochi. Você entenderá a proeza do piloto holandês e de sua escuderia para fazer com que o prejuízo na luta pelo título com Hamilton fosse o menor possível. Max deixou a Rússia apenas dois pontos atrás de Hamilton, novo líder do mundial, 246,5 a 244,5.
Christian Horner, diretor da Red Bull-Honda, deu a entender que seu time considerava sair de Sochi com Max mais distante de Hamilton. "É um traçado que os favorece. Venceram todas as corridas realizadas até agora aqui." De fato, a Mercedes ganhou as sete edições do GP da Rússia.
Estamos na 47ª volta. De novo: a corrida teve 53. Norris lidera com pneus Pirelli duros colocados na 28ª volta. Hamilton, com duros da 26ª, está em segundo, apenas 996 milésimos atrás. A seguir, em terceiro, encontra-se Sérgio Perez, da Red Bull-Honda, com médios da 36ª volta, a distantes 39s896 de Hamilton.
Vai vendo como Max estava longe do pelotão da frente. Depois de Norris em primeiro, Hamilton, segundo, e Perez, terceiro, o espanhol Carlos Sainz Júnior, da Ferrari, com duros da 14ª volta, vinha em quarto, a 1s758 de Perez. Fernando Alonso, da Renault, ocupava a quinta colocação, com médios da 36ª volta, a 3s177 de Sainz, seguido por Daniel Ricciardo, McLaren-Mercedes, com duros da 22ª volta, 1s146 atrás, e Max, sétimo, de médios da 26ª volta, a 3s446 de Ricciardo e a 50s419 do líder, Norris.
A essa altura, as chances de Hamilton ultrapassar Norris e vencer pareciam ser boas. O carro da Mercedes demonstrava estar mais rápido. Hamilton disse depois, porém, que sem a chuva seria difícil ultrapassá-lo.
De repente, na volta seguinte, a 48ª, a chuva começa a cair. Pilotos e seus engenheiros ficam em dúvida sobre entrar nos boxes para substituir os pneus lisos pelos intermediários.
Decisão oportuna
A dupla de estrategistas da Red Bull, Hannah Schmitz e Will Courtenay, não hesita e chama Max para trocar os pneus lisos pelos intermediários. Não tinham muito a perder e basearam-se na previsão que apontava chuva até mais forte a seguir. A decisão vai se mostrar decisiva para Max crescer na classificação.
Mas não foi somente Max que entrou nos boxes para colocar os pneus intermediários na 48ª volta. Dois pilotos que estavam na sua frente fizeram o mesmo: Sainz Junior, quarto, 7s769 na frente de Max, sétimo, e Ricciardo, sexto, 3s446.
Alonso, quinto, 4s592 na frente de Max, e Perez, terceiro, 9s527, parariam duas voltas mais tarde, na 50ª, quando a chuva era de fato intensa. Esse atraso na troca dos lisos pelos intermediários custaria caro aos dois.
Braço ainda faz diferença
Apesar de Max, sétimo, Ricciardo, sexto, e Sainz Júnior, quarto, terem parado na 48ª volta para substituir os pneus, Max ganha a posição dos dois. E nem foi por seus mecânicos terem sido mais rápidos no pit stop. Veja: Max precisou de 31s017 para entrar nos boxes, realizar a troca de pneus e sair. Sainz, 30s677. Ricciardo, 31s016.
A grande diferença quem fez foi o próprio Max na volta seguinte, com os pneus intermediários. Nessas condições, com seu controle do carro acima da média o holandês consegue ser mais veloz. A volta de saída de Max, depois da parada, foi em 2min03s080. A de Sainz, 2min12s870. E a de Ricciardo, 2min10s096.
E nós vimos nos tempos do pit stop que essa diferença não vem daí, pois foram pequenas entre os três. Max foi nada menos de 9s790 mais rápido que Sainz e 7s016, em uma única volta, na mesma hora.
Ok, há um atenuante para Sainz e Ricciardo, mas que não justifica tamanha diferença no tempo de volta: ambos deixaram os boxes com pneus intermediários usados enquanto Max, por não ter disputado a classificação, novos.
Pneus de sobra
Como a Red Bull decidiu aproveitar que Max perderia três posições no grid em razão da punição pelo ocorrido em Monza - acidente com Hamilton -, a equipe trocou os seis componentes da sua unidade motriz. Assim, por saber que largaria em último, Max deu apenas duas voltas no Q1, sábado, como um shakedown, teste para ver se tudo estava ok para o dia seguinte, o da corrida. Max tinha pneus de sobra, para pista seca e molhada.
O que aconteceu no fim da 49ª volta do GP da Rússia? Obviamente Max cruzou a linha de chegada na frente de Sainz e Ricciardo. Mas seguiu em sétimo porque Charles Leclerc, da Ferrari, e Sebastian Vettel, Aston Martin, não pararam, seguiram com pneus lisos, mesmo chovendo.
Ainda na 49ª volta, pudemos ouvir a conversa de Norris com o seu engenheiro, William Joseph. O técnico lhe pergunta o que achava de entrar nos boxes para instalar os pneus intermediários. Nem bem acabou de falar e William ouviu um sonoro “No!”.
Hamilton não fez o mesmo. Na passagem anterior, já não havia atendido à chamada de seu engenheiro, Peter Bonnington, mas na 49ª viu que Norris estava mais rápido, tinha de tentar algo. E, como disse mais tarde, a equipe trabalhou com a previsão de a chuva aumentar.
Vamos para a 50ª volta. Norris ainda a conclui como líder, apesar dos pneus lisos, a 14s995 de Hamilton, já com intermediários. Nessa volta, tanto Alonso quanto Perez e Vettel, que estavam na frente de Max, fazem a sua parada. O holandês ultrapassa Leclerc, ainda com pneus lisos, e sobe de sétimo na 49ª volta para terceiro na 50ª. Ganhou as posições de Alonso, Perez, Vettel e Leclerc.
Pit stop muito tardio
Repare como ter parado logo para colocar os intermediários, 48ª volta, e o ritmo elevado depois levaram Max a crescer bastante na classificação. E como Alonso, Perez e Vettel perderam tempo precioso na 49ª volta, por causa do aumento da chuva. Você se recorda, estavam com pneus lisos?
Na 51ª volta, Hamilton passa Norris, tentando sair da molhada área de escape asfaltada da curva 7. Max também ganha sua posição e já é segundo, pelos acontecimentos descritos, a 53s234 do inglês da Mercedes. Sainz vem em terceiro, 6s159 atrás, e Ricciardo, quarto, a 5s772 do espanhol.
Depois tínhamos Valtteri Bottas, Mercedes, quinto, e Alonso, sexto. No fim da 51ª Norris finalmente vai para os boxes. Foi um grande aprendizado para esse campeão do mundo em potencial.
Norris entrou para fazer a troca de pneus ainda em quarto, voltou em oitavo e ultrapassou Kimi Raikkonen, da Alfa Romeo, na 53ª e última volta, para receber a bandeirada em sétimo.
11 ultrapassagens até os pingos começarem a cair
Nós descrevemos, até aqui, apenas as sete últimas voltas da corrida para explicar como Max conseguiu somar tantos inesperados pontos. Mas para aproveitar a oportunidade rara surgida, era preciso estar no lugar certo, na hora certa e realizar tudo com precisão.
Quer saber como Max foi capaz de largar em último e ocupar o sétimo lugar na 47ª volta? Vamos lá.
Antes, uma informação: em 2018, Max também iniciou o GP da Rússia lá atrás, em 18º, pelo mesmo motivo deste ano, troca da unidade motriz, Renault na época, e terminou em ótimo quinto. Desta vez as condições ajudaram e foi um pouco mais longe.
O holandês largou, neste domingo, com pneus duros, no 20º lugar do grid.
- Volta 1 – Max ultrapassa Mick Schumacher, da Haas, Antonio Giovinazzi, Alfa Romeo, e Yuki Tsunoda, Alpha Tauri. É 17º.
- Volta 2 – Ultrapassa Nicolas Latifi, Williams. É 16º.
- Volta 4 – Ultrapassa Nikita Mazepin, Haas. É 15º.
- Volta 6 – Ultrapassa Bottas. É 14º.
- Volta 8 – Ultrapassa Pierre Gasly, Alpha Tauri. É 13º.
- Volta 10 – Ultrapassa Leclerc. É 12º.
- Volta 12 – Lance Stroll, da Aston Martin, então quarto, faz o pit stop e Max ultrapassa Sebastian Vettel, do time de Stroll. Max é décimo.
- Volta 14 – Sainz, terceiro, realiza sua parada. Max é nono.
- Volta 15 – Esteban Ocon, Alpine, oitavo, e Raikkonen, décimo, vão para o pit stop. Max é sexto.
- Volta 22 – Ricciardo faz o pit stop. Max é quinto.
- Volta 26 – Max realiza sua parada, ao mesmo tempo de Hamilton. Max largou com pneus duros, por isso deixa os boxes com médios para as 27 voltas restantes. A estratégia de Hamilton é oposta. Iniciou a prova com médios para concluí-la com duros. Max cai para 12º, mas Leclerc, quarto, Gasly, quinto, e Bottas, sétimo, ainda não pararam.
- Volta 27 – Max ultrapassa George Russell, Williams. É 11º.
- Volta 28 – Bottas vai para sua parada. Max é décimo.
- Volta 32 – Ultrapassa Stroll. É nono.
- Volta 33 – Gasly realiza o pit stop. Max é oitavo.
- Volta 35 – Leclerc vai para os boxes. Max é sétimo.
- Volta 36 – Perez, líder, e Alonso, quarto, fazem pit stop. Max é sexto porque Perez segue na sua frente. Já Alonso volta à pista atrás de Max.
- Volta 38 – Alonso ultrapassa Max, que cai para sétimo.
- Volta 48 – A partir daí o desenvolvimento da corrida foi abordado na parte inicial do texto.
Fontes de dados
Você quer saber de onde vêm todos esses dados disponibilizados até em milésimos de segundo? Das minhas anotações da corrida associadas às informações existentes no site da FIA. Veja aqui.
Utilizei os documentos Race Lap Chart, Race History Chart, Pit Stop Summary e Lap Analysis. Da Pirelli consultei o quadro com as trocas de pneus de cada piloto e em que voltas foram realizadas, distribuído para nós da imprensa. Informa, ainda, se são novos ou usados.
Se você tiver paciência de pesquisar, logo entende como utilizar os dados da FIA dispostos em tabelas. Esse exercício te oferece uma visão mais profunda do ocorrido nas competições. Recomendo. Abraços.
Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.