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Não acredito em ação deliberada de Max ou Hamilton para provocar um incidente e conquistar o título

Livio Oricchio

Duelo Max x Lewis - Foto: F1

Olá, amigos.

Pessoas que sabem da minha vivência no mundo da F1 me perguntaram, com frequência, na semana passada, se acredito que Max Verstappen será capaz de provocar um acidente com Lewis Hamilton no GP da Arábia Saudita, no fim de semana, a fim de tirar proveito dos 8 pontos que tem a mais na classificação do campeonato.

Com o adversário fora da disputa no perigoso Circuito de Jeddah, estreante no calendário, bastaria a Max receber a bandeirada em segundo para garantir a conquista do seu primeiro título. O Bandsports transmite o primeiro treino livre nesta sexta-feira a partir das 10h30, horário de Brasília.

Mais: no caso de Hamilton sair da pista árabe como líder na classificação, se ele não poderia provocar um acidente com Max na prova de encerramento da temporada, dia 12, no renovado Circuito Yas Marina, em Abu Dhabi, para tornar-se o recordista absoluto da história, com oito títulos. Michael Schumacher tem, como Hamilton hoje, sete.

Respondo curto e grosso: não acredito! Se acontecer de os dois ficarem no caminho nas duas provas finais, como vimos este ano em Silverstone, décima etapa, dia 18 de julho, e Monza, 14ª, 12 de setembro, será em razão de incidentes de corrida, como foram os dois mencionados.

Hamilton acabou punido pelos comissários, na Inglaterra, por ter responsabilidade no choque que tirou Max da prova na veloz Curva Copse. E o holandês, na Itália, por ser o maior culpado pelo encontro do seu Red Bull RB16B-Honda com o Mercedes W12 do inglês na primeira chicane de Monza.

Carro de Verstappen ficou em cima do carro de Hamilton após batida em Monza - Reprodução/Band

Mas em nenhum momento os comissários mencionaram que foram ações deliberadas de Hamilton ou Max. Os dois se caracterizaram por serem incidentes da competição, porém com responsabilidade maior de um ou outro piloto, ocorrência natural da luta ponto a ponto pela liderança do campeonato.

Vários exemplos no passado

É um cenário bem distinto do que vimos na F1 por exemplo em quatro ocasiões, 1989, 1990, 1994 e 1997, em que os pilotos envolvidos, líderes do campeonato, aproveitaram a oportunidade na última ou penúltima etapa da temporada para, propositalmente, provocar um acidente a fim de retirar o adversário da disputa e, com pontos a mais na classificação, conquistar o título.

Relembre:

Época, regras e controles distintos dos de hoje, pilotos que se formaram assistindo a acontecimentos dessa natureza e comissários desportivos ou mesmo a FIA não tomarem nenhuma atitude para moralizar a situação. Max e Hamilton sabem que de uns bons anos para cá as coisas não são mais bem assim.

No GP do Japão de 1989, na 47ª volta de um total de 53, já próximo da bandeirada, Alain Prost, líder, viu Ayrton Senna, segundo colocado, colocar o carro na trajetória interna da primeira perna da última chicane do Circuito de Suzuka, para ultrapassá-lo, e virou o volante para a direita, a fim de provocar o choque entre ambos. Eram companheiros na McLaren-Honda.

Senna x Prost (1989)

Os dois chegaram para o GP do Japão, penúltimo, com o francês na liderança do mundial com 76 pontos úteis dos 81 obtidos nas 14 etapas disputadas. Senna estava em segundo, com 60 pontos. Era permitido somar somente os 11 melhores resultados das 16 provas do calendário.

Senna conseguiu ainda regressar à pista depois do toque com Prost, cortando a área de escape da chicane, e vencer a corrida. Mas o então presidente da Fisa, braço esportivo da FIA, extinto anos mais tarde, Jean-Marie Balestre, francês, interveio, ordenando os comissários desclassificarem Senna. Admitiu, muito tempo mais tarde, que fez aquilo para favorecer Prost.

O fato é que aquela ação deliberada do piloto francês fez com que Senna não pudesse mais alcançá-lo na etapa de encerramento, em Adelaide, Austrália, levando-o a comemorar a conquista do seu terceiro título. O vencedor recebia 9 pontos e a diferença entre ambos já era de 16 pontos.

Olho por olho, dente por dente

No ano seguinte, Prost pilotava para a Ferrari. Senna seguiu na McLaren-Honda. Desembarcaram em Suzuka, para o penúltimo GP do mundial, com Senna na liderança, 78 pontos diante de 69 de Prost. Senna largou na pole position, mas Prost, segundo no grid, chegou um pouco à frente, por fora, na freada da veloz Curva 1.

Senna não hesitou em dar o troco. Manteve o pé no acelerador e provocou o choque com a roda traseira direita da Ferrari do francês, lançando-os, em alta velocidade, para a área de escape. Só por sorte não se feriram. Os dois mantiveram a pontuação que tinham, 78 a 69.

Na última corrida, em Adelaide, Prost poderia vencer e Senna não pontuar, permitindo ao francês igualar o número de pontos, 78 (69+9). Os dois ficariam empatados em número de vitórias, 6, e de segundos lugares também, 2, os dois primeiros critérios de desempate. Já em terceiras colocações, critério seguinte, Senna tinha 3 e Prost, 2. Resultado: Senna campeão, pela segunda vez, em Suzuka.

No ano seguinte Senna admitiria que agiu como Prost no ano anterior.

Senna x Prost (1989)

Schumacher tentou duas vezes, a primeira deu certo

Em 1994 foi a vez de Michael Schumacher, da Benetton-Ford, seguir a escola de Prost e Senna. Eu estava presente, em Adelaide, fui testemunha do que se passou.

O piloto alemão disputava seu primeiro título, estava muito nervoso. Bateu no muro nos treinos livres de sexta-feira e do sábado, neste com grande violência. Na corrida, seu estado emocional o fez perder o controle do carro, quando liderava, e de novo colidiu sozinho contra o muro ainda na 35ª volta de um total de 81.

Com o carro se arrastando pela pista, esperou Damon Hill, da Williams-Renault, se aproximar para de forma impressionantemente clara jogar sua Benetton na direção da Williams, quebrando-lhe a suspensão dianteira.

Schumacher x Hill (1994) - F1

Schumacher tinha antes da largada 92 pontos enquanto Hill, 91. Era a última etapa. Com o abandono de ambos, o alemão foi campeão. Os comissários não viram a ação deliberada de Schumacher e o título foi mantido.

Também estava presente no GP da Europa de 1997, em Jerez de la Frontera, na Espanha, quando Schumacher tinha chance de dar o primeiro título a Ferrari depois de 18 anos. Ele somava 78 pontos ao passo que Jacques Villeneuve, da Williams-Renault, 77.

A mesma receita de 1994 foi tentada por Schumacher em 1997. Ao ver que seria ultrapassado por Villeneuve, na 47ª volta de um total de 69, sem desfaçatez alguma virou bruscamente o volante, no meio da curva, para atingir a Williams do canadense na lateral.

Mas quem espirrou no choque foi ele. A sua Ferrari acabou na caixa de brita. Villeneuve seguiu na prova, terminou em terceiro e comemorou o título.

Mensagem importante do então presidente da FIA

O que aconteceu a seguir não teve efeito prático algum, mas serviu de mensagem para quem tentar manobra semelhante a fim de ser campeão. Max Mosley, então presidente da FIA, decidiu retirar o título de vice-campeão do mundo de Schumacher.

Em conversa conosco, Mosley disse, literalmente, que ações dessa natureza, em especial nas definições de título, terão consequências graves para os responsáveis. Deu a entender que a entidade não pensaria duas vezes em retirar o título se assim for conquistado, passando por cima até das decisões dos comissários do GP, caso decidissem não punir o piloto que, de maneira inequívoca, agiu deliberadamente para provocar o abandono do concorrente.

Mosley não é mais presidente da FIA desde 2009 e até já faleceu, este ano, aos 81 anos. Mas seu sucessor, no fim do terceiro e último mandato também, Jean Todt, não vai aceitar um campeão que não tenha obtido o título legalmente na pista.

Mas, como escrevi, não creio que a situação chegue a esse ponto entre Max e Hamilton. Até agora os dois nunca agiram de maneira proposital na pista para se beneficiarem de seja lá o que for.

Max é contestado por causa da maneira tenaz, combativa como defende suas posições. O melhor exemplo é a primeira tentativa de Hamilton ultrapassá-lo na Descida do Lago, em Interlagos, na 48ª volta de um total de 71 do GP de São Paulo, dia 14. O holandês, por dentro, estava rápido demais para fazer a curva. Seu carro escorregou, obrigando o inglês a ir para a área de escape também caso contrário os dois colidiriam.

Os comissários interpretaram como incidente de corrida e não puniram Max, para a revolta de Hamilton e de tantos outros na F1. Bem, como escrevi lá em cima, Max virar o volante e seguir em frente por estar rápido demais, exigindo reação semelhante de Hamilton, é diferente de procurar atingir o adversário para tirá-lo da corrida.

A manobra de Max que impediu, naquele momento, a ultrapassagem de Hamilton foi somente uma tentativa de defesa de posição, com consequências para o piloto que tentava ganhar sua posição. Não tem a ver com o fato de liderar o campeonato. É provável que se o GP de São Paulo fosse o de abertura do mundial a escolha de Max fosse a mesma.

Nem sempre é fácil entender a real intenção do piloto

É fácil para os comissários concluírem que um piloto agiu com má fé para prejudicar o concorrente? Nem sempre. Estava em Mônaco, em 2014, quando os comissários solicitaram à equipe Mercedes os dados de telemetria do carro de Nico Rosberg, o pole position.

Isso porque na parte final da classificação, no Q3, ele, até então autor do melhor tempo, travou os freios na aproximação da Curva Mirabeau e seguiu reto para a reduzida área de escape. Estava, como todos, com o segundo e último jogo de pneus. Faltavam poucos segundos para o fim da definição do grid.

Hamilton, seu companheiro de Mercedes, havia registrado a melhor primeira parcial da pista e tinha boas chances de ultrapassar Rosberg na classificação, obter a pole position, muito importante na pista de Monte Carlo, onde as ultrapassagens são bem difíceis.

O Mercedes de Rosberg estacionado na área de escape da Mirabeau levou os comissários de pista a expor a bandeira amarela. Resultado: ninguém pôde melhorar o tempo registrado com o primeiro jogo de pneus, garantindo não apenas a pole para Rosberg como a vitória no dia seguinte.

Veja também:

Os dados de telemetria da Mercedes e as várias imagens de TV disponibilizadas aos comissários não foram suficientes para rever o resultado. Não houve, para eles, intenção de Rosberg.

Atente: quase não havia profissional no paddock da F1, naquele dia, que não exibisse um sorriso maroto com a decisão dos comissários. Para a grande maioria, foi uma ação deliberada de Rosberg a fim de lhe garantir a pole position e largar, no domingo, com elevadas chances de receber a bandeirada em primeiro, como aconteceu.

Rosberg não somente venceu como assumiu a liderança do campeonato. Saiu de Mônaco com 122 pontos diante de 118 de Hamilton. Mas aquela era ainda a sexta etapa de um calendário com 19. No último GP, em Abu Dhabi, com a vitória Hamilton garantiu o segundo título da carreira.

O que Max precisa para ser campeão domingo

Você lembra da matemática do título, publicada aqui no blog? Apenas Max tem chances de ser campeão no fim de semana no Circuito de Jeddah. Hamilton, não. O holandês soma 351,5 pontos, tem sete vitórias, diante de 343,5 do inglês, com cinco.

Max celebra o título se vencer, fizer a melhor volta e Hamilton terminar no máximo em sexto. Max pode ainda vencer, não registrar a melhor volta, mas Hamilton não pode ir além do sétimo lugar.

Até com a segunda colocação e a melhor volta Max pode ser campeão. Nesse arranjo Hamilton tem de receber a bandeirada de décimo para trás. Se Max for segundo e não estabelecer a melhor volta, vence o campeonato se Hamilton não marcar pontos.

Bom GP da Arábia Saudita para todos nós. Torçamos para os riscos dessa pista com um segmento de três mil metros de aceleração plena, quase o tempo todo, e sem área de escape não propiciarem nenhum acidente mais sério.

Abraços.

Livio Oricchio

Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.

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