Recentemente o Atlético-MG chegou na final da Copa do Brasil e por isso pode se tornar a primeira SAF (Sociedade Anônima do Futebol) a conquistar um título de primeira grandeza em competição nacional. Além disso, o Galo está na semifinal da Copa Libertadores e vai enfrentar, nesta terça-feira (21), um clube que vive uma realidade bem diferente: o River Plate luta contra a implementação de um modelo parecido com o da SAF na Argentina - são as SADs (Sociedades Anónimas Deportivas). No cenário atual, o time argentino nunca aceitaria aquilo que foi implantado no Galo.
Polêmica das SADs na Argentina
Quando Javier Milei ainda estava disputando a eleição presidencial, anunciou que pretendia liberar os clubes para que se tornassem SADs. Ele costuma exaltar o futebol europeu e estima que essa mudança injetaria 4 bilhões de dólares no futebol argentino.
Eu gosto do modelo inglês. Eles não estão nada mal. Os ingleses têm um espetáculo lá. Se o Boca for comprado por um dono, você seguirá torcendo para o Boca. Para quem torce, pouco importa o dono, se você ganhar do River de 5 a 0 e for campeão do mundo
Os clubes responderam imediatamente. Quase todos fizeram publicações em redes sociais para rechaçar a posição de Milei. O River publicou que "sempre será dos seus sócios e sócias".
Rechaçamos as sociedades anônimas no futebol argentino. O River Plate é uma Associação Civil sem fins lucrativos e sempre será de seus sócios e sócias, que são a sustentação destes 122 anos de grandeza
Por que os argentinos não querem as SADs?
Dois fatores influenciam nessa postura dos argentinos. Um deles é cultural, pois os clubes possuem muitos sócios que participam ativamente da política dos clubes - muito mais do que no Brasil, por exemplo. Esses sócios não querem perder poder quando um investidor comprar a SAD.
E outro fator é político: desde a eleição presidencial, o Sindicato dos Atletas e a AFA (Associação de Futebol da Argentina) faziam oposição a Milei. Apoiavam Sergio Massa, que foi derrotado nas eleições. Com Milei na presidência, o atrito com a AFA só tem crescido.
Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo e autor do livro Direito Esportivo Empresarial, defende que os argentinos deveriam adotar as SADs.
"A resistência dos argentinos é inexplicável. Brasil e Argentina são dois vetores do futebol sul-americano, mas os brasileiros simplesmente arrancaram nos últimos 5 ou 6 anos, ganhando tudo e deixando os outros para trás. A única coisa que os argentinos poderiam fazer para buscar paridade nas competições é ter mais dinheiro. Os clubes estão endividados. A situação econômica é desfavorável. Então, para ter mais dinheiro, tem que ser externamente"
Carlezzo entende que o fator cultural, a paixão argentina, influencia demais nessa decisão dos clubes: "Eles são mais apaixonados do que nós. E olha que nós somos muito apaixonados. Mas lá é maior. E esse nível de paixão leva a esse tipo de decisão".
Com duas posturas tão conflitantes, Milei e AFA estão em um duelo direto. Com um "Decretaço", Milei criou a possibilidade das SADs neste ano. MAs a AFA já colocou no estatuto que só permitirá a participação de associação civis. Milei rebateu com uma atualização normativa, mas a Justiça decidiu a favor da AFA. Ou seja, na prática, atualmente as SADs estão proibidas no Campeonato Argentino.
Carlezzo explica que a AFA tem uma aliada forte no duelo com Milei, a Fifa, que costuma combater a intervenção do governo no futebol: "A Fifa olha para esses assuntos. Até exagera às vezes, porque são questões nacionais. É lei local, é uma discussão societária. Mas fatalmente a AFA deve ter um parecer nesse sentido para mostrar que, se governo continuar empurrando o assunto, as seleções e os clubes podem ser proibidos de disputar competições da Fifa".
Semelhanças e diferenças entre River e Atlético
É importante contextualizar: ao contrário da maioria dos times argentinos, o River Plate não está cheio de dívidas impagáveis e nem precisa de investimento externo urgente para contratar jogadores. Em 2023 o time anunciou um superávit de 52,3 milhões dólares. Portanto, no caso do River, é mais "fácil" ser contra a SAD. Afinal é um clube que sabe "andar com as próprias pernas"
Recentemente o River até buscou investimento externo, mas não foi uma forma de virar SAD ou "driblar" a proibição da AFA. O clube entrou na Bolsa de Valores através da venda de debêntures. O objetivo é arrecadar 20 milhões de dólares para investir em estrutura - melhorias para Centro de Treinamento e estádio.
É nesse ponto que existe uma semelhança entre River e Atlético-MG: o Galo também ingressou no mercado financeiro com a venda de debêntures recentemente. Mas com diferenças: neste caso a meta é arrecadar R$ 105 milhões para reestruturar o pagamento da dívida, que atualmente gira em torno de R$ 1,2 milhão e é responsabilidade da SAF.
Portanto, com metas e objetivos diferentes, River e Atlético usam a mesma estratégia para obter investimento externo. É uma estratégia pouco usada até agora, seja no Brasil ou na Argentina: as debêntures são títulos de dívidas emitidos por empresas para a captação de recursos.
Quem investir nessas debêntures poderá receber os juros dessa dívida em um prazo determinado. Como benefício, os clubes conseguem uma espécie de "financiamento" para receber dinheiro mais rápido e tocar projetos - seja investir na estrutura ou reorganizar as próprias dívidas.
Como está a SAF do Atlético-MG?
Atualmente 75% da SAF do Atlético-MG pertence à Galo Holding, empresa que tem 5 empresários como principais investidores: Rubens Menin, Rafael Menin, Daniel Vorcaro, Ricardo Guimarães e Renato Salvador.
A SAF costuma ser contestada pela torcida porque os atuais donos participaram de grande parte do endividamento do clube associativo. Carlezzo concorda que isso gerou um problema, pois o Atlético ficou sem alternativa - precisava virar SAF urgentemente para pagar as dívidas.
Mas ele também vê que o Galo tem uma vantagem em comparação com muitas SAFs do futebol brasileiro: "É a questão importante de ter sócios sólidos. Se tem um clube no Brasil com sócios sólidos, é o Atlético-MG. São sócios com patrimônio, com biografia empresarial e com capital conhecido no meio dos negócios. Isso dá tranquilidade e é diferente, por exemplo, do que aconteceu com o Vasco, que tinha sócios desconhecidos".
No lado financeiro, no primeiro ano, a SAF reduziu a dívida através da venda de um shopping e da conversão de empréstimos em participação acionária. Caiu de R$ 1,5 bilhão para R$ 1,2 bilhão. Ao longo de 2024, o Galo investiu R$ 96,7 milhões em contratações - foi o 9º clube no ranking de investimentos.
Em campo, a SAF não conseguiu um bom desempenho no Campeonato Brasileiro, pois o time esteve quase sempre no meio da tabela. Mas nas Copas o desempenho é satisfatório e ainda pode resultar em algo histórico: se vencer a Copa do Brasil, o Atlético-MG será a primeira SAF a conquistar um título de primeira grandeza.
Pela Libertadores, o jogo do Atlético contra o River, em casa, será a partir das 21h30 (de Brasília) desta terça (22), com acompanhamento do Band Placar.