A morte inesperada de uma das maiores referências do vôlei brasileiro, Maria Isabel Barroso Salgado, a Isabel, que morreu nesta quarta-feira (16) no hospital Sírio-Libanês em São Paulo, causou grande mobilização de lideranças políticas e autoridades, além de colegas do esporte, fãs e amigos.
Na última segunda-feira (14), o nome de Isabel havia sido anunciado como integrante do grupo técnico de esportes para a transição de governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que assumirá a Presidência da República em janeiro.
No Twitter, Lula destacou a importância de Isabel na militância política que contribuiu para sua eleição. “Isabel Salgado não foi apenas um símbolo para o esporte, mas também de luta na defesa de seus ideais. Seu pioneirismo no esporte abriu as portas para muitas brasileiras. Suas conquistas levaram o Brasil a outro patamar na história do vôlei feminino”, disse.
A presidente do Partido dos Trabalhadores, deputada federal Gleisi Hoffmann, também destacou a contribuição de Isabel. “Muita tristeza perdermos hoje a Isabel do Vôlei. Mulher de talento, coragem e posições firmes. Contribuiu diretamente para a vitória da democracia e estava no grupo de esportes do Gabinete de Transição. Nossa solidariedade à família e a todos e todas que a admiram”, escreveu.
A morte de Isabel foi confirmada pela produtora de cinema Paula Barreto, em mensagem no grupo Esporte Pela Democracia. "Fiz um call com ela na segunda feira. Ela estava super gripada. Falei para ela ir a um hospital, ela me disse que já tinha ido e testado negativo para Covid. Na segunda à noite foi dormir passou mal. Deixou para ir para o hospital Sírio na terça de manhã. Quando acordou na terça já estava bem pior. Internou no Sírio já no CTI [Centro de Terapia Intensivo]. Detectaram uma bactéria que já tinha tomado todo o pulmão. Foi entubada e teve uma parada cardíaca às 4h da manhã de hoje", escreveu Paula.
O jornalista Jamil Chade, colunista da Rádio BandNews FM, publicou troca de mensagens que fez com Isabel na segunda-feira, em que a parabenizava pela participação no grupo de transição de governo.
Ativismo
Em 2020, Isabel se juntou ao ex-jogador Walter Casagrande Júnior e outros esportistas para formar o movimento Esporte Pela Democracia. Isabel também participou do movimento das Diretas-Já, onde conheceu o ex-atleta, quando a filha mais velha, Pilar, ainda era criança.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 2020, Isabel disse que "atletas não podem ficar neutros diante de injustiças" e que o posicionamento servia para "mostrar ao governo que também somos cidadãos".
“Foi uma tentativa de ter mais um segmento se manifestando contra um Brasil inimaginável, absurdo. Mas a adesão dos atletas é um pouco o retrato do que é o esporte no país. Não temos tradição de questionar. O atleta tem uma carreira muito curta. Vive confinado em sua vida profissional. Os militares sempre estiveram muito presentes no esporte. Mas é preciso reagir. Eu estou horrorizada com tudo. Não estou aqui pleiteando que o esporte seja de esquerda ou de direita. Mas não respeito quem defende a tortura. Não é uma questão partidária, mas humana. Acho que o esporte tem um papel significativo na sociedade. Não só de inclusão social. O esporte é uma expressão do homem. Quando você joga, em campo, dividindo, você está falando um pouco do que você é”, disse em entrevista ao Jornal O Globo.
Isabel é mãe dos atletas Maria Clara Salgado, Carolina Solberg e Pedro Solberg, além de Pilar e de Alison, que adotou em 2015. Isabel formou dupla com Maria Clara e Carolina. Depois, se dedicou a fazer parte da gestão das carreiras dos filhos atletas.
Carolina, inclusive, chegou a ser advertida pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol), por ter gritado "Fora, Bolsonaro!" em uma entrevista pós-jogo. Ela continua competindo em alto nível, enquanto Maria Clara já se aposentou.
Na ocasião, Isabel disse que tinha orgulho de Carol. “A manifestação da Carol foi pra lá de lícita e legítima numa entrevista. Eu estranharia se fosse diferente. Eu me envergonharia se ela berrasse a favor de um torturador. Ou enaltecendo uma pessoa que agiu covardemente contra outros. Ou se ela fosse homofóbica ou racista. Eu me orgulho de meus filhos. Do caráter bacana deles. Eu estranho a indiferença das pessoas diante do que está acontecendo no Brasil. Na nossa cara”, disse.
Também na entrevista, Isabel explicou o motivo de seu engajamento. “Não me sinto militante de nada. Sou uma pessoa que aprendi na minha casa, graças a Deus, a olhar para a dor do outro. Não dá pra achar graça na vida quando o Pantanal e a Amazônia estão queimando, e quando há tanta violência nas comunidades. Acho que alguns atletas gostariam de se manifestar, mas existe toda uma repressão, toda uma estrutura que veta a participação. Em qualquer meio há retaliações. Eu entendo o silêncio de alguns porque não têm como pagar o preço. Mas de outros, eu lamento. É como se dissessem aos atletas. Atue, jogue e não se manifeste em nada. É patético. Olha só o basquete americano, a NBA. Eles não passam o tempo todo dando recado. Mas se negaram a jogar. Trouxeram à tona, sem véu, o racismo e a violência policial contra negros nos EUA”, comparou.
Isabel disputou duas Olimpíadas (Moscou 1980 e Los Angeles 1984) no vôlei de quadra e depois, no início dos anos 1990, migrou para o vôlei de praia, em que foi uma das pioneiras mundiais da modalidade. Deixa cinco filhos e cinco netos.