Pai grávido: saiba o que aconteceu um ano após homem dar à luz

O documentário “Pai Grávido” está disponível gratuitamente no Bandplay; assista

Por Hanna Rahal

Pai grávido: saiba o que aconteceu um ano após homem dar à luz
Roberto Bete
Arquivo Pessoal/ Reprodução

O sonho que parecia distante daquele que não se identificava com o próprio corpo se transformou na maior realização de sua vida. Roberto Bete, o Pai grávido mostrou que uma pessoa não só pode ser quem ela quiser, como também realizar cada um dos seus desejos. 

Roberto é um homem trans. Erika Fernandes, uma mulher trans. Em comum, ambos carregavam o sonho de construir uma família. Contrariando cada opinião negativa, e apesar de cada uma das adversidades, eles fizeram isso com maestria. E, aí, começou a história do pai grávido e do bebê que mais tarde viria ao mundo, Noah. 

O documentário “Pai Grávido”, produzido por MOV, VivaBem e o Núcleo de Diversidade do UOL está disponível na nossa plataforma de streaming, Bandplay. Lá, você pode acessar diversos conteúdos bacanas gratuitamente. 

Pouco após se conhecerem, o casal decidiu ter um bebê. Eles precisaram deixar a terapia hormonal, também conhecida como hormonização e definir as coisas: Beto iria engravidar e Erika amamentar. E, assim, começaram as tentativas e tratamentos necessários para gestar. É importante ressaltar que em comparação com uma mulher cis —que se identifica com o gênero de nascimento—, a gestação de um homem trans não tem nenhuma diferença.

Deu tudo certo, foram meses de luta, mudanças no corpo e de humor, mas após mais de 12 horas em trabalho de parto, Noah chegou ao mundo realizando sonhos e coberto de amor por toda sua família. Todo o processo foi retratado pelo UOL. 

O que acontece depois?

Já se passou pouco mais de um ano desde o parto, e as coisas mudaram muito. Não foi só por uma rotina intensa que é trabalhar, criar uma criança, aceitar a readaptação do corpo e ainda curtir momentos de lazer, houve também uma separação. 

Há alguns meses, Beto e Erika entenderam que a união deles tinha um propósito muito maior: colocar o Noah no mundo, mas que com opiniões diferentes sobre a vida, entenderam que ali não existia mais um laço de casal, e sim, um laço de amizade e parceria. 

Em entrevista exclusiva ao Band.com.br, Beto explica que, para ele, o puerpério não influenciou na decisão de separação. “A gravidez uniu a gente. Acho que o desejo de ter um filho foi maior do que o desejo de estarmos juntos”. 

“Eu venho de pais separados e a Erika também. Então não foi o que a gente planejou. O que eu queria é que fossemos uma família para sempre. E a separação foi uma das últimas soluções. Contudo, a gente precisava ser feliz para que o Noah fosse feliz também”, conta o influenciador.

Os pais chegaram a viver por alguns meses juntos na mesma casa mesmo separados para criar um sistema que não prejudicasse o bebê. Atualmente, o pai só tem elogios à ex-esposa: “A gente é parceiro mesmo. Ela é ótima. Não poderia ter escolhido mãe melhor”. 

Como fica a guarda compartilhada?

Vanessa Abdo, Doutora em Psicologia e CEO do Mamis na Madrugada, explica que em casos de separação, a guarda compartilhada é um bom modelo, porque permite que os dois pais estejam igualmente envolvidos na vida do filho. Ou seja, diminui a tensão entre os responsáveis e aumenta a responsabilidade de ambos na criação das crianças.

“O tempo é dividido igualmente entre os dois, então não é só sobre a responsabilidade. É também sobre não sobrecarregar apenas um dos pais e isso tem benefícios na saúde mental dos próprios genitores e das crianças”, considera.

O influenciador concorda com a especialista e conta que está achando a guarda compartilhada incrível. “A gente só mora em casas separadas e não tem mais relações sexuais. No entanto, somos muito amigos, conversamos sobre o Noah e até fazemos programas juntos, como ir ao parque com o bebê”. 

Um ano de paternidade 

Quando a gente sonha com uma família, lembramos apenas das delícias, e esquecemos as dores de uma rotina árdua com uma criança. Claro, que podemos fazer de todo esse processo, uma coisa leve e bacana, mas fácil, nunca é. Enquanto lavava a louça, após preparar comida para o Noah, Beto conta que o pequeno já está dando seus primeiros passos e relembrou a adaptação. 

“Toda a nossa vida muda com a chegada de uma criança. Além do trabalho, a privação do sono é muito difícil e a introdução alimentar foi uma loucura. A gente foi bem caxias, fizemos exatamente como a nutricionista mandou”, conta o pai. 

A família escolheu o método BLW, que em português significa desmame guiado pelo bebê, isto é, um tipo de introdução alimentar onde a criança pega com as mãos os alimentos cortados em tiras ou pedaços e come sozinho, o que ajuda a melhorar a sua coordenação motora, a sua conexão com a comida e a interação com a família.

Justamente por isso, a rotina passou a exigir muito de Beto e ele precisou fechar seu comércio e decidiu viver do trabalho nas redes sociais e se dedicar aos cuidados com o pequeno. “Foi uma fase muito gostosa, mas é bem cansativa. Tem que ter muita disponibilidade e disposição. Eu fui privilegiado de poder estar perto dele nessa fase”, completa.

Entretanto, o pai desabafa sobre aumentar a família: 

“Eu adorei ter um bebê, mas eu não passaria por isso de novo até pela questão hormonal. Todavia, eu amei engravidar, eu amei parir. Foi incrível”.

Ao interromper a terapia para a gravidez, o influenciador conta no documentário “Pai Grávido”, que sentiu no corpo os efeitos dos hormônios, e da falta de alguns deles, tanto física como mentalmente. Beto começou a se sentir desanimado. Muitas espinhas apareceram no rosto, além das frequentes alterações humor - e por isso, por hora, não gostaria de viver essa experiência novamente. 

Pai também é gente. Independentemente da gestação e de ter a responsabilidade de criar um bebê, ainda é preciso cuidar do corpo, da mente e principalmente da vida social. Todavia, apesar de contar com sua rede de apoio para ir a diversos eventos a trabalho, Beto sente que ainda tem dificuldades:

 “Eu ainda não consigo me ver como homem, no sentido de me olhar no espelho e me sentir sexy ou um cara desejado. Quando passei a refletir porque me sinto dessa forma, acho que é porque a paternidade continua muito forte em mim. Ainda não consegui fazer essa divisão entre pai e homem!”, confessa.

É preciso construir referências 

Conforme estudiosos, quando uma criança chega em casa, ela precisa ser cercada de referências que vão ajudá-la a se formar. Um desses rumos, quem dá são os pais, que ao conviverem com a criança a cercam de exemplos. 

É nesse momento que o bebê começa a imitar os familiares, um mecanismo ligado à nossa capacidade de aprendizado cultural. Ao observar o que os outros indivíduos fazem, nosso corpo está preparado para reproduzir os mesmos movimentos. Quando percebeu tudo isso, Beto explica que se transformou. 

As baladas e os dias com a bebida agora se tornaram raros. Aquele que amava sair, hoje prefere ficar em casa. E até os esportes radicais que eram um lazer, se tornaram um risco. Para o influenciador, tudo mudou com a chegada do filho.

 “Comecei a perceber que ele me imita muito. Quando eu bebo água, quando eu escovo os dentes. Então não é sobre o que eu digo, é sobre o que eu faço. Depois que entendi isso, dei um reset na minha vida, porque eu quero dar um bom exemplo para ele”, afirma. 

Entretanto, se dentro de casa e no seio da família, o bebê é amado e acolhido, a questão que fica é, como prepará-los para o mundo? “Nem todos têm a consciência de tratá-los como eles devem ser tratados, com naturalidade”, avalia Beto, que explica a luta diária para encontrar referências que apresentem para o Noah um mundo não só normativo.

“Eu tenho conversado com outras famílias trans e a gente precisa se unir para se conectar mais e levar nossas experiências para frente. Nossos filhos precisam saber que eles não estão sozinhos e que não tem nada de errado com a família deles”, explica o pai. 

Para a psicóloga Vanessa Abdo, a rede de apoio é muito importante inclusive para os pais transgêneros porque oferece um suporte emocional, ou seja, um sistema de apoio para ajudar os pais a lidarem tanto com preconceitos quanto a discriminação e para fortalecer as questões de identidade de gênero e diversidade familiar. 

“É importante participar de grupos de pais LGBTQIA+ e é necessário escolher uma escola com abertura para esse tipo de diálogo. Além disso, os familiares também colaboram para que essa criança se sinta amada e pertencendo ao ambiente em que elas estão”, explica a especialista. O pai de Noah conta que ainda não tem ideia do que vai fazer no futuro, mas tem certeza que vai se unir com outras famílias para refletir sobre este cenário. 

“Não existe um modelo certo de família. E a forma que eu encontro de proteger meu filho é me afastando de pessoas que entendem que apenas o hétero normativo é correto e me aproximando de pessoas que desejam levar essa discussão para frente”, considera.

Toda família importa

O influenciador conta que não tinha noção do tamanho da sua visibilidade. “Pude encontrar homens trans que disseram que me conhecer significou poder ter o sonho de engravidar e ser pai. Eu já tive na cabeça que gerar é uma coisa de mulher e com o nascimento do meu filho, pude desconstruir essa ideia de que a gravidez é feminina”, diz. 

Para ele, ter tido um relacionamento transcentrado - uma configuração conjugal onde duas pessoas trans/travestis se relacionam amorosamente - abriu a mente de muitas pessoas e vários casais se formaram depois disso. “Mostramos que é possível, que não é sobre dor, é sobre amor”, reflete Beto.

“Eu gosto de levar a luz. Já tem muita gente falando sobre dor, sobre um país que mata transexuais. Mas para mim, é importante mostrar aqueles que venceram”. 

Segundo o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado pela Agência Brasil em janeiro deste ano, o Brasil é o país com mais mortes de pessoas trans e travestis no mundo pelo 14º ano consecutivo.

Apesar disso, o influenciador garante que é possível passar por tudo com amor, prazer e se sentindo acolhido. “A gente está acostumado a só tomar pancada, mas quando uma história dá certo é transformador”, reforça. 

“Antes de ficar fácil, vai ser muito difícil”

Dois meses após realizar a mastectomia - retirada da glândula mamária feminina - Beto diz que não sabia o que era ser trans e achava ter nascido em um corpo errado. Todavia, tudo mudou quando ele descobriu a paternidade. “Encontrar pessoas como eu, foi um passo que me fez amar quem eu sou, amar ser trans. No entanto, ter o Noah destravou qualquer outra barreira que eu pudesse ter. Depois disso, nada me paralisa mais”, afirmou o influenciador, mesmo sabendo que ainda deve enfrentar muitos desafios. 

“Antes de ficar fácil, vai ser muito difícil. Faz parte do nosso processo, então precisamos continuar acreditando no que a gente sonha. Sempre tem alguém que vai falar que você não pode fazer algo. Mas você pode fazer o que quiser. E a melhor coisa que fiz foi ter um filho”, conclui Beto.

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