A novela Valor da Vida chega ao fim nesta sexta-feira (1º). Ao longo de centenas de capítulos, o público pode acompanhar diversas reviravoltas dramáticas. Essas viradas foram embaladas por personagens marcantes, muitos vividos por atores brasileiros, mas a maioria por intérpretes portugueses, que foram dublados para ajudar o público nacional na compreensão da trama. Um dos dubladores da trama, Renan Reis Brenna, falou com o Band.com.br para contar um pouco dos bastidores deste trabalho que agora se encerra.
Um dos pontos que mais chama atenção no projeto é justamente o fato de que os atores que foram dublados falam português, ao invés de outra língua, o que o artista destaca ter tornado o processo mais desafiador.
“A diferença de dublar em português é a margem de erro que o dublador tem. Dublando em outras línguas, inglês, japonês, línguas não latinas, é mais fácil porque a palavra, na maioria das vezes, não vai ser igual. O dublador tem uma certa liberdade para reposicionar as palavras, a intenção delas, para encaixar melhor na cena. Quando é uma língua muito parecida com o português essa margem é bem menor, porque a boca com a qual eles vão falar tem que ser igual à nossa. O dublador tem que estar muito mais atento em acertar o timing”, explica ele.
Brenna enfatiza que o trabalho primário de um dublador é emprestar sua voz a um ator que já existe, e é importante se adaptar à situação apresentada no produto. Há vezes que é possível improvisar, mas em outras, pelas próprias características do projeto, isso se torna quase impossível.
“Senti que é muito mais específico você dublar um cara português porque você fica muito menos livre para brincar com o texto, intenções, posicionamento de palavras. Teve casos em que o ator estava falando uma frase, em português de Portugal, muito articulada e muito específica. Para o nosso brasileiro ia ficar esquisito porque são palavras que não usamos, mas que existem. E se eu não colocasse aquela palavra, ficaria muito fora da boca. O dublador tem que ter o repertório para conseguir naturalizar essas situações”, detalha.
O desafio é conseguir colocar na cabeça que naqueles minutos, você não é mais você. Você é quem aparecer na tela. A técnica você aprende em cursos. Mas o seu estado de espírito é algo que você tem que trabalhar consigo mesmo.
Brenna fez uma série de pontas ao longo de Valor da Vida, ou seja, ele dublou diversos personagens em situações, que muitas vezes surgiam em situações específicas, o que fez com que esse processo de adaptação a cada intérprete fosse ainda mais intenso. O dublador detalha que sua preparação, assim como a de outros dubladores, envolve principalmente a construção de uma repertório, criado ao se assistir a outros produtos.
“A preparação na dublagem é muito sobre assistir, treinar e praticar. Eu tenho um aquecimento que foi me passado pela fonoaudióloga, faço ele todo os dias. Quando tem escala eu pego ele um pouco mais pesado para treinar articulação, soltura de voz, fôlego”, relata.
Toda cena que você assiste acaba se tornando objeto de estúdio. Você adquire repertório de novas expressões, jeito de falar. Você está observando atores de perto. Você acaba conseguindo absorver o que o cara fez em tela. Mesmo o dublador não podendo pegar o texto, levar para casa, pensar, fazer as coisas todas que um ator normalmente faria, ele tem que fazer todo esse processo de mentalização, de colocar o estado de espírito naquele personagem, naquele minuto específico.
Sonho antigo
A dublagem é sempre um pedido da empresa responsável pela realização do produto. Depois de firmar um contrato com um estúdio de dublagem, o cliente define como gostaria que os trabalhos fossem conduzidos e a partir de então o dublador tem apenas um microfone, uma TV, um roteiro e a direção de como deve falar.
Esse universo conversou com Renan Reis Brenna desde sua adolescência, e ele procurou uma série de cursos para seguir seu sonho. Porém, conforme ficou mais velho, sentiu a pressão de procurar um curso mais “tradicional” e decidiu cursar jornalismo, colocando seus desejos de lado. A faculdade o ajudou a ganhar mais desenvoltura. Durante a pandemia, ele viu sua vida mudar dramaticamente e procurou uma terapeuta. Para sua surpresa, isso o colocou de volta no caminho da dublagem.
“Ela além de ser terapeuta também é fono e trabalha com muitos dubladores. Ela foi o maior achado, me orientou, me incentivou e me ajudou a me desenvolver para eu poder resgatar esse sonho antigo na pandemia. Foi possível eu fazer um curso de teatro online o que facilitou muito o processo para eu correr atrás do DRT [registro necessário para trabalhar como ator e dublador]”, diz ele.
Finalmente poder estar dentro do estúdio, vivenciando aquilo que pratiquei tanto, concretizando essa jornada, é a maior satisfação para mim. Você pode estar em um dia ruim, mas se é aquilo que quero, vou me animar com qualquer coisa que seja.