“Você nem parece que tem a idade que realmente tem”. Ana Paula Padrão comemora 57 anos nesta sexta-feira (25) e mesmo ela, que combate incansavelmente o etarismo – isto é, a discriminação baseada na idade –, ouve com frequência tal comentário socialmente aceitável, mas que não passa de preconceito com verniz de elogio. Assista à entrevista no vídeo acima!
Em conversa com a reportagem do Band.com.br, a aniversariante do MasterChef Brasil falou por qual motivo dispensa ser “elogiada” desta forma, da luta interna que travou ao começar a tocar no tema do etarismo e dos desafios que mesmo ela, estudiosa do assunto, se depara diante de situações do próprio cotidiano.
“Não é que a gente não deva aceitar elogios, gosto muito de ser elogiada pela minha capacidade intelectual e por quão jovial eu pareço. Jovial, não jovem. Quando você diz: ‘não parece que tem a idade que realmente tem’, o que você está dizendo é que eu deveria me parecer mal. Que eu deveria parecer velha, enrugada ou doente. E aí deixa de ser um elogio”, afirmou.
O etarismo, tal como outros tipos de preconceito como o machismo ou o racismo, está enraizado na sociedade. Por vezes passa despercebido porque é estrutural. “Cultura não é só o que a gente manifesta ostensivamente, mas são frases soltas que estão embutindo preconceito. Elogio é uma coisa. Preconceito é outra. Temos que começar a eliminar esses preconceitos do nosso vocabulário cotidiano”, alerta a apresentadora.
“Preconceito é traiçoeiro”
À frente de todas as temporadas do MasterChef já realizadas pela Band desde 2014, Ana Paula acaba de estrear em uma variação inédita do formato: MasterChef+. Nesta edição, o programa traz no elenco somente participantes acima de 60 anos. A alguns dias do início da gravação, Ana conta que se surpreendeu consigo mesma após fazer uma pergunta à diretora Marisa Mestiço.
“Na semana anterior à gravação do primeiro episódio, perguntei para a diretora: Marisa, como eles são? Tem alguém com dificuldade de locomoção, com dificuldade de audição…? Preciso prestar atenção nisso? Ela olhou para mim e riu! ‘Pô, você que fala o tempo todo de etarismo!’ Eu falei, é mesmo! Que pergunta mais descabida!”, reconhece.
“Preconceito é traiçoeiro. Como ele é muito bem costurado no tecido social, ele engana a gente. Pensamos que estamos fazendo uma pergunta corriqueira, e não estamos”.
O chacoalhão serviu de aprendizado. “É lógico que essa não deveria ser a minha primeira preocupação. Se houvesse alguém lá nessa condição seria uma exceção, e não a regra. Não é porque as pessoas têm mais idade que elas não ouvem ou tem dificuldade de locomoção”, diz.
“Aprendi [com o MasterChef+] que a gente carrega mais preconceito do que a gente imagina. Eu me acho uma pessoa bem informada sobre o etarismo. Estudo o tema e sou bem colocada no universo feminino. E ainda assim construo expectativas sobre pessoas de 60, 70, 80 anos que não correspondem mais à realidade”.
Na estreia, Ana desfilou ao se apresentar aos 20 candidatos a vagas no programa, brincou com eles e fez um importante discurso sobre “sonhar” e “nunca é tarde para mudar de vida”.
É fácil falar de etarismo?
Quando começou a jogar luz sobre o etarismo – algo que faz publicamente seja nas redes sociais, eventos ou palestras –, Ana Paula Padrão refletiu sobre os próprios privilégios e imaginou que poderia não ser “apta” a debater o tema. Ela estava enganada.
“Tinha muito medo de olharem para mim e falarem: ‘para você é fácil falar de etarismo porque você tem dinheiro para pagar bons médicos. Você tem tempo para cuidar da sua aparência, do seu cabelo, para gastar dinheiro com coisas legais’. Isso me assustava. Fico perseguindo o tempo todo a coerência e eu pensava se era coerente eu falar de etarismo mesmo podendo me tratar bem numa idade maior”, desabafa.
Ana entendeu que estava totalmente ao seu alcance abordar o preconceito baseado na faixa etária, o que pode ser em relação a pessoas mais novas ou mais velhas. “Etarismo não tem nada a ver com aparência. Etarismo é fazer o descarte de uma pessoa porque na sua visão de mundo ela não tem mais serventia para a sociedade. São afirmações que partem do pressuposto de que quem fica mais velho fica mal de alguma maneira ou pode ir embora a qualquer momento”, declara.
“Em outras culturas, a velhice é associada à sabedoria. E aqui é associada ao descarte. É desse preconceito que estou falando”
“Não deixem que te julguem em qualquer idade”
Há 35 anos na televisão e com uma carreira pautada pela credibilidade, Ana Paula Padrão tem consciência de seu poder de fala e tem como meta ajudar outras pessoas, especialmente mulheres.
“O fato de ser uma mulher que tomou as próprias decisões sobre a própria vida de acordo com o que achava bom e que continua sendo respeitada socialmente pode ser exemplo para outras mulheres e homens – principalmente mulheres, grandes vítimas do etarismo”, afirma.
Ela aproveita para deixar uma mensagem de encorajamento:
Independentemente da sua idade, se você tem uma voz, use a sua voz, se você tem capacidade para escolher, faça as suas escolhas. E não porque alguém gostaria que você fizesse aquela escolha. Não julgue e não deixe que julguem você em qualquer idade.