É significativo que Marina Lima, de 69 anos, faça sua estreia na edição de 2025 do Lollapalooza Brasil. Se o festival - indie em sua gênese - se assume deliberadamente pop atualmente, ninguém melhor para representar o pop brasileiro do que ela.
Foi Marina que mostrou ao País, a partir da década de 1980, o que era esse negócio de ser um artista pop - algo já assentado no mercado internacional àquela altura.
Marina mesmo definiu o que era ser pop. em entrevista à revista Bizz, ainda na década de 1980. "Pop é mistura. Pop é cultura contemporânea. (...). O que me interessa é que não existia uma música pop no Brasil. Ou era rock, rock; ou era brega, brega. Eu me proponho a misturar tudo isso e fazer música pop no Brasil", disse. A reportagem foi reproduzida em O Livro do Disco - Fullgás, de pesquisador Renato Gonçalves, que assinou o roteiro da apresentação de Marina no Lolla.
Fullgás é parceria de Marina com o irmão, o poeta Antonio Cícero, morto em 2024. Está aí, aliás o tal pop. A mistura. O poeta e a cantora popular. Os dois, como diz a canção, "fizeram um País". E como tudo isso se mostrou no Lolla?
"Vamos botar para quebrar nessa porra", disse, após abrir o show com À Francesa, um dos seus hits.
Fullgás veio logo em seguida, ainda na pegada meio rock, meio eletrônica da primeira.
O rock questionador Pra Começar, popularizado na abertura da novela Roda de Fogo, aumentou a temperatura para depois entregar para Me Chama, mostrando que o público, majoritariamente jovem, está em paz com seu compositor, o polêmico Lobão. Perfeitamente justo para uma das mais belas canções do pop brasileiro - ela seduziu até mesmo o exigente João Gilberto.
Com a acolhida do público, Marina se sentiu à vontade para se impor. "Aumenta a guitarra, isso aqui é um festival", gritou, antes de tocar a velha marchinha Balancê.
Virgem marcou a homenagem ao irmão Antonio Cícero, conectando com outro poeta da geração 80-90, Cazuza, em Preciso Dizer Que Te Amo.
Marina misturou Nada Por Mim com Lunch para dar a senha para a entrada de Pabllo Vittar no palco em uma versão dance de Mesmo Que Seja Eu."Você precisa de um homem pra chamar de seu/Mesmo que esse homem seja eu".
A galera entendeu o recado, mesmo que antes tenha deixado passar em branco os versos de Na Minha Mão, de 1998. Nela, Marina já cantava por um mundo mais inclusivo nos versos "O fato é que eu já comecei/ A olhar em outra direção/Se todo mundo é mesmo gay/O mundo está na minha mão".
A nova geração até reverencia os ídolos do passado, mas é obcecada por hits - as turnês de Caetano Veloso e Maria Bethânia e Gilberto Gil são prova disso.
Ainda com Pabllo, Marina cantou o arrocha eletrônico K.O., não sem antes fazer inúmeros elogios à cantora.
Um paralelo possível com a apresentação de Marina no Lolla, e também com a turnê que ela tem feito, é com a obra da escritora Heloisa Teixeira, morta está semana, aos 85 anos.
Ao perceber o interesse da nova geração em assuntos ligados ao feminismo, organizou um livro com escritoras representativas do tema.
Marina faz isso. Abre os braços e constrói um País.