Gêmeos de pais diferentes? Saiba o que é superfecundação heteroparental

O fenômeno da série “Pedaço de mim” é raro, mas pode acontecer na realidade; entenda

Por Hanna Rahal

Gêmeos de pais diferentes? Saiba o que é superfecundação heteroparental
Pedaço de Mim
Divulgação/ Netflix

Irmãos gêmeos de pais diferentes. Essa ideia poderia ser considerada contraditória até o lançamento da série “Pedaço de mim”, da Netflix. Na produção, que ficou entre as mais assistidas da plataforma, Liana, personagem interpretada por Juliana Paes, vive esse fenômeno, a qual é chamado de superfecundação heteroparental

Na trama, Liana sonha em ser mãe e vive tentando engravidar com o marido, Tomás, personagem de Vladimir Brichta. Contudo, após descobrir uma traição do parceiro, a protagonista acaba se envolvendo em uma situação de violência sexual

Tomando inúmeros comprimidos para estimular a ovulação, a mulher acabou engravidando de duas crianças ao mesmo tempo. Um, fruto de uma relação indesejada. Outro, fruto do casamento em ruínas. É nesse contexto, que a história se desenrola. 

Apesar de parecer tudo muito distante da verdade, a série foi inspirada em um caso real. E embora super rara, a superfecundação heteroparental existe. Conversamos com especialistas para entender esse fenômeno e o impacto dele nas famílias. 

O que é superfecundação heteroparental?

Para começo de conversa, a superfecundação acontece quando dois óvulos são fertilizados por espermatozoides durante o mesmo ciclo ovulatório da mulher. Ela se torna heteroparental quando esses ovos são fecundados por dois homens diferentes, ou seja, espermatozoides provenientes de dois homens. 

Esse fenômeno resulta na formação de gêmeos fraternos, ou seja, gêmeos que não são idênticos e possuem material genético diferente. A superfecundação pode ser dividida em duas categorias:

  • Superfecundação homoparental: Quando os óvulos são fertilizados pelo mesmo parceiro, resultando em gêmeos fraternos com o mesmo pai;
  • Superfecundação heteroparental: Quando os óvulos são fertilizados por espermatozoides de parceiros diferentes. Esse cenário resulta em gêmeos fraternos com pais diferentes.

De fato, é um fenômeno muito raro de acontecer, especialmente na reprodução natural. Carlos Henrique Paiva Grangeiro, Médico Geneticista do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará e membro titular da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), explica que para o fenômeno aparecer, a mulher precisa se relacionar com dois parceiros no mesmo período de ovulação. 

O especialista explica que o espaço de tempo entre as relações deve ser curto. Cada mulher tem um ciclo ovulatório, então, o período pode variar, mas de forma geral, acontece em até três dias, entre uma relação sexual e outra. 

Ele ainda informa que os riscos são equivalentes aos de uma gestação gemelar comum. Não há riscos adicionais ou específicos para a mãe ou para os bebês simplesmente pelo fato de serem de pais diferentes.

Superfecundação heteroparental no Brasil 

Apesar de raro, em 2022, médicos identificaram um caso de gêmeos de pais diferentes em Goiás. A paciente se relacionou com dois homens no mesmo dia e acabou engravidando dos dois.

A mãe dos meninos explicou em entrevista ao G1, que os filhos são muito parecidos, mas que surgiram dúvidas em relação às paternidades. Quando eles tinham oito meses, ela fez os exames de DNA com o homem que ela achou que fosse o pai e se surpreendeu com o resultado. 

Apesar do susto, a mulher explica que no fim, deu tudo certo! Isso porque, o pai de um deles assumiu os dois meninos e fez os registros no cartório. 

Qual a diferença entre superfecundação e superfetação? 

A gravidez é um processo fascinante e complexo, com inúmeras variações que podem surpreender tanto médicos quanto futuros pais. Entre essas variações, além da superfecundação, existe a superfetação. Apesar de seus nomes semelhantes, esses processos envolvem diferentes mecanismos de concepção e desenvolvimento gestacional.

A superfetação é um fenômeno tão raro quanto a superfecundação. Ela ocorre quando uma mulher já grávida ovula novamente e concebe outro embrião em um ciclo ovulatório diferente do primeiro. Ou seja, a mulher engravida duas vezes em momentos distintos, resultando em gêmeos com idades gestacionais diferentes.

Grangeiro explica que na superfetação, a mulher inicialmente concebe um embrião e, em um momento posterior, ovula novamente, levando à concepção de um segundo embrião. Esse fenômeno é extremamente raro porque, durante a gravidez, o corpo suspende geralmente a ovulação para evitar novas concepções. No entanto, em casos excepcionais, a ovulação pode ocorrer, permitindo a superfetação.

Ambos os fenômenos – superfecundação e superfetação – resultam em gêmeos fraternos, mas suas idades gestacionais podem variar significativamente no caso da superfetação. 

Esse diferencial pode levar a desafios únicos durante a gravidez e no cuidado neonatal, já que um dos bebês pode nascer prematuro em relação ao outro, explica o geneticista.

Além disso, a superfecundação heteroparental levanta questões genéticas e legais, por envolver gêmeos com pais biológicos diferentes. 

Quando fazer um exame de DNA?

Isso significa que toda mãe de gêmeos deve fazer um exame de DNA? Não é necessário. Mesmo que os testes estejam cada vez mais comuns, casos de superfecundação heteroparental são realmente incomuns. 

Caio Bruzaca, médico geneticista e membro titulado da Sociedade Brasileira Genética Médica e Genômica, explica que o teste só é indicado se a mãe tiver alguma dúvida relativa à paternidade. 

Como é um fenômeno ultra raro e envolve questões familiares, não é uma necessidade que toda mãe de gêmeos realize teste paternidade, considera. 

Como a superfecundação heteroparental pode afetar as famílias?

A superfecundação heteroparental pode impactar as famílias de várias formas, incluindo questões de identidade e pertencimento para as crianças, e complicações na dinâmica familiar devido à presença de múltiplos pais biológicos e estigma social. 

“Pedaço de mim”, por exemplo, não só explora as implicações emocionais e sociais desta condição, mas também levanta questões sobre identidade, paternidade e os desafios legais que podem surgir em tais casos. 

Conforme a psicóloga Leninha Wagner, as crianças podem enfrentar desafios únicos na compreensão de sua origem biológica, e a família pode necessitar de apoio psicológico para lidar com esses aspectos e para manter um ambiente estável e seguro emocionalmente. 

“Para conversar com crianças e familiares sobre superfecundação héteroparental, deve-se adotar uma abordagem simples e factual, adaptada à idade e ao nível de compreensão. Não vá além da pergunta feita. Utilize recursos visuais e histórias. Enfatizar o amor e o cuidado como aspectos principais para a formação da família é essencial”, considera. 

Ainda é fundamental responder às perguntas das crianças de maneira honesta e aberta, criando um espaço seguro para a expressão de dúvidas e emoção. 

A compreensão e o apoio adequados podem transformar um potencial desafio em uma oportunidade de fortalecimento dos laços familiares e de crescimento emocional para todos os envolvidos. Promover um ambiente de aceitação, educação e apoio contínuo é essencial para o bem-estar das famílias com casos de superfecundação heteroparental, completa a especialista. 

Vale lembrar que o apoio não deve ser restrito às crianças. Mulheres em situações de superfecundação heteroparental devem receber apoio psicológico para lidar com estresse e ansiedade por meio de terapia individual e até mesmo familiar. 

“Ter uma rede de apoio social, composta por amigos, familiares e grupos de suporte, é sempre crucial”, considera Leninha.  Além disso, orientação legal pode ser necessária para as questões de custódia. 

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