No universo do TikTok, a comunidade BookTok se destaca com a paixão pelos livros. Esse segmento, que reúne milhões de usuários ao redor do mundo, transformou a maneira como as pessoas descobrem, compartilham e consomem literatura, além de incentivar a leitura.
Com vídeos curtos e dinâmicos, os criadores de conteúdo do BookTok discutem suas leituras favoritas, recomendam obras, e até mesmo resenham livros, criando uma nova onda de influência que impacta diretamente as vendas no mercado editorial.
A comunidade é diversa, com criadores que abordam desde clássicos da literatura até obras contemporâneas, abrangendo gêneros como ficção, fantasia, romance e dark romance.
Em entrevista exclusiva ao Band.com.br, Fernanda Garcia, Diretora Executiva da Câmara Brasileira do Livro, organização responsável pela Bienal Internacional do Livro de São Paulo, compartilhou suas impressões sobre o impacto do BookTok na feira literária e no mercado editorial como um todo.
Para Fernanda, as redes sociais, especialmente o TikTok, têm um impacto profundo na promoção da leitura, especialmente entre os jovens. “A hashtag #BookTok tem mais de 36 milhões de publicações, e de fato, é uma plataforma muito boa para o setor de livros trabalhar, tanto para os autores quanto para as editoras”, afirma.
Durante a Bienal do Livro de 2022, a pesquisa Retratos da Leitura em eventos do livro e literatura, revelou que 60% dos participantes citaram influenciadores das redes sociais, incluindo o BookTok, como uma das principais motivações para conhecer ou ler um livro.
Conforme dados do Google Trends, o termo passou a ser buscado pelos brasileiros na internet a partir de 2021, ainda durante a pandemia. No mesmo ano, o BookTok também atingiu o pico de buscas. Isso porque, alguns dos livros falados pelos influenciadores, ficaram entre os mais vendidos e aí se notou a relevância da comunidade.
Entre os livros mais bem falados em 2021 estavam: "Um de nós está mentindo" (2017), de Karen McManus, "Corte de espinhos e rosas" (2018), de Sarah J. Maas, "Vermelho, branco e sangue azul" (2019), de Casey McQuiston e "Os sete maridos de Evelyn Hugo" (2019), de Taylor Jenkins Reid.
Em 2023, aconteceu uma nova alta nas buscas sobre o BookTok. Livros como “Biblioteca da Meia-Noite” (2020) de Matt Haig, “É assim que acaba” (2016) e “Verity” (2018) de Coleen Hoover — estiveram entre os mais vendidos — sendo que todos eles são amplamente mencionados na comunidade do TikTok.
A pesquisa Retratos da Leitura em eventos do livro e literatura também reflete o impacto da comunidade no aumento das vendas.
Quando questionados sobre quem deu a indicação para o livro que estão lendo ou para o último livro que leram, em 2019, apenas 13% dos leitores disseram que a indicação partiu da rede social. Já a pesquisa de 2022 mostra 29% dos leitores escolhendo livros por indicação nas redes sociais.
O impacto nas vendas de livros
Até alguns anos atrás, os apaixonados por livros buscavam livrarias e sebos para encontrar suas próximas leituras. Hoje, o TikTok cumpre esse papel.
O fenômeno BookTok tem sido responsável por impulsionar a venda de muitos livros, especialmente aqueles que se tornam "virais" na plataforma. “A Bienal teve um aumento de vendas e de ticket médio de forma geral. Isso não está filtrado por qual foi a influência dessa venda, mas acreditamos que o BookTok tenha, sim, um impacto”, observa Fernanda.
Novos autores e o poder de divulgação do BookTok
Alguns livros, até então pouco conhecidos, alcançaram as listas de best-sellers após serem promovidos por usuários dessa comunidade. Autores independentes também estão encontrando no BookTok uma plataforma poderosa para divulgar suas obras.
O TikTok é uma plataforma que traz uma possibilidade muito maior de divulgação. É uma oportunidade para que outros nomes apareçam, diz a Diretora da CBL.
Além disso, o BookTok está influenciando a maneira como as editoras abordam o marketing de suas obras. Muitas empresas agora colaboram diretamente com criadores de conteúdo do BookTok para promover lançamentos e criar campanhas de marketing direcionadas.
“Não só as editoras, mas a própria Bienal do Livro já investe nos influenciadores como uma maneira de divulgar todo esse trabalho”, destaca.
“Nem todo mundo gosta de Machado de Assis”
Malu Marques, uma jovem de 19 anos, nunca imaginou que sua paixão por livros e pela criação de conteúdo na internet a levaria a se tornar uma influenciadora digital. Hoje, com mais de 155 mil seguidores no TikTok, a jovem é conhecida por compartilhar suas leituras e opiniões sobre livros com uma comunidade crescente de seguidores.
Em entrevista exclusiva ao Band.com.br, ela contou que sempre teve uma afinidade natural com a internet. Desde criança, adorava gravar vídeos para o YouTube e, quando o TikTok surgiu, ela começou a usar a plataforma da maneira mais pessoal, compartilhando danças e momentos com amigos.
No entanto, foi em 2021, enquanto escrevia um livro, que a ideia de criar conteúdos focados em livros tomou forma.
“Comecei a acompanhar alguns criadores no TikTok que já estavam no meio literário e percebi que havia uma comunidade engajada. Na época, meu objetivo era criar uma base de seguidores que, no futuro, pudesse se interessar pelo livro que eu estava escrevendo”, explica Malu.
Com o passar do tempo, a influenciadora começou a monetizar em cima do conteúdo que produzia. “Virou algo rentável, mas, mais do que isso, eu estava fazendo algo que amava, o que me fazia bem e me conectava com pessoas que compartilhavam do mesmo interesse”, relembra.
A primeira parceria paga com uma editora veio logo em seguida, e desde então, ela trabalha com diversas editoras, promovendo livros e fortalecendo sua presença no meio literário.
Não é porque recebo um livro de uma editora que vou falar bem dele. Sempre deixo claro que minha opinião será honesta, e isso está presente nos contratos, afirma.
Malu acredita que o BookTok tem um impacto significativo nas vendas e na visibilidade das obras literárias. “Muitos livros que estão circulando hoje devem seu sucesso ao BookTok. As editoras perceberam que um influenciador tem o poder de transformar um livro em um fenômeno, e isso faz com que nos procurem cada vez mais para parcerias”, observa.
Ela conta, que atualmente, consegue faturar entre R$ 600 e R$ 1.000 apenas com a monetização do TikTok. O valor pode variar conforme a quantidade de visualizações dos vídeos. Malu ainda recebe por parcerias pagas que faz com editoras e autores.
“Meu objetivo nunca foi fazer o Book Tok virar um trabalho. Contudo, depois de toda a repercussão, produzir conteúdo virou tudo o que eu sempre quis, estou vivendo um sonho”.
Ela também destaca como o TikTok oferece um acesso mais fácil e rápido às recomendações de livros: “Em um minuto de vídeo, você pode receber cinco indicações de livros. Isso torna a plataforma poderosa para divulgar literatura".
"Não é sobre o número de seguidores, mas sobre criar um vínculo com a audiência. Isso é o que realmente importa, e é por isso que as pessoas confiam em mim”, conta.
Os critérios para avaliar se um livro é bom ou ruim são bem definidos, sendo alguns deles: a maneira como os personagens são descritos, se o desfecho da história faz sentido com o contexto e se o plot twist, isto é o clímax, de fato faz sentido e foi bem escrito.
Atualmente, ela lê pelo menos um livro por semana para conseguir criar conteúdos para a rede social. Entre romances, fantasias e thrillers, foi ficando cada vez mais claro para Malu, que nem só de Machado de Assis se vive o leitor.
Nem todo mundo gosta de Machado de Assis. Infelizmente, as escolas hoje, por conta das escolhas dos livros, acabam com a ambição de leitura dos jovens. São livros complexos e nem sempre com temas que interessam esse público. E você deixa de ler por prazer, para ler porque cairá na prova. Acho que muitos adolescentes saem na escola vendo livros dessa forma, conclui.
Futuro do BookTok
Quando questionada sobre a qualidade dos livros promovidos no BookTok, especialmente em comparação com clássicos literários como os de Machado de Assis, Fernanda argumenta que “livro é livro” e que a descoberta do prazer pela leitura é mais importante do que o gênero ou a qualidade literária.
“Cada pessoa vai ter uma preferência pessoal pela leitura, e o prazer pela leitura não é algo que se descobre só com a escola. A educação e a escola têm um papel importantíssimo na formação de leitores, mas livro é livro, e leitura sempre faz bem”, defende.
Fernanda reconhece que o BookTok é um ponto de partida para muitos jovens se tornarem leitores, e que, embora a plataforma promova livros que nem sempre são lidos nas escolas, isso não diminui seu valor.
Tem livro bom e tem livro ruim, o que é bom para você não necessariamente é atraente para mim. A riqueza da literatura está exatamente em todas as possibilidades, em todas as vozes, afirma.
Ao olhar para o futuro, Fernanda espera que o BookTok continue a crescer e a diversificar o mercado literário, ampliando o acesso à leitura. “A tendência é realmente ampliar e cada vez ter mais gente, mais diversidade de títulos e influenciadores com visões diferentes. Isso é muito rico”, diz.
Fernanda também comentou sobre a possibilidade de livros promovidos no BookTok ganharem o Prêmio Jabuti, por exemplo. Ela explica que, embora o prêmio seja tradicionalmente focado em literatura de alta qualidade, há espaço para autores emergentes.
“Já tivemos na história do Jabuti um ganhador que era autor independente e publicou seu próprio livro, que ganhou o Livro do Ano, a premiação máxima do Jabuti. Então, sim, há potencial para que um livro tendência do BookTok concorra e ganhe o prêmio”, conclui.
Em um mundo onde a atenção é um recurso escasso, o BookTok conseguiu capturar a imaginação de milhões de leitores, reavivando o amor pela leitura e ajudando a moldar o futuro do mercado editorial.
Bienal do Livro de São Paulo
Maior evento literário da América Latina, a 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, realizada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) acontece entre os dias 6 e 15 de setembro, no Distrito Anhembi, em São Paulo, e espera receber mais de 600 mil visitantes. São 13 espaços culturais e uma vasta programação, incluindo autores consagrados, estreantes e internacionais.
Sobre os planos para a Bienal de 2024, Fernanda revela que o TikTok continuará sendo um parceiro importante, com ações que vão além do evento em si.
Veja os livros de ficção mais lidos em 2024:
- Biblioteca da Meia-Noite - Matt Haig
- É Assim Que Acaba - Coleen Hoover
- Tudo é Rio - Carla Madeira
- É Assim Que Começa - Coleen Hoover
- Verity - Coleen Hoover
- Em Agosto nos Vemos - Gabriel García Márquez
- A Empregada - Freida McFadden
- A Paciente Silenciona - Alex Michaelides
- Todas as suas (im)perfeições - Coleen Hoover
- Antes que o Café Esfrie - Toshikazu Kawaguchi